Impostometro

quarta-feira, 31 de julho de 2013

A CIA e o controle do clima


A CIA e o controle do clima

Imaginem se a CIA pudesse decidir sobre o termostato global. A geoengenharia é tão arriscada, tanto por seus efeitos climáticos quanto por seu potencial uso hostil contra outros países, que a única coisa sensata a se fazer é proibir internacionalmente seu uso


Silvia Ribeiro

A CIA estadunidense está financiando um estudo de geoengenharia (manipulação climática) que durará 21 meses, com um custo inicial de 630 mil dólares. O estudo está sendo realizado pela Academia Nacional de Ciências, com participação da NASA e da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos (cf. Revista Mother Jones, 17/7/2013).
O interesse da CIA pelo clima não é novo; porém, essa participação é significativa devido às implicações bélicas da possibilidade de manipular e à pressão exercida pelos proponentes da geoengenharia nesse país, para avançar em experimentação dessas técnicas, apesar de existir uma moratória nas Nações Unidas contra sua aplicação.
O projeto analisará diferentes propostas de geoengenharia, como manejo da radiação solar e remoção de dióxido de carbono da atmosfera; também estudarão os efeitos da semeadura de nuvens e outras formas de manipular o tempo atmosférico para provocar chuva, secas e controlar furacões. Segundo informação oficial, farão uma avaliação técnica dos impactos dessas tecnologias do ponto de vista ambiental, econômico e de segurança nacional.
Esses últimos, são os aspectos que preocupam a CIA, que, em documentos anteriores,qualificou a mudança climática e o controle do clima como fatores de importância geopolítica estratégica e de segurança nacional. Apesar disso, os republicanos votaram pelo desaparecimento do departamento de mudança climática da CIA, o que, segundo a Agência, motivou-a a financiar essa iniciativa. As razões poderiam ir além, já que o controle do clima é um projeto militar de longa data nesse país, que realizou experimentos desde a guerra do Vietnã, provocando chuva durante meses seguidos, para prejudicar os cultivos e caminhos dos vietnamitas. Nesse sentido, em 1996, a Força Aérea Estadunidense publicou um documento intitulado Weather as a Force Multiplier: Owning the Weather in 2025 (O tempo como multiplicador da Força: possuindo o tempo em 2025), cujo título reflete claramente suas intenções.
Esses interesses convergem com os de um grupo pequeno, porém, influente, de climatologistas e outros cientistas de países do Norte, que alegam que a geoengenharia é necessária porque não se pode reduzir rapidamente as emissões de gases de efeito estufa (como se seus países não fossem os que têm que tomar as principais medidas para isso!). Ou, como declarou David Keith, um conhecido promotor da geoengenharia, porque é um plano barato e fácil. (MIT Technology Review, 8/2/2013).
Sim, barato e fácil para os que causaram a mudança climática com seu alto consumo de recursos e industrialização baseada no petróleo, porque em vez de reduzir realmente suas emissões, poderiam continuar aquecendo o planeta e, além disso, fazer um negócio substancioso com novas tecnologias que manipulem o clima de todos, para baixar ou subir a temperatura, segundo convenha aos interesses econômicos e bélicos dos que a controlem.
Sob o termo manejo da radiação solar, a meta é diminuir a quantidade de raios solares que chegam à terra. Por exemplo, através de construir enormes nuvens vulcânicas artificiais, injetando-lhes partículas de enxofre. Outras propostas incluem branquear as nuvens, colocar trilhões de espelhos no espaço para refletir a luz do sol ou, a mais recente, do próprio David Keith, dispersar ácido sulfúrico usando aviões na linha equatorial para que se misture com as nuvens. Quanto à remoção de dióxido de carbono, incluem-se outras técnicas, como máquinas ou árvores artificiais que absorvam carbono da atmosfera (que, certamente, não sabem onde depositarão, para que lá permaneça para sempre). A mais conhecida é a fertilização oceânica: verter nanopartículas de ferro ou de ureia no mar para provocar florescimentos de plâncton, que absorvam dióxido de carbono e o levem para o fundo do mar.
As técnicas de geoengenharia são somente teóricas, salvo alguma, como a fertilização oceânica, da qual já são conhecidos experimentos legais e ilegais, que mostraram que, além de não servir para seu propósito –o carbono não permanece no fundo do mar- os impactos podem ser enormes, com quebra da cadeia alimentar marinha, anoxia (falta de oxigênio) nas camadas marinhas, criar algas tóxicas etc.
A geoengenharia, para ter impacto no clima global, teria que ser aplicada em megaescala, rompendo um ecossistema global pouco conhecido, altamente dinâmico e em interação com toda a vida do planeta. Não existe, portanto, uma etapa experimental. O que se faça em pequena escala não mostrará a ação sobre o clima global, apesar de que poderia ter impactos negativos graves na zonas ou na região. E, caso seja em grande escala, não é experimental; é irreversível.
Por exemplo, as nuvens vulcânicas artificiais não podem ser retiradas até que as partículas caiam na terra, o que é tóxico. Essa técnica aumentaria ainda mais o buraco na camada de ozônio e a acidificação dos mares, dois problemas globais muito graves. Se realmente conseguissem diminuir a quantidade de luz solar que chega ao Norte, produziriam seca extrema na África e interrupção das moções na Ásia, colocando em perigo as fontes de alimento de 2 bilhões de pessoas.
Imaginem se a CIA pudesse decidir sobre o termostato global. A geoengenharia é tão arriscada, tanto por seus efeitos climáticos quanto por seu potencial uso hostil contra outros países, que a única coisa sensata a se fazer é proibir internacionalmente seu uso.
Silvia Ribeiro é pesquisadora do grupo ETC.
Tradução: Adital


Fonte: http://www.brasildefato.com.br/node/14507

A visita do papa Francisco ao Brasil


A visita do papa Francisco ao Brasil

Cabe à esquerda comprometida com a transformação estrutural da sociedade disputar o discurso e a prática da Igreja

31/07/2013

Editorial da edição 544 do Brasil de Fato

O revolucionário cubano Fidel Castro, numa célebre entrevista a Frei Betto, alerta para dois elementos que a esquerda latino-americana não deve secundarizar: a religiosidade e o nacionalismo. São dois elementos centrais para a disputa de hegemonia nas formações sociais do nosso continente.
De fato, a Igreja Católica tem um capítulo importante nos processos de transformação na América Latina. Sua contribuição se deu centralmente a partir do Concílio Vaticano II (1962-1965) quando a Igreja abre suas portas, por tabela, para a atuação do que viria a se chamar Teologia da Libertação. As conferências de Medellín, em 1968 – da qual emana a proposta de uma “Igreja dos pobres” – e de Puebla, em 1979 – quando a “opção preferencial pelos pobres” é mantida e aprofundada – são marcos importantes da unidade da Igreja com os setores populares. Personagens como Camilo Torres, dom Hélder Câmara, dom Oscar Romero são expressões dessa aliança.
Além disso, este setor da Igreja cumpriu um papel importante no processo revolucionário na Nicarágua, na luta contra a ditadura militar brasileira, na criação das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e no processo de construção do movimento camponês no Brasil.
No entanto, é importante ressaltar a ofensiva conservadora impulsionada pelo papa João Paulo II nos processos de dissolução das experiências de construção do socialismo no Leste europeu, na tentativa de desestabilização da Nicarágua e no enquadramento da Teologia da Libertação aos dogmas oficiais da Igreja Romana.
A eleição do papa Francisco ocorre num contexto de crise da Igreja. Os escândalos de pedofilia e lavagem de dinheiro contribuem para a perda de credibilidade da Igreja enquanto instituição. A escolha de um papa latino tem como objetivo conter esta perda de credibilidade. Vale lembrar que a América Latina é o principal reduto de católicos no mundo.
As movimentações do papa Francisco têm deslocado o centro do discurso papal da Igreja enquanto instituição para a população pobre, a periferia. Apesar disso, é muito cedo para afirmarmos que a Igreja cumprirá um papel missionário e pastoral característico aos das décadas de 1960 a 1980.
Durante a Jornada Mundial da Juventude, a mídia conservadora, particularmente a Rede Globo, buscou construir uma imagem popular do papa, mas ofuscando as manifestações em defesa do caráter laico do Estado e contra o governo repressor de Sérgio Cabral.
Vale destacar a falta de transparência com os gastos financeiros de milhões de reais provenientes dos cofres públicos que foram destinados para a visita do papa. Além disso, a cidade do Rio de Janeiro foi praticamente sitiada pelo Exército, pela Força Nacional de segurança e pela polícia do impopular governador Sérgio Cabral. Ao mesmo tempo, o papa Francisco não desautorizou as manifestações da juventude.
Num momento em que a América Latina vive um processo de mudanças importantes com a eleição de governos populares e progressistas, o discurso da Igreja se voltar para os pobres seria um importante acúmulo de forças.
Cabe à esquerda comprometida com a transformação estrutural da sociedade disputar o discurso e a prática da Igreja. Oxigenar o papel missionário dos setores da Teologia da Libertação, fortalecendo as pastorais sociais é um importante desafio.

Fonte: http://www.brasildefato.com.br/node/14862

Edward Snowden


Carta do pai de Edward Snowden e seu advogado ao presidente Obama

Instamos o senhor a ordenar que o Promotor Geral abandone a queixa criminal contra Edward, e apoie a legislação para remediar os abusos de vigilância da NSA que ele revelou


Caro Ilmo. Sr. Presidente:
O senhor esta extremamente ciente de que a história da liberdade é a história da desobediência civil à leis ou práticas injustas. Como Edmund Burke pregou, "O triunfo do mal despende unicamente de que os homens bons não façam nada."
A desobediência civil não é a primeira, mas a a última opção. Henry David Thoreau escreveu com profunda resistência sobre a Desobediência Civil: "Se a injustiça é parte da fricção necessária da máquina do governo, que seja, deixe que passe: possivelmente ela irá se desgastar suavemente e certamente a máquina irá se desgastar. Se a injustiça tem uma fonte, ou uma polia, ou uma corda, ou uma manivela exclusiva, talvez então você deva considerar se o remédio será pior do que o mal; mas se for de tal natureza que requeira que você seja o agente da injustiça contra um outro, então, eu digo, viole a lei. Deixe a sua vida ser a contra-fricção que detém a máquina.”
A filosofia moral de Thoreau encontrou expressão durante os tribunais de Nuremburgo nos quais "cumprir ordens" foi rejeitado como uma argumento de defesa. Na verdade, a lei militar exige desobediência a leis claramente ilegais.
Um capítulo negro da história da Segunda Guerra Mundial na América não teria sido escrito se o então Promotor Geral dos Estados Unidos tivesse se demitido ao invés de participar dos campos de concentração racistas que aprisionaram 120.000 cidadãos Americanos Japoneses e estrangeiros residentes.
A desobediência civil do Ato do Escravo Fugitivo e as leis de Jim Crow provocaram o fim da escravidão e a revolução moderna por direitos civis.
Nós submetemos que as revelações de Edward J. Snowden sobre o arrastão de vigilância dos Americanos sob o § 215 do Ato Patriota, do § 702 do Ato de Vigilância da Inteligência Externa, ou que tenham sido sancionados pela honrosa filosofia moral de Thoreau e justificações pela desobediência civil. Desde 2005, o Sr Snowden trabalhava para a comunidade de inteligência. Ele se encontrou numa situação de cumplicidade com um segredo, espionando indiscriminadamente milhões de cidadãos inocentes o que é contrário ao espírito, senão à carta da Primeira e Quarta Emendas e a transparencia indispensáveis ao auto-governo. Membros do Congresso incumbidos com o descuido se mantiveram silenciosos ou Delficos. O Sr Snowden foi confrontado com a escolha entre a o dever cívico e a passividade. Ele pode ter recordado a injunção de Martin Luther King, Jr.: "Ele que passivamente aceita o mal esta tão envolvido quanto aquele que ajuda a perpetrá-lo." O Sr Snowden escolheu o seu dever. A sua administração vingativamente respondeu com uma queixa criminal alegando violações do Ato de Espionagem.
Desde o início de sua administração, o sigilo dos programas de vigilância Orwelianos da Agencia de Segurança Nacional haviam frustrado a discussão nacional sobre a sua legalidade, necessidade e moralidade. Esse sigilo (combinado com a impraticabilidade congressional) provocou as revelações de Edward, que causou um debate nacional que o senhor tardia e cinicamente aderiu. A legislação foi introduzida no Parlamento e no Senado para limitar ou encerrar os programas da NSA [sigla em inglês da Agencia de Segurança Nacional], e o povo Americano esta sendo educado sobre as escolhas de políticas públicas disponíveis. A grande maioria hoje verbaliza suas preocupações sobre a vigilância de arrastão dos Americanos que foi exposta por Edward e que o senhor ocultou. Nos parece confuso que o senhor esteja processando Edward por ter conseguido o que o senhor disse ser urgentemente necessário!
O direito a não ser perturbado pela bisbilhotagem do governo - o direito mais valioso entre as pessoas civilizadas - é o pilar da liberdade, Robert Jackson, da Corte Suprema de Justiça, serviu como Procurador Chefe em Nuremburgo. Ele aprendeu as dinâmicas do Terceiro Reich que destruíram uma sociedade livre, e que oferecem lições para os Estados Unidos hoje.
Escrevendo em Brinegar v. Estados Unidos, Jackson elaborou:
A Quarta Emenda afirma: " O direito à segurança pessoal dos indivíduos, de suas casas, papéis, e efeitos, contra buscas não justificadas e embargos, não devem ser violados, e nenhum mandato pode ser emitido sem uma causa provável, apoiados por Juramento ou afirmação, e descrevendo particularmente o local a ser revistado, as pessoas e coisas a serem apreendidas."
Esses, eu protesto, não são meros direitos secundários mas pertencem ao catálogo das liberdades indispensáveis. Entre as privações de direitos, nenhuma é tão eficiente em intimidar a população, esmagando o espirito do indivíduo e colocando o terror em cada coração. A busca e apreensão descontrolada é uma das primeiras e mais eficientes armas no arsenal de todo governo arbitrário. Tudo que um individuo necessita é ter convivido e trabalhado entre pessoas dotadas de muitas qualidades admiráveis mas privadas desses direitos para saber que a personalidade humana deteriora e a dignidade e auto-confiança desaparecem onde lares, pessoas e possessões são sujeitas a qualquer momento à buscas e apreenções não anunciadas pela polícia.
Nós, portanto, acreditamos que o zelo com que a sua administração esta punindo o Sr. Snowden, por cumprir com a sua responsabilidade cívica, para proteger os processos democráticos e garantir a liberdade, é injusto e indefensável.
Estamos também chocados com o desdenho da sua administração pelo direito, as leis, a justiça e presunção da Inocência com relação a Edward.
No dia 27 de junho de 2013, o Sr. Fein escreveu uma carta ao Promotor Geral afirmando que o pai de Edward estava substancialmente convencido de que ele iria retornar aos Estados Unidos para enfrentar as acusações que foram feitas contra ele, se houvessem três garantias legais fundamentais. A carta não era um ultimato, mas um convite a discussão dos imperativos de um julgamento justo. O Promotor Geral foi desdenhado na abertura com um silencio estudado.
Nós, portanto, suspeitamos que a sua administração deseja evitar um julgamento devido á dúvidas constitucionais sobre as aplicações do Ato de Espionagem nessas circunstancias, e às obrigações de revelar ao publico informações classificadas potencialmente embaraçosas sob o Ato dos Procedimentos de Informação Classificada.
A sua decisão de forçar uma companhia aérea civil, que transportava o presidente boliviano Evo Morales, a aterrizar na esperança de sequestrar Edward, também não inspira a confiança de que o senhor esta comprometido em oferecer a ele um julgamento justo. Nem tampouco a sua recusa em lembrar o povo Americano e os eminentes Democratas e Republicanos no Parlamento e no Senado como também o Porta Voz da Casa John Boehner, a Congressista Nancy Pelosi, a Congressista Michele Bachmann, e a Senadora Dianne Feinstein que Edward desfruta da presunção de inocência. Ele não deveria ser condenado antes do julgamento. E ainda assim o porta voz Boehner denunciou Edward como“traidor.”
A Sra Pelosi pontificou que Edward “violou a lei quando liberou aqueles documentos." A Sra Bachmann pronunciou que, “Isso não foi um ato de um patriota; isso foi uma ato de um traidor.” E a Sra Feinstein decretou que Edward era culpado de "traição" que é definido no Artigo III da Constituição como uma "declaração de guerra" aos Estados Unidos, "ou a aderir aos seus inimigos, dando a eles auxílio e conforto."
O senhor permitiu essas quatro afrontas ao devido curso do processo, passarem sem repreensão, enquanto o senhor menosprezou Edward como um “hacker”, espalhando difamações sobre as suas motivações e talentos. O senhor esqueceu o gospel da Corte Suprema em Berger v. Estados Unidos em que os interesses do governo " em um processo criminal não são vencer o caso, mas que a justiça seja feita?"
Nós também achamos repreensível a sua administração processar Edward por Ato de Espionagem, pelas suas revelações, sem distinção daqueles que rotineiramente entram no domínio publico através dos seus indicados do alto escalão, com o objetivo de adquirir vantagens políticas partidárias. Detalhes classificados dos protocolos do seu predador drone, por exemplo, foram compartilhados com o New York Times impunimente, para reforçar as suas credenciais de segurança nacional. A justiça, observou Jackson na Railway Express Agency, Inc. v. New York: “Os autores da Constituição sabiam, e nós não deveríamos esquecer hoje, que não há maior garantia prática e efetiva contra governos arbitrários e insensatos do que exigir que os princípios da lei que oficiais fossem impor sobre a minoria, devam ser impostos em geral.”
Sob a luz das circunstâncias amplificadas acima, nós instamos o senhor a ordenar que o Promotor Geral abandone a queixa criminal contra Edward, e apoie a legislação para remediar os abusos de vigilância da NSA que ele revelou. Tais diretivas presidenciais iriam marcar o seu momento constitucional e moral mais importante.

Atenciosamente,
Bruce Fein, conselheiro de Lon Snowden
e Lon Snowden

Tradução: Ana Amorim

Fonte: http://www.brasildefato.com.br/node/14498

Ibama confirma atraso da Norte Energia nas obras de compensação de Belo Monte


Ibama confirma atraso da Norte Energia nas obras de compensação de Belo Monte

“Fica claro o descompasso entre as obras de construção da UHE Belo Monte e a implementação das medidas mitigadoras e compensatórias", diz o órgão
31/07/2013


Novo relatório do Ibama, divulgado discretamente na semana passada, avaliou como anda o cumprimento das chamadas “condicionantes” – obras de compensação que a Norte Energia, dona da barragem de Belo Monte, deve fazer para minimizar os impactos da obra. De acordo com o órgão, de 23 itens, apenas três já foram cumpridos, enquanto sete não foram. Os demais itens estão em categorias intermediárias, como “parcialmente atendidos”, “em atendimento” ou não são avaliáveis.
Entre as condicionantes não cumpridas, estão ações importantes como a implantação do saneamento básico nos municípios afetados e a implantação de equipamentos de saúde e educação. Por exemplo, o sistema de abastecimento de água potável e a construção de 261 quilômetros de rede de esgoto em Altamira, a cidade mais afetada, deveria ter sido iniciados em julho de 2011, mas ainda não começaram.
Além disso, o órgão destaca o atraso significativo para iniciar a implantação do sistema de drenagem urbana em Altamira. “As obras deveriam ter sido iniciadas em março de 2012 e, até o momento, a Norte Energia ainda encontra-se na fase de planejamento do projeto”, afirma o relatório.
Outras condicionantes não atendidas dizem respeito ao tratamento para com os atingidos pela barragem. A empresa não garantiu a realização e divulgação de cadastro socioeconômico dos atingidos, o livre acesso a esse cadastro e ao caderno de preços das propriedades atingidas, e nem a plena liberdade de escolha da população quanto aos diversos tipos de indenizações previstas no Plano Básico Ambiental (PBA) da obra.
De acordo com o Ibama, o não cumprimento das condicionantes pode inviabilizar a concessão da Licença de Operação (LO), que autoriza o enchimento do reservatório, no tempo desejado pela Norte Energia. Caso essa licença atrase, a meta da empresa, de acionar a primeira das 24 turbinas em fevereiro de 2015, pode ficar comprometida. Até agora, 30% das obras de Belo Monte já foram concluídas.
O Ibama compara a diferença na velocidade das obras da barragem e no cumprimento das condicionantes: “fica claro o descompasso entre as obras de construção da UHE Belo Monte e a implementação das medidas mitigadoras e compensatórias, fato agravado pelas contínuas mudanças na gestão da Norte Energia. Torna-se evidente que tal descompasso poderá se refletir em atraso na emissão da Licença de Operação para o empreendimento, e consequente enchimento dos reservatórios”, diz o documento do Ibama.
"Esse atraso mostra qual o real interesse em se construir Belo Monte, que não é, como foi dito, trazer desenvolvimento à região, mas sim, gerar lucro com a produção dessa energia, sem questionar a quem ela está servindo", afirma Antônio Claret, militante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) na região.
O Ibama analisou o 3º relatório da Norte Energia para acompanhamento do PBA, entregue em janeiro deste ano. Em nota ao jornal Folha de S.Paulo, a Norte Energia disse que "desde que a empresa entregou o referido relatório, em 30 de janeiro de 2013, várias ações já foram executadas de maneira a atender às exigências do órgão.”

Desrespeito aos atingidos
O órgão também apontou falhas nas indenizações dos atingidos da área rural, com diferenças de preços, e na condução do processo de reassentamento urbano em Altamira. Com relação ao reassentamento, o órgão fez o alerta de que “o prazo para sua execução total está extremamente “achatado” em relação à meta prevista de emissão da LO da casa de força complementar em fins de 2014. Dessa forma, para que se mantenha a previsão da emissão da LO segundo cronograma constante no PBA e, ainda, que se realize um atendimento à população atingida dentro de premissas minimamente participativas e de consenso social, não poderá ser adiada mais nenhuma atividade deste projeto”.
Das áreas compradas pela empresa para os reassentamentos, na periferia de Altamira, apenas uma está com o cronograma em ordem para a implantação do projeto. Em outra delas, próxima ao lixão, a Norte Energia acusa a Prefeitura de Altamira de continuar despejando lixo em parte da área, de maneira irregular.
O relatório do Ibama ainda critica a forma como a empresa vem se comportando com relação ao modelo das casas ofertadas aos atingidos – feitas em concreto e tamanho único de 63 m². As casas-modelo para visitação só ficaram prontas no mês de junho, após divulgação do relatório. “Esta situação, somada à indefinição das áreas para reassentamento, à não divulgação do caderno de preços, à padronização do tamanho das casas em 63m² (ao contrário dos três tamanhos diferentes anunciados em boletim informativo do empreendedor), à falta de informações sobre como será conduzido o processo de reassentamento e, sobretudo, à um processo de comunicação social pouco esclarecedor para a população, vem gerando insatisfação e instabilidade junto aos moradores atingidos.”
Foto: Xingu Vivo

Fonte: http://www.brasildefato.com.br/node/14861

“Pobre estudar medicina é afronta para a elite”, diz médico formado em Cuba

“Pobre estudar medicina é afronta para a elite”, diz médico formado em Cuba

Formados em Cuba, médicos falam da elitização dos cursos e criticam os métodos de avaliação brasileiros dos profissionais formados do exterior
31/07/2013

A elitização do ensino de medicina no Brasil é um obstáculo para jovens de baixa renda entrarem nas universidade e se formarem. Já os problemas nas provas de revalidação do diploma dificultam o exercício da profissão em território nacional pelos brasileiros que conseguiram se formar no exterior.
“Quem estuda medicina no nosso país são os filhos das elites, em sua maioria. É uma afronta para a elite um negro, um pobre, um trabalhador rual, filho de Sem Terra estudar medicina na faculdade, principalmente pelo status conferidos por essa profissão”, afirma Augusto César, médico brasileiro formado em Cuba e militante do MST.
Estudo do Ministério da Educação (MEC) aponta que 88% dos matriculados em universidades públicas de medicina estudaram em escolas particulares no ensino fundamental e médio. Os programas do governo de acesso à universidade, como o Programa Universidade para Todos (ProUni), ampliaram o acesso, mas ainda não conseguiram universalizar e democratizar a educação.
“A maioria das pessoas quem entra na universidade pública para fazer medicina tem dinheiro para fazer um bom cursinho ou estudou o tempo todo numa escola particular. Claro que há exceções, mas o ensino de medicina do nosso país é altamente elitizado”, acredita.
“A maioria das pessoas que tem acesso às escolas de medicina são de classe média e classe média-alta. Um pobre numa universidade particular não consegue se sustentar pelo alto preço das mensalidades. Sem contar que hoje temos mais universidades privadas do que públicas na área da saúde, dificultando ainda mais o acesso”, diz a médica formada em Cuba Andreia Campigotto, que também é militante do MST.
Revalidação
A necessidade dos médicos brasileiros formados no exterior e estrangeiros passarem por uma prova para verificar se estão capacitados a exercer a profissão é um tema frequentemente pautado pela comunidade médica brasileira.
Independentemente do curso, todos os estudantes brasileiros que realizam um curso fora do país precisam passar por uma revalidação do diploma. No entanto, há falhas nesse processo no caso da medicina.
Um dos principais problemas é que não existe um padrão para o conteúdo dessas provas. Cada universidade federal pode abrir sua prova de reconhecimento de títulos no exterior. Com isso, o conteúdo não é uniforme. 
Além disso, o custo dessas avaliações é alto. A Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) cobra uma  taxa de inscrição de R$1.172,20. Outras universidades pelo país têm preços similares.
Preconceito
“As provas são injustas, porque têm um nível de médicos especialistas, preterindo os 'generalistas', que é o nosso caso após nos graduar. Isso causa uma desaprovação considerável dos estudantes que vem de fora”, acredita Andréia.
“O que a categoria médica não divulga é que 50% dos estudantes da USP reprovaram na prova feita pelo Conselho de Medicina de São Paulo. Foi uma prova para médico generalista, muito mais fácil, que a de revalidação”, revela.
Para Andréia, há um “grande preconceito” por parte dos profissionais brasileiros em relação aos médicos formados em outros países, o que cria um entrave para a revalidação dos diplomas.
“Seria justo se os profissionais que se formam no Brasil fizessem as mesmas provas que nós, para ver se realmente se comprova uma suposta má formação de nossa parte, bem como discursa a categoria médica brasileira”, observa.
Os dois médicos defendem a realização de uma avaliação dos conhecimentos dos profissionais graduados no exterior, mas destacam que as provas atuais não cumprem esse papel, porque não são aplicados testes adequados para auferir o conhecimento.
“As provas teóricas e práticas atuais não levam em conta as complexidades. Seria muito melhor colocar esse médico para trabalhar sob um tutor e, a partir daí, se instaurar uma avaliação rigorosa e permanente. Mas isso não tem sido pensado”, pontua Augusto.
Formação
A concepção de medicina ensinada nas universidades impede também que os estudantes vejam a luta pela saúde além do tratamento de doenças.
“Nas universidades de medicina, só se vê doença. Não se fala em saúde. Como você pode lutar pela saúde se só vê doenças? Também é saúde lutar por um sistema público de saúde de qualidade”, destaca Augusto.
De acordo com o militante, a concepção de saúde deve ultrapassar uma formação técnica. “O médico deve exercer a medicina a favor da construção de um país mais saudável, sem esperar que as pessoas ou uma comunidade adoeça para depois intervir sobre ela, pois é o modo de vida que vivemos que gera as doenças do país”, defende.
Andreia quer se tornar professora de medicina para colaborar para a mudança da forma de ensinar das universidades. Ela se classificou na primeira fase do concurso para lecionar na Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).
Segundo ela, o campo da educação deve ser ocupado por aqueles que querem democratizar a educação. “Precisamos formar profissionais com um novo perfil, realmente voltados para atender o povo, para se fixar nos locais de difícil acesso, não só nos grandes centros como hoje. É um campo interessante de atuação”.
Foto: Valter Campanato/ABr

Fonte: http://www.brasildefato.com.br/node/14868

MPL volta às ruas no dia 14 de agosto contra propinoduto tucano

MPL volta às ruas no dia 14 de agosto contra propinoduto tucano

Movimento Passe Livre calcula que passagem custaria R$ 0,90 se dinheiro supostamente desviado em governos do PSDB fosse aplicado no transporte
30/07/2013

O Movimento Passe Livre anuncia que no dia 14 de agosto voltará às ruas. O grupo irá realizar uma manifestação em parceria com o Sindicato dos Metroviários de São Paulo, por conta do propinoduto esquematizado nos contratos para as obras do Metrô, que pode ter desviado R$ 400 milhões dos cofres públicos. O caso, ocorrido em gestões do PSDB, foi denunciado pela multinacional Siemens.
“Nossa posição é que é um absurdo que o dinheiro público esteja sendo desviado do transporte. São mais de R$ 400 milhões desviados, isso daria para reduzir a tarifa a R$ 0,90”, afirma Matheus Preis, militante do MPL-SP.
A manifestação do dia 14 de agosto ainda não tem um local definido. No dia 6 de agosto, o MPL vai divulgar, em parceria com os metroviários, uma carta à população, informando o local do protesto.
Entenda o caso
A denúncia parte do recente acordo feito pela multinacional alemã Siemens com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), no qual, em troca de imunidade civil e criminal, a companhia revelou como ela e outras empresas se articularam para formar cartéis que atuavam nas licitações públicas do setor de transporte sobre trilhos. Mesmo sendo alvo de investigações desde 2008, as empresas envolvidas continuaram a disputar e ganhar licitações.
(Foto: Mídia Ninja)

Fonte: http://www.brasildefato.com.br/node/14860

Em nome do pai, em nome do filho


Em nome do pai, em nome do filho

Projetos que discutem o aborto em tramitação no Legislativo não levam em consideração uma peça importante: a mulher

31/07/2013

do Rio de Janeiro (RJ)

O aborto é a quinta causa de morte materna no Brasil, de acordo com o Conselho Federal de Medicina (CFM). O Mapa da Violência Contra a Mulher, publicado em 2012,mostra que o estupro é terceiro item entre as violências sofridas pela mulher, perdendo apenas para a física e psicológica, respectivamente.
Os dados mostram a obviedade da discussão do assunto no país. Não à toa, tramitam diversos projetos sobre o assunto nas casas do legislativo e com mais intensidade na última década. Por meio de uma busca bem superficial no site das duas casas com a palavra “aborto” e “estupro” aparecem cerca de oito mil projetos com as duas temáticas.
Dois destes têm se destacado nas discussões parlamentares e da sociedade nos últimos tempos. O primeiro, que já se encontra em sanção presidencial é o PLC 03/2013 – que prevê atendimento obrigatório e integral de pessoas vítimas de violência sexual –; o outro é o PL 478/2007 – que prevê um Estatuto do Nascituro e conta com projetos apensados que inclui assistência financeira à mãe estuprada, criminaliza o aborto, entre outros.
No projeto, que depende da sanção presidencial, um dos pontos polêmicos é a expressão “profilaxia da gravidez”, que permite que a vítima do estupro possa tomar a pílula do dia seguinte, permitida no Brasil e distribuída pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e vendida em farmácias; outro ponto que causou polêmica é o inciso que garante o “fornecimento de informações para vítimas sobre os direitos legais e sobre todos os serviços sanitários disponíveis” .
O pedido de veto foi realizado por representantes de entidades como Confederação dos Bispos do Brasil (CNBB), Federação Espírita do Brasil, Fórum Evangélico Nacional de Ação Social e Política, Movimento Nacional da Cidadania pela Vida – Brasil sem Aborto, Associação Nacional da Cidadania pela Vida e Confederação Nacional das Entidades de Família aos ministros Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral) e Gleisi Hoffmann (Casa Civil), e a representantes do Ministério da Saúde durante uma reunião na última semana. Pelo trâmite do projeto, a presidenta Dilma Rousseff deve dar seu parecer até o dia 1º de agosto.
Para a coordenadora do grupo Católicas pelo Direito de Decidir, Rosângela Talib, há uma má interpretação do grupo que está se colocando contra. Para ela,esta lei apenas torna legal o que já é praticado desde sob decreto que institui o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, mas a defesa pelo aborto em casos de estupro foi publicado em 2009, quando o José Serra era ministro da Saúde, e revisado em 2005.
“A prática do aborto em caso de estupro não é de agora e o termo ‘profilaxia da gravidez’, que mais tem sido atacado, já é uma norma técnica que regula a distribuição da pílula do dia seguinte. A profilaxia se refere a isso, assim como inclui também em relação à DSTs, mas algumas pessoas têm interpretado que esse é um subterfúgio para permitir a interrupção da gravidez em qualquer momento”, analisa.
Atualmente, de acordo com o Código Penal, as três formas descriminalizadas de realização do aborto são em caso de estupro, risco de morte à mãe e caso o nascituro apresente graves e irreversíveis anomalias físicas ou mentais. Para Débora Diniz, professora do Departamento de Serviço Social da Universidade de Brasília (UnB) esta discussão está mal intencionada e com outro foco.
“O debate do aborto deve ser feito sobre um viés de saúde pública e enxergar a mulher que não está satisfeita com este modelo de assistência à saúde e pelo que se define o que é direito social em saúde. O aborto está sendo criminalizado dentro de um cenário em que uma em cada cinco mulheres até os 40 anos já fez um aborto. Estamos falando de um contingente de mulheres que têm suas necessidades de saúde não satisfeitas e precisamos olhar para elas e ouvi-las”, informa Débora.
O Estatuto do Nascituro ainda é mais grave em relação às preocupações de Débora. O projeto de lei, entre outros pontos, proíbe o aborto em casos de estupro, dá direitos jurídicos ao nascituro, prevê a paternidade do estuprador – dando direitos de ser reconhecido na certidão de nascimento, além de exigir, como pai, que ele pague pensão até os 18 anos – proíbe estudos em células-tronco, e criminaliza manifestações e informações a favor do aborto, podendo ser penalizado criminalmente.
Débora Diniz chama a atenção para o que o projeto pretende. “É preciso dar os devidos nomes ao que esse projeto exige: ele ignora as mulheres, dá um estatuto de criança às células recém-fecundadas, obriga a mulher a se relacionar com os piores violadores da sua vida, e, talvez, da sua própria história. Essa me parece que pode ser a mais ardilosa estratégia do silenciamento do estupro familiar. Essa mulher, que vai ser obrigada a conviver com o sujeito, ela pode ser capaz de não denunciar ou ir para a ilegalidade”, analisa.
O Estatuto está em tramitação na Câmara dos Deputados. O Projeto já passou pela Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF) e se encontra na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) e depois seguiria para plenário, mas, o presidente da Comissão de Direitos Humanos, pastor Marco Feliciano (PSC-SP), pediu para que o projeto passasse por sua comissão.
“O tema do Estatuto do Nascituro é de competência da Comissão de Direitos Humanos. A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”, argumentou o pastor em seu pedido ao presidente da Câmara Eduardo Alves. Feliciano é uma das vozes que pedem o veto parcial do PL 03/2013, que está esperando sanção presidencial.
A vontade (e o direito) da mulher O caso do Uruguai é emblemático. Após a legalização do aborto, o país não registrou nenhum caso de morte de mulher que abortou. O subsecretário do Ministério da Saúde Pública do Uruguai, Leonel Briozzo, apresentou que no período de dezembro de 2012 a maio de 2013 foram realizados 2.550 abortos legais, sendo um dos países com as menores taxas de aborto do mundo. Atrelado a isso, o país intensificou campanhas educativas sobre o tema.
Rosangela Talib defende essa estratégia de dar autonomia à mulher na decisão do seu exercício da sexualidade.
“A gente apoia o direito das mulheres decidirem, de acordo com a sua consciência e apoiada na sua fé religiosa, inclusive. Queremos que ela possa tomar a decisão do que é ideal para a vida dela . No caso de uma gravidez resultante de uma violência sexual, exigir que esta mulher geste essa criança por nove meses e, depois, se ela não se sentir confortável, entregar a criança para doação é pensar a maternidade como um processo biológico apenas, o que não é real. Exigir da mulher esse sacrifício, é claro que tem que ter condições para que possa levar isso adiante, agora, se ela optar por não fazer isso, também tem que ter as melhores condições para esta decisão”, explica.
Débora Diniz é mais incisiva e fala que o Estatuto não reconhece os direitos da mulher na decisão do seu corpo e da sua vida. “Este projeto ignora a existência da mulher, que é uma mulher que está em sofrimento porque ela acabou de sofrer uma violência, e vale lembrar que uma parcela importante da violência acontece com meninas – crianças e adolescentes – e dentro de casa, portanto, absolutamente fragilizadas e vulnerabilizadas”.
E ainda completa: “Reduzir o sofrimento da mulher por alienação financeira é uma violência. Quando a mulher decide abortar não é, em sua maioria, carência material, mas uma decisão do melhor momento para a sua vida, sua necessidade e liberdade. O projeto parte para um silenciamento da mulher”, analisa apontado o caso do PL 3748/2008 apensado ao Estatuto do Nascituro, que prevê que o poder executivo pague mensalmente pensão à mãe da criança nascida de gravidez decorrente de estupro até que complete 21 anos de idade.

Conflito de garantias
O Brasil é um país laico. Mas, o que preocupa pesquisadores e militantes da área é que a discussão do aborto tem se pautado no campo da religião.
“A gente está vendo com bastante restrição o papel da bancada religiosa, a sua crença e as decisões tomadas devido a esta crença são de foro íntimo, ela não deve pautar a nação. Se eu acho errado o aborto, não vou fazer isso pra minha vida, mas não posso impedir que outras pessoas coloquem em risco a própria vida, transformando o abortamento em problema de saúde pública, assim como tivemos recentemente a ‘cura gay’”, analisa Rosângela. Ela acrescenta: “Você considerar que é pecado pode pautar e regrar a sua vida, mas não pode pautar a vida de todas as pessoas, que, inclusive, não têm a mesma crença que você. É através do respeito à laicidade que teremos o respeito a todas as religiões. E não podemos ver o que tem acontecido agora, estamos falando de índices significativos de violência, o Estado tem como responsabilidade a garantia do atendimento”, informa a coordenadora do Católicas pelo Direito de Decidir. No próprio projeto há outras inconsistências.
A proposta original do Estatuto do Nascituro proíbe qualquer tipo de aborto no Brasil. Um dos substitutivos que pode ou não ser votado tem um artigo que garante a manutenção do artigo do código penal, mas ao mesmo tempo estabelece que os genitores não podem causar nenhum dano ao nascituro. “Isso impossibilita o aborto e pesquisas com células-tronco, por exemplo”, informa.
Também violando um princípio constitucional, que é o direito à informação, o Estatuto prevê nos artigos 24, 27, 28 e 29 detenções de seis meses a um ano àqueles que induzirem a mulher à prática do aborto, por meio de informações sobre o tema, ou por quem assumir publicamente que praticou o aborto.
“Isso é restrição de liberdade de informação e de expressão. Qualquer informação em saúde não pode vir com restrições religiosas. Devem ter acesso dos melhores métodos de planejar a sua sexualidade, não podem ficar restritos a isso por conta de determinações religiosas”, conclui Débora Diniz.
Além disso, Débora informa também a questão das políticas de focalização com priorização expostas no projeto: “A proteção e priorização desta criança rompe com os direitos das demais que estão na fila de espera de adoção. Você tem um ponto de partida que ignora as mulheres, um ponto no meio do caminho que ignora o universo do debate da adoção, do que significa uma lista universal de adoção, além da política de transferência de renda por meio da ‘bolsa estupro’, até os 18 anos da criança. Se nós queremos realmente proteger a saúde reprodutiva da mulher, todas as mulheres de idade reprodutiva, que venham a engravidar e precisem, devem ter acesso à política de transferência de renda”, analisa.
Foto: Bruno Poppe/Folhapress

Fonte: http://www.brasildefato.com.br/node/14871

BRAZIL (BRASIL) - Tortura deixa preso cego e tetraplégico

Preso fica cego e tetraplégico após ser torturado por agentes penitenciários                 

  • Estados do Brasil:
do Blog da Amazônia
Um preso que estava "íntegro e capaz fisicamente" ficou cego e tetraplégico após ser torturado em Rio Branco (AC), dentro do presídio federal Antonio Amaro Alves, de segurança máxima. Seis agentes penitenciários são acusados de golpeá-lo com uma marreta de borracha, usada normalmente por lanterneiros e borracheiros.
 

Faz 56 dias que Wesley Ferreira da Silva, de 27 anos, encontra-se prostrado no leito 72 do Hospital de Urgência e Emergência de Rio Branco (Huerb). Cego e com lesões no cérebro e na coluna, ele contou que os agentes penitenciários, além da marreta de borracha, usaram spray de pimenta e aplicaram chutes e socos nele e outros dois presos.

Médicos, enfermeiros, assistentes sociais e agentes penitenciários estiveram empenhados durante quase dois meses em abafar o caso. A versão oficial é de que caiu no banheiro, bateu a cabeça e sofreu lesões na coluna. Uma enfermeira e uma assistente social alegaram que compete somente aos familiares denunciar às autoridades casos de pacientes suspeitos de crime.

Após uma avaliação médica, o preso foi recusado em um hospital psiquiátrico para onde chegou a ser enviado para internação. Antes disso, durante inspeção de rotina do Ministério Publico no presídio, agentes penitenciários o mantiveram escondido para evitar que revelasse a tortura a promotores de justiça.

A situação de Wesley Ferreira da Silva, que consegue apenas movimentar a cabeça e fala com muita dificuldade, foi comunicada pela reportagem à juíza da Vara de Execuções Penais, Luana Campos, bem como à procuradora de justiça Patrícia Amorim Rego, chefe do Ministério Público do Estado do Acre. Um homem que acompanhava um parente internado na mesma enfermaria do preso, ouviu dele o relato de tortura e espancamento e revelou o caso ao Blog da Amazônia.

A juíza Luana Campos, que está de férias, aceitou acompanhar a reportagem ao Pronto Socorro, na manhã de terça-feira (30). Chocada com o relato do preso, a juíza telefonou para o delegado da Polícia Civil, Fabrizio Leonard, titular da Delegacia Itinerante, a quem pediu que fosse ao hospital ouvir o depoimento e instaurar inquérito para apurar a denúncia de tortura.

O delegado alegou que estava em reunião, mas prometeu que ia ouvir Wesley Silva a partir das 14 horas. Até às 17h30 o delegado não havia procurado o preso,  de acordo com informação da promotora de Justiça Laura Miranda Braz, da 4ª Promotoria Criminal, que também ouviu a vítima e passou a atuar no caso a pedido da procuradora geral de Justiça do Acre.

Wesley Ferreira da Silva, que nasceu em Colorado do Oeste (RO), cumpre oito condenações que totalizam 21 anos, 10 meses e 12 dias de prisão, por um homicídio, seis furtos e um roubo. Ele foi transferido de Porto Velho (RO) para Rio Branco no início do ano, passou mais ou menos 20 dias na triagem do presídio estadual Francisco de Oliveira Conde e em seguida foi conduzido ao presídio Antônio Amaro Alves.

O preso contou que foi torturado porque era suspeito de integrar a facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) e de ameaçar de morte um agente penitenciário do Acre.

"Durante a terceira sessão de tortura, implorei ao Souza, chefe da equipe de segurança do presídio, que mandasse buscar minha ficha. Ele atendeu e constatou que eu estava há poucos dias dias em Rio Branco. Eu não conhecia ninguém no Acre. O Souza disse: 'Tudo bem, ninguém fez nada com você, entendeu?'. E eu entendi que era pra não contar nada sobre a tortura. Depois falei com o diretor do presídio e vi ele dizendo pro pessoal dele:  'Se eu soubesse que esse preso estava nessa situação eu não tinha recebido. Quem recebeu esse preso?'. O diretor não tomou conhecimento da tortura. Não soube de nada porque eu tive medo de contar. O diretor do Instituto Penitenciário também não ficou sabendo. Quem mais me bateu foi um agente alto, forte, careca", relatou.

Após acompanhar a reportagem ao Pronto Socorro, a juíza Luana Campos foi direto ao juiz Elcio Sabo Mendes Júnior, que está respondendo pela Vara de Execuções Penais até a próxima segunda-feira (5), para informá-lo sobre as condições do preso. Na noite de terça Elcio Sabo Mendes Júnior decidiu por requisitar que a direção do presídio remeta a pasta carcerária de Wesley no prazo de 24 horas.

O magistrado também deferiu um pedido de prisão domiciliar, solicitado pela do preso, por considerar que "a situação de saúde do reeducando é extremamente grave".  A prisão domiciliar já havia sido recomendada pelo Iapen e o Ministério Público.

Para melhor instrução dos autos e para esclarecer a situação do preso, o juiz determinou que a direção do hospital forneça, dentro de 48 horas, o prontuário e demais documentos anexados à pasta carcerária, bem como um diagnóstico clínico do apenado.

Elcio Sabo Mendes Júnior requisitou ainda a instauração de inquérito policial para investigar os fatos que levaram ao atual estado de saúde da vítima.
Wesley Silva, que cumpria pena no presídio Urso Branco, de Porto Velho (RO), foi transferido para Rio Branco, mas o processo dele contém falhas. A transferência foi deferida em julho de 2012, o expediente confirmando a transferência em novembro de 2012, mas não havendo mais notícias acerca do aporte da sua execução penal na Justiça do Acre.

"Eu sei que eu errei e estou pagando pelo meu crime. Eu falo pra minha mãe que estou pagando muito caro, muito caro. Se hoje - e não é porque estou nesta situação - se eu pudesse voltar atrás eu não faria o que eu fiz na minha vida porque só eu sei o que eu passo, deitado nessa cama quente, sem poder me mexer, sem poder enxergar quem está próximo de mim", disse aos prantos.

Em maio, possivelmente após as sessões de tortura e as evidências de que o preso é ligado ao PCC, surgiu nos autos um relatório social cujo teor recomendava uma nova transferência de Wesley Silva de volta a Rondônia, de modo que pudesse ser assistido pela mãe dele, Maria Sueli Ferreira da Silvas, de 54 anos, pois não tem familiares no Acre.

De acordo com o último relatório social, Wesley Silva apresentava, desde a época que se encontrava recluso em Rondônia, uma saúde comprometida. De acordo com o documento, ele havia sido espancado por outros detentos e passou dois meses internado em hospital. Ao receber alta, descobriu as seqüelas deixadas pelo espancamento, sendo que perdeu o baço e ficou com pressão arterial descontrolada.

Na decisão, o magistrado assinala que Wesley Silva se "mostrava íntegro e capaz fisicamente, o que não se faz mais presente". Laudo assinado pelo médico Josleilson dos Santos Nascimento informa que o preso "encontra-se em um quadro de paralisia flácida, amaurose e restrito ao leito por incapacidade de deambulação." Ele foi avaliado por neurologistas do Acre e de Rondônia, mas os médicos não diagnosticaram a causa da paralisia dos braços e das pernas.

Wesley Silva ainda tem esperança e estava preocupado porque a mãe dele trabalha e terá que retornar para Rondônia.

"Eu quero primeiramente a minha saúde, porque eu vim pra cá andando, enxergando e falando normal. Hoje estou numa situação que minha mãe que me dá banho, que me dá comida e eu só fico deitado. A minha mãe trabalha. Ela tá indo embora. Tem agente penitenciário que vem cuidar de mim, que deixa as pessoas me ajudar. Tem uns que não deixa ninguém se aproximar de mim. Depois que minha mãe for embora, quem vai me dá comida? Quem vai limpar minha bunda? Quem vai me ajudar?"

Procurada pela reportagem, a secretária adjunta de Comunicação do governo do Acre, Andréa Zílio, sugeriu uma entrevista com o diretor presidente do Instituto de Administração Penitenciária do Acre (Iapen), Dirceu Augusto Silva, que preferiu não se pronunciar a respeito da denúncia.

O presidente do Sindicato dos Agentes Penitenciários do Acre, Adriano Marques, também foi procurado pela reportagem. Em nota, ele defendeu os colegas da acusação de tortura, espancamentos e maus tratos no sistema penitenciário do Acre.

"Os agentes apresentaram cópias de documentos que comprovaram que nenhum responde por processos administrativos ou judiciais e que a direção do Iapen informou que o preso já chegou ao Acre com problemas de saúde. Não podemos extrapolar princípios constitucionais. Os agentes penitencários gozam da presunção da inocência."
(Foto: Blog da Amazônia)

Fonte: Terra Magazine

terça-feira, 30 de julho de 2013

Brasil volta a negociar uso de base de Alcântara com os EUA

Brasil volta a negociar uso de base de Alcântara com os EUA


                          basealcantara

O governo brasileiro retomou as negociações com os Estados Unidos para permitir o uso da base de Alcântara (MA) pelo serviço espacial americano. As conversas, sepultadas no início do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, foram reiniciadas em termos diferentes e o Itamaraty espera ter um acordo pronto para ser assinado na visita da presidente Dilma Rousseff a Washington, em outubro.
A intenção é abrir a base para que os americanos usem o local para lançamentos, mas sem limitar o acesso dos próprios brasileiros nem impedir que acordos com outros países sejam feitos. O governo vê a localização privilegiada de Alcântara – que, segundo especialistas, reduz em até 30% o custo de um lançamento – como um ativo que deve ser explorado, inclusive para financiar o próprio programa espacial brasileiro.
Depois de negociar com os americanos, o projeto é abrir as mesmas conversas com europeus e japoneses, entre outros. Calcula-se que um lançamento pode custar entre US$ 25 milhões e US$ 30 milhões.
A retomada das negociações com os americanos prevê uma espécie de aluguel do local para que os Estados Unidos possam lançar dali seus satélites. As discussões giram em torno das condições para esse uso, as chamadas salvaguardas tecnológicas esperadas pelo governo de Barack Obama. Reticentes a dar a outros países conhecimento de tecnologias consideradas sensíveis, os americanos querem usar a base, mas fazem exigências para impedir o acesso a informações, especialmente a dados militares.
“Secreto”. As discussões vão estabelecer alguns limites, mas o assunto ainda é classificado como “secreto” pelo governo. No entanto, a hipótese de reservar áreas da base para uso exclusivo americano, como chegou a ser estabelecido no Tratado de Salvaguardas (TSA) assinado pelo governo Fernando Henrique Cardoso, em abril de 2000, nem sequer será considerada.
O excesso de restrições daquele tratado levou o documento a jamais ser ratificado pelo Congresso, e o acordo naufragou. Entre as exigências estava a de que determinadas áreas da base de Alcântara seriam de acesso exclusivo dos americanos, não sendo permitida a entrada de brasileiros sem autorização dos EUA.
Inspeções americanas à base também seriam permitidas sem aviso prévio ao Brasil, e a entrada de componentes americanos em contêineres selados poderia ser liberada apenas com uma descrição do conteúdo. Além disso, o governo brasileiro não poderia usar o dinheiro recebido para desenvolver tecnologia de lançamento de satélites, mas apenas para obras de infraestrutura.
A reação foi tão ruim que o Congresso enterrou o acordo em 2002. Ao assumir o governo, em 2003, o então presidente Lula foi procurado pelos americanos, mas não quis retomar o assunto.
Sem uso. Com localização ideal para lançamentos, a base é considerada estratégica para o programa espacial brasileiro, mas até hoje é subutilizada. Nenhum satélite ou foguete jamais foi lançado de Alcântara, seja porque o Brasil ainda não conseguiu desenvolver a tecnologia para usá-la, seja porque os acordos internacionais para utilização da base até agora não deram frutos. Um teste feito há dez anos terminou em tragédia, com a explosão do foguete e 21 pessoas mortas.
Ainda em 2003, Lula fechou um acordo com a Ucrânia para desenvolvimento de foguete, o Cyclone-4. Uma empresa binacional, a Alcântara Cyclone Space (ACS), foi fundada, mas até hoje não teve grandes resultados. O Brasil investiu 43% dos recursos previstos, mas até este ano a Ucrânia pôs apenas 19%. Na visita do presidente ucraniano Viktor Yanukovych ao Brasil, em 2011, houve a promessa de que o processo seria acelerado, o que não ocorreu. Este ano, o chanceler Antonio Patriota foi ao país e, mais uma vez, voltou com a promessa de que o foguete estaria pronto em 2014. Seria a estreia da base, se os americanos não a usarem antes.

Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias

Hino à Rua -- Canção dos protestos de 2013

Hino à Rua -- Canção dos protestos de 2013 Hino à Rua -- Canção das manifestações de junho e julho (2013). Música e Video -- Coletivo Baderna Midiática. Adicionado em: 29 07 2013 Duração: 11:11

O ministro Paulo Bernardo tornou-se “um lobista” das teles

O ministro Paulo Bernardo tornou-se “um lobista” das teles

                        
"Querem transformar a internet em uma grande rede de TV a cabo; prejudicar quem usa a internet livremente. Por isso temos de defender o Marco Civil", afirma Sérgio Amadeu



Paulo Donizetti de Souza e Vander Fornazieiri,

O sociólogo Sérgio Amadeu da Silveira tem sido um dos especialistas mais acionados para ajudar a explicar a força das redes sociais na articulação das recentes formas de manifestação política no Brasil e no mundo. Amadeu, além de expert em sua área, em que combina a ciência política e a tecnologia da informação, é antes de tudo um ativista da democracia. No governo de Marta Suplicy na prefeitura de São Paulo, trabalhou pela implementação de mais de uma centena de telecentros, até então uma das mais inovadoras políticas públicas de inclusão digital.
Militante e estudioso dos softwares livres, presidiu o Instituto Nacional de Tecnologia da Informação da Casa Civil da Presidência da República, onde desenvolveu ações de inclusão digital e de estímulo ao uso de softwares livres na máquina federal. Nos últimos anos, acompanhou de perto o crescimento da insatisfação de diversos coletivos sociais com as ações governamentais nas áreas da cultura, ambiental e das comunicações – por isso diz não ter se surpreendido com os protesto de junho.
Representante da sociedade no Comitê Gestor da Internet (CGI), é defensor rigoroso do projeto de Marco Civil da internet que está próximo de ser votado no Congresso Nacional. Porém, depois de ser elaborado dentro do CGI e de incluir ampla participação da sociedade, o Marco Civil sofre com um lobby da grandes empresas de telecomunicações, que ameaçam, segundo ele, a liberdade, a criatividade e a privacidade dos usuários da rede.
No último dia 16, Amadeu visitou a redação da RBA e concedeu esta entrevista. Ele critica ferozmente a atuação do ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, por ter se tornado “um lobista” das teles. E chama a atenção dos movimentos sociais: que estejam atentos para defender o Marco Civil; e que entendam o novo das redes em seu papel na mobilização e na tomada de decisões da sociedade.

Você consegue identificar processos de indignação e de insatisfação antes da explosão de manifestações que tomaram as ruas em junho?
Sérgio Amadeu: Conseguia. Um dos primeiros embates que a gente teve de descontentamento com uma política pública foi na cultura. A política de cultura tinha invertido a lógica: não tem de levar cultura para a periferia, a cultura está na periferia, você tem que dar condições para ela avançar. Foi a política dos ex-ministros Gilberto Gil e Juca Ferreira. Essa política foi fuzilada pelo grupo do Ecad, que se acastelou no Ministério da Cultura por dois anos. O que tem no Ministério da Cultura, inclusive hoje? Nada. Se você for ver a política ambiental, também, vão dizer “eu preciso do Brasil desenvolvimentista”. Bom, o Brasil de desenvolvimento não pode fazer como o Japão? Estudar alternativas? Depois daquela crise nuclear com o maremoto (Fukushima), eles passaram a ter um plano de em 30 anos mudar a matriz energética (hoje altamente dependente da energia nuclear). E nós temos uma série de possibilidade que não desenvolvemos. É uma política equivocada que gera uma excrescência como Belo Monte e uma política equivocada com as nações indígenas. Mais de 100 mil pessoas na rede, talvez a maioria de classe média, que trocaram seu sobrenome para Guarani Kaiowá, uma forma de dizer: “Eu estou descontente”.

E tem também a área de comunicação.
É. Na comunicação, a minha área, o ministro é um ministro das operadoras de telecom. Isso já é um descontentamento brutal. Ele quer quebrar a neutralidade da rede. No Brasil, as operadoras não querem controlar a rede como na Europa e nos Estados Unidos, de maneira aberta. Querem regulamentação das exceções ao princípio da neutralidade, jogando para a Anatel, que não tem nenhuma condição de controlar e fiscalizar nada. Vou te dar um exemplo: um dos grandes problemas do Brasil é a qualidade da banda larga. Você paga por 100 e recebe 20. O comitê gestor da internet, que eu integro, como representante da sociedade civil, fez toda uma ação de construir um medidor de qualidade de banda larga, que é o Simet (Sistema de Medição de Tráfego de Última Milha). E as teles não querem fiscalização. A pressão era tão grande que a Anatel disse “eu vou fiscalizar o que é vendido de banda larga”, inclusive depois de o Ministério Público proibir a antiga Telefônica de vender conexão de banda larga aqui na região central, porque não entregava. O que a Anatel fez para controlar a qualidade da banda larga? Chamou o Comitê Gestor e disse “vamos tornar a medida de vocês oficial”? Não. Entregou para o sindicato dos donos das empresas a tarefa de fiscalizar as empresas... de telecom. Em qualquer país do mundo isso é um escândalo. No Brasil o ministro bancou, dizendo “eles têm competência técnica”.

E por que você acha que falta reação nessas situações?
Tinha reação? Tinha. Muita reação pontual. E aí explodiu. O governo tinha muita paciência de ouvir, ia lá, tirava foto, e ficava assim, ouvindo. E não encaminhava nada. Tanto é que o governo parou uma lei que colocaria o Brasil na vanguarda da democracia da rede, que era o Marco Civil da internet. Na contramão do vigilantismo norte-americano. Só que o Paulo Bernardo entrou pondo o pé à porta. Depois, o pessoal do Ministério da Justiça aceitou a pressão da Globo e pôs a remoção de conteúdo sem ordem judicial no projeto de Marco Civil. Não foi PP, antigo DEM... Foi PT. Quer dizer... Essas forças de esquerda que estão no governo talvez não acompanharam o que aconteceu no Oriente Médio, na Espanha, na Inglaterra. E quando se bate forte em várias políticas públicas do governo, se está batendo em um governo que – no meu caso – eu votei. Enfraquece o governo, mas e aí? Você deixa esse governo ser quase a cópia de uma ação, nessa área, do que seria um PSDB?

Aqui no Brasil tem internet funcionando há duas décadas. Por que só agora o país precisa de um Marco Civil?
Excelente questão. É uma lei para garantir que a internet continue funcionando do jeito que funciona hoje. A internet está sob ataque. Essas grandes corporações e os aparatos conservadores querem mudar o jeito de a internet funcionar.

Algo como o que existe na China ou no Oriente Médio?
Sim, sim. A nossa resistência à Lei do Azeredo, que apelidamos de AI-5 digital, é exatamente isso.

Por exemplo?
Hoje, 52% dos brasileiros com acesso à internet baixam música. A maioria, na verdade, compartilha músicas. Dizer que essa prática é criminosa... faça o favor. Você não tem cadeia suficiente para colocar essa moçada toda. A rede permite a troca. A rede é troca. E a troca não destrói o original, e estamos falando de bens imateriais. Internet é compartilhamento. E a Lei Azeredo parou. A partir da ida do ex-presidente Lula ao Fórum Internacional de Software Livre. Ele viu uma faixa escrita “Presidente, vete o AI-5 digital” e disse: “Não vou vetar, porque não será aprovado”. E chamou o então ministro da Justiça, Tarso Genro, e determinou: “Ministro, tome uma providência em relação a isso”. E a providência adotada foi correta. Foi construir um processo de montagem de uma lei que não fosse feita em gabinete, mas pela própria internet. Na plataforma da Cultura Digital, vocês podem ter acesso a isso, houve uma primeira rodada de contribuições, uma síntese, depois uma segunda rodada e aí foi entregue ao presidente Lula. Como estava no final do segundo mandato ele disse que não ia mandar ao Congresso. Ficou para a Dilma tomar essa providência. A Dilma demorou, mas enviou, e respeitando o que foi encaminhado pela sociedade civil.

Que é esse o projeto para o qual foi nomeado relator o deputado Alexandre Molon (PT-RJ)?
Isso. E além de ter sido uma construção coletiva para defender os direitos dos internautas na rede, teve ainda outras sete audiências públicas feitas pelo Molon. Depois disso é que ele fez o relatório final. Só que aí entra o Ministério das Comunicações...

Em que momento?
Foi no segundo semestre de 2012. No momento em que ele apresentou o relatório, parou... Na hora do vamos ver. As empresas entraram forte com interesses básicos. E o argumento deles é muito claro: “estão usando cada vez mais a internet, então eu tenho de interferir para gerenciar o tráfego”. Trata-se de um negócio que, a cada x meses, o tráfego de dados aumenta, porque as pessoas melhoram suas máquinas, as aplicações são feitas para ter maior velocidade, o uso de multimídia é cada vez maior. É um negócio que você sabe que você já tem de aumentar a capacidade de transformar bits em sinais de luz, nas fibras óticas. É como se nós estivéssemos falando de energia elétrica. Quando chega 5 da tarde, todo mundo começa a usar muito mais energia. O uso urbano cresce. Se você agisse como as operadoras de telecom, a energia ia começar a falhar, ficar cada vez menos intensa até você ter uma luz fraca. E é o que as teles fazem. Embora mais gente comece a usar a rede, eles não aumentam a disponibilidade para você navegar. Daí a sua banda cai e você acaba tendo uma das internets mais precárias do mundo. A gente não critica o modelo de negócios nem impõe limites. Mas o negócio deles é TI, transferência de dados, com cada vez mais demanda. Então, querem resolver o problema quebrando a neutralidade de rede, filtrando o tráfego.

Hoje a prioridade é para bancos e indústria, né?
Não necessariamente. Dados bancários não consomem muita banda. É multimídia que consome, imagens, vídeo, áudio. E o que as teles querem é interferir no tráfego para manter a qualidade do serviço, já que eles não aumentam a banda disponível. E para poder interferir, não pode ter na lei do Marco Civil da internet a garantia de neutralidade. O que eles querem é criar uma diferenciação de serviços, similar à que existe no mundo da TV a cabo. Você já paga diferenciadamente por velocidade – paga por 1 mega ou por 10 mega. Mas eles querem outra coisa. Mesmo que você pague 1 mega, ou 10, querem que você pague um plano diferenciado para acessar vídeos. Um plano diferente para acessar som. Um plano diferente para participar de rede peer-to-peer. Querem fazer uma interferência e filtrar o tráfego.

E querem também a filtrar a personalidade do usuário.
Que é outra coisa que a proposta do Marco Civil atrapalha: eles querem copiar nossa navegação para poder fazer análise e entregar publicidade dirigida para os internautas. Aí eles dizem: “O Google já faz”. Aí eu digo: “Problema de quem usa o Google”. Eu não sou obrigado a usar o Google, mas sou obrigado a usar uma telecom para me conectar à internet. Eu posso navegar, de manhã até a noite, sem usar uma única empresa do grupo Google, mas sou incapaz de navegar sem usar uma operadora. Se a operadora puder me filtrar da minha casa até a nuvem da internet, estou perdido. Existem empresas que vendem esse software, uma delas é a Phorm, a gente até denunciou. Ela foi denunciada na Europa. A Oi contratou a Phorm sem avisar os usuários e começou a testar o software da Phorm para acompanhar a navegação de seus usuários, violando claramente a privacidade. Na época, eu estava em uma comissão em Brasília, discutindo ainda a Lei do Azeredo. E perguntei se a ação desse executivo que permitiu isso geraria pena de prisão, ou se a ação dos bancos que impõem rotinas que você nem sabe, para você poder navegar no netbanking, não é uma intrusão na sua máquina. É intrusão. Quem mais invade máquinas são bancos e as operadoras. Falei isso e disseram que não é verdade.

E por quê?
Porque daí iam ter de discutir isso. Então, o que precisamos é de uma lei para garantir que a internet continue uma internet livre, e isso inclui o princípio de neutralidade, e que quem controla a infraestrutura não controle o fluxo de informação. E para garantir que nós possamos criar conteúdos de tecnologia sem autorização de ninguém, seja Estado ou uma operadora de telecom. Se quebrar o princípio da neutralidade, quando a minha universidade criar um protocolo de internet 3D, vai passar um pacote que ele não sabe o que é, e daí o computador dele destrói. Ai tenho que negociar com ele o meu invento, se não, não passa na rede dele. Eles querem controlar a criatividade, a liberdade de expressão e montar modelos de negócios que nós não escolhemos.

Existe essa briga nos EUA?
Tem uma briga lá contra isso. E tem um movimento muito forte em relação à neutralidade chamado Save the internet, no qual participava até o Obama antes de ser presidente. Na Holanda, foi aprovada uma lei em defesa da neutralidade da internet, no Chile também. Aqui, estávamos prestes a aprovar. Mas o ministro das Comunicações, infelizmente, é um lobista das teles, claramente. Por que não investigam as relações entre os diretores das operadoras de telecomunicação e a Anatel? Deveria ser proibido alguém que foi integrante de um órgão de regulador atuar em empresa, e vice-versa. Porque é muito poder, é um setor que tem 8% do PIB.

É difícil para as pessoas entenderem exatamente o que está em jogo. É possível impedir a violação de privacidade?
O escândalo da NSA só é possível porque as corporações já violam a privacidade. OK, tem a concordância dos usuários, mas a NSA jamais conseguiria montar um aparato desses se não existisse Google, Facebook, Twitter, Microsoft, ou as back-doors de quem usa o Windows. Por isso que começamos a falar: querem transformar a internet em uma grande rede de TV a cabo. Eles querem prejudicar você, que usa a internet hoje, livremente. Eles querem poder copiar os seus dados sem que você saiba. Daí falamos que é por isso que tem de defender o marco civil

Hoje não tem lei que regulamente scripts e ferramentas que os bancos vão jogando no meu computador? “Você precisa atualizar o Java poder utilizar o homebanking”...
Não. Se ele instalar uma coisa estritamente para a sua seção e você concordar, ótimo. Mas e se ele instalar algo que acompanha toda sua navegação sem você saber? Não existe uma fiscalização, e a lei do Marco Civil vai permitir que você tenha de autorizar qualquer coisa que viole a sua privacidade. Pelo artigo 5º da Constituição, você pode, por analogia, pensar na privacidade na rede. Mas é melhor que não seja por analogia, que seja diretamente. E preciso ser bem concreto nos direitos. O Marco Civil não é criminal, é direito civil, ele declara uma série de direitos que a gente passa a ter. Entrar na sua máquina e copiar seus e-mails e vender sem que você saiba, isso tem que ser considerado crime. Mas antes precisamos garantir os direitos, que a internet continue funcionando como ela funciona, o que descontenta muitos governos e corporações, principalmente do mundo do copyright. E as teles, que não querem conviver com a criatividade intensa da rede. Se as teles conseguirem impor o controle da rede, vai ser do jeito que elas querem.

O lobby dos direitos autorais criou uma frente de ação no ambiente da Cultura, outra na Justiça e agora entra na discussão do Marco Civil, é isso?
Entra. Porque a ideia – debatida na construção coletiva do marco – é que você só possa remover um conteúdo com ordem judicial. Nós sabemos que, mesmo entrando na Justiça, a disputa, muitas vezes das ideias, se dá em torno da propriedade intelectual. Por exemplo, o site Falha de S. Paulo. A Folha não barrou (o site que satirizava o nome e a política editorial do jornal) na Justiça por calúnia, injúria ou difamação, mas por “uso indevido da marca”. Para dizer que ela é democrática, que “não estou te proibindo de me criticar, estou dizendo que você violou a minha marca”. E isso não é só no Brasil. No Brasil, o parágrafo 2º do artigo 15 do Marco Civil, que foi posto depois das consultas todas, faz o que a Globo quer. Autoriza a remoção de conteúdo sem ordem judicial. Não tem a mínima condição. Então, temos solicitado que o relator tire ou pelo menos deixe claro que não há remoção de conteúdos.

No Congresso existe um mapeamento dos parlamentares com quem se pode falar?
Não é uma luta perdida. A maioria dos parlamentares tende a cair para o lado democrático O problema é o lobby das teles, que tem um poder de financiamento de campanha muito grande, que tenta manipular o argumento, tem agências de publicidade, faz cafés das manhãs com deputados, atua diretamente. E a gente também atua, temos do nosso lado o funcionamento livre da internet, que é uma grande coisa. Então, retomando a questão principal, por que o Marco Civil? Porque estavam vindo vários ataques ao funcionamento da internet hoje. Precisamos de uma lei que assegure nosso direito de ter uma internet livre, com diversidade cultural, privacidade e neutralidade da rede. É uma lei de defesa.

Você não acha que depois de tudo o que vem acontecendo, eles não podem ficar com uma coceira de tentar censurar a internet?
Mas isso é no mundo inteiro. A internet é um inconveniente já. Por isso a extrema-direita está muito descontente. Queria um vigilantismo forte. Você tem governos que não gostam dessa liberdade de compartilhar na rede, de convocar manifestações, o que vimos em junho. Então, tem uma tensão por censura. E tem uma grande pressão dos jovens, da periferia e da classe média, para que ela continue livre. Por isso essa batalha não é perdida.

E como você vê o futuro disso que, no Brasil, começou em junho?
Acho que isso é um movimento. Estamos em uma mudança nas estruturas políticas, que se esgotaram. Tiveram seu ápice no século 19 e no século 20. Elas, sozinhas, não dão conta mais, dessa intensa ação de mudanças que muitos grupos coletivos e indivíduos querem. Então, tem uma passagem do mundo industrial para o mundo informacional. E isso sugere profundas alterações. E gera crise de intermediação, em tudo, até nas escolas. E sei disso porque sou professor. Eu não sou o bom da boca na informação. A informação eu não controlo mais. Há uma crise das instituições do mundo industrial. Partido político é uma instituição verticalizada, do modelo industrial. Não estou dizendo que ele não é importante na democracia, estou dizendo que ele está em crise, como toda as estruturas de intermediação.

Em todas as áreas?
Os próprios médicos vão estar em breve em manifestação contra sites que fazem diagnósticos na internet. As pessoas vão lá e “deixa eu ver o que eu tenho”. E o paciente às vezes pesquisou e adquiriu conhecimento maior que o do médico. Eu tenho um amigo que tem um problema raríssimo, que não se estuda nas boas escolas, e que está vivo hoje porque participa de uma comunidade na internet que estuda e troca informações. Há uma enorme diferença hoje. O mundo da informação é o mundo do código. A política não é política do puro poder, é a biopolítica mesmo, a política sobre a vida das pessoas. E essa política está na fronteira do código. Eu falo para a galera do MST: vocês estão brigando pela reforma agrária, mas devem brigar também contra a colonização do código genético, porque vão controlar as sementes da sua terra. A Monsanto é como a Microsoft. Vende licenças de propriedade. A Microsoft de softwares, a Monsanto, de sementes. É tirar o conhecimento das comunidades tradicionais, botar num laboratório, patentear e vender cognição apropriada privadamente. E é difícil discutir isso. Para entender a relevância disso é você ver em alguns supermercados coisas estranhas, como fralda próxima do corredor da cerveja.

É estudo de algoritmos...
Porque eles mineraram dados, é uma correlação que nunca íamos fazer, mas se você tem o controle das máquinas no caixa, cruza os dados e faz várias correlações, você descobre que quem comprava fralda comprava também cerveja. É o mundo dos códigos e do autoprocessamento. Nem o MST, nem os movimentos tradicionais podem se descuidar disso. O primeiro movimento social a ter uma grande articulação com os hackers foi o movimento zapatista, que se ligou a hackers e fizeram sites espelhos, DDOS, que é o serviço de ligação do governo do México ao governo americano. E foi uma articulação muito importante que destapou o cerco da mídia que os índios e os camponeses no sul do México estavam tendo. Então, veja, não é tão absurda essa questão. Os sindicatos precisam entender isso.
O escritor José Saramago afirmava não confiar na internet, porque quando virem nela algo de revolucionário tratarão de controlá-la. “Nada há que seja verdadeiramente livre nem suficientemente democrático”, dizia.
A internet em si não muda, mas as pessoas podem usar a internet para mudar. Já perceberam isso e querem transformar a internet em TV a cabo, reduzir a interatividade, controlar a criatividade. Por incrível que pareça, para garantir esse caráter da rede, que é transnacional, precisamos aprovar leis nacionais que façam ela funcionar do jeito que ela foi criada. Tudo muito complexo, mas muito real. A internet comporta o mercado, mas ela não é o mercado.
Foto: ABr

Fonte: http://www.brasildefato.com.br/node/14508

De que lado samba o papa?

De que lado samba o papa?

                                    
Duas imagens ainda se confundem. A do papa Francisco, com gestos de humildade e simplicidade, e a do então cardeal de Buenos Aires, Jorge Mario Bergoglio, cúmplice da ditadura argentina, acusado de envolvimento no sequestro de bebês e de colegas jesuítas


Rejane Hoeveler,
do Rio de Janeiro (RJ)

Num contexto de graves crises ligadas a escândalos sexuais e financeiros no Vaticano – que levaram à renúncia do ultraconservador Joseph Ratzinger (Bento XVI) – a escolha de Jorge Mario Bergoglio, cardeal de Buenos Aires, para ser o novo papa tem a intenção clara de dar uma “cara nova” à última monarquia absolutista da Europa.
Dessa vez, a Igreja se volta claramente para a América Latina, continente com maior número de fiéis católicos do mundo, mas que, além disso, tem vivido um contexto de forte ativação política e social. Em meio a governos que se apresentam como progressistas ou mesmo socialistas, como os da Bolívia e Venezuela, é evidente que a atuação do papa latino-americano tem um papel político.
Independentemente do caráter real desses governos, é fato que surgem em meio a movimentos políticos de massas, em geral com um sentido anticapitalista, apresentando-se como alternativa ao projeto neoliberal.
Neste cenário, o Brasil, além de ser o país com o maior número de católicos, era, até então – ao menos antes das chamadas “jornadas de junho” – o país mais “calmo” da região, apresentado como exemplo de “estabilidade” face ao que tem sido chamado de bolivarianismo.

Papa dos pobres”?
Assim que Bergoglio foi escolhido papa, toda a grande mídia internacional passou a construir uma imagem de um papa “simples” e “humilde”, que “dispensa luxos” – parece esquecer que, ainda assim, é o administrador de uma das maiores fortunas do mundo, beneficiária de diversos privilégios que ferem frontalmente o princípio da laicidade do Estado (com ativos que ultrapassam 5 bilhões de dólares, sem contar obras de arte e construções de valores os quais é impossível estimar).
Alguns importantes expoentes do pensamento cristão crítico, e inclusive ligados historicamente aos movimentos sociais, como Leonardo Boff e Frei Betto, depositaram esperanças na escolha do argentino. E a própria escolha do primeiro latino-americano foi saudada por parte desses setores como sinal de uma mudança dentro da Igreja.
Recentemente, Boff inclusive chegou a ligar algumas posturas do novo papa à Teologia da Libertação, embora tenha admitido que ele nunca foi ligado a esta corrente de esquerda, que teve influência muito importante numa América Latina sacudida por golpes militares.
Mas, será mesmo Francisco “o papa dos pobres”? Será que atitudes como dispensar uma suíte, almoçar no refeitório dos funcionários, e trocar a cruz de ouro pela de prata são demonstrações suficientes de uma “opção pelos pobres”, tal como vem sendo propagandeado?

Antes de ser Francisco
É preciso ir além das aparências. Pois seria mero detalhe o fato de que seus patrocinadores sejam conglomerados capitalistas como Bradesco, Santander, Estácio, Nestlé, TAM, Itaú e McDonald’s? – este último, aliás, lanchonete oficial do evento apesar de desrespeitar sistematicamente os direitos trabalhistas de seus funcionários?
                            
Jorge Mario Bergoglio - Foto: Stella Calloni/La Jornada
Para tanto, há de se levar em conta como o atual “bispo de Roma” atuava politicamente enquanto cardeal de Buenos Aires. Em 2010, foi líder de uma frente conservadora contra a aprovação da união civil entre homossexuais – classificada por ele como um “projeto do diabo”.
Opositor ferrenho da descriminalização do aborto, Bergoglio é defensor assíduo do velho conservadorismo que relega à mulher um papel de submissão e que condena a homossexualidade. Do ponto de vista moral, portanto, representará uma continuidade das posições conservadoras da Igreja Católica. Além disso, Bergoglio sempre teve ligações com a oposição de direita aos governos Kirchner, tendo inclusive se comprometido explicitamente com o recente paro agrário – um lockout patronal, realizado por grandes proprietários de terra para pagar menos impostos, “denunciando” supostas articulações dos governos de Néstor e Cristina Kirchner com o “chavismo”, encarado por este setor como adversário político.
Em sua defesa, Boff argumenta que o cardeal de Buenos Aires teria se indisposto com Cristina porque teria lhe cobrado “mais empenho político para a superação dos problemas sociais”.

Cumplicidade com a ditadura
O passado político de Bergoglio tem ainda outras obscenidades. Segundo os historiadores Gilberto Calil e Marcos Vinícius Ribeiro, “a cumplicidade com a ditadura foi compartilhada por toda a alta hierarquia católica argentina (o que naturalmente não exime a responsabilidade individual de cada bispo)”.
Uma das denúncias partiu de Estela de la Cuadra, irmã de Helena, uma militante grávida de cinco meses que, sequestrada pela ditadura, teve sua filha roubada de dentro de uma delegacia.
Estela é uma das fundadoras das Avós da Praça de Maio, organização fundada para encontrar descendentes de militantes e dissidentes da ditadura militar argentina, que tiveram seus filhos raptados pelo Estado e dados a outras famílias, naquele que é um dos maiores dramas da história recente na Argentina.
A um tribunal encarregado de julgar esse caso, Bergoglio disse que só teria tido notícia dos sequestros muitos anos depois. Todavia, segundo Estela, Bergoglio foi procurado logo após o sequestro, e na ocasião, ele teria dito que a criança “estava com uma boa família, que cuidaria muito dela”.
O “Movimento de Famílias Cristãs”, diretamente subordinado à Igreja, esteve fortemente envolvido com a distribuição de bebês de militantes e dissidentes presos ou mortos na Argentina, e são inúmeras as comprovações de que toda a cúpula da Igreja argentina colaborou com o golpe militar de 1976, que levou ao poder o general Videla.
                           
Bergoglio, então cardeal, conversa com a presidenta argentina Cristina Kirchner - Foto: Reprodução
O sequestro de dois jesuítas
Porém, a denúncia talvez mais notável, proveniente de vários religiosos argentinos, se refere à cumplicidade de Bergoglio no caso de Francisco Jalic e Orlando Yorio – dois padres pertencentes à ordem dos jesuítas, que realizavam trabalhos de alfabetização e assistência na periferia de Buenos Aires, estes sim fortemente influenciados pela Teologia da Libertação.
Em março de 1976, foram expulsos por Bergoglio da ordem dos jesuítas e da Igreja sob a justificativa de conflito de obediência – o que, além de deixá-los totalmente desprotegidos, ainda justificava possíveis perseguições posteriores.
Dois meses depois disso, os padres foram sequestrados e torturados por meses na Escola Superior da Marinha (ESMA), um dos maiores centros de tortura da ditadura argentina. Bergoglio teve que responder na justiça pelas acusações formais sustentadas por Graciela Yorio, irmã de Orlando, segundo a qual, depois do sequestro, os dois padres teriam pedido ajuda a Bergoglio, o qual, porém, se recusou a sequer falar sobre o assunto.
Para ela, não há dúvidas que Bergoglio esteve envolvido no sequestro. Horácio Verbitsky, reconhecido jornalista e um dos mais conhecidos estudiosos da ditadura argentina, revelou uma série de documentos que incriminam Bergoglio em mais de uma ocasião (acessível em http://iglesiaydictadura.wordpress.com/tag/bergoglio/).

Convite indecente
Quando as denúncias em relação ao passado do novo papa saíram na imprensa internacional, nem Bergoglio nem o Vaticano deram explicações. Segundo Calil e Ribeiro, “ao mesmo tempo em que repudiava as denúncias contra Bergoglio como obra da ‘esquerda anticlerical’, o Vaticano enviava um convite para a cerimônia de coroação do papa Francisco a Carlos Pedro Blaquier, dono do engenho Ledesma, processado pelo sequestro e desaparecimento de 29 dirigentes sindicais e trabalhadores de sua empresa durante a ditadura”.
O convite enviado a ele ainda dizia: “Representas um dos setores mais pujantes do país, que fez esta revolução agrícola e industrial, modelo internacional e celeiro para o mundo”. É muito simbólico que um dos convidados de honra do novo papa seja, além de latifundiário, um dos empresários mais fortemente ligados à ditadura argentina.
Na Igreja, Francisco é apontado como capaz de promover uma conciliação entre “progressistas” e conservadores; aqui, trata-se de promover a conciliação social e política. Como diz a música, o papa pode até “ser pop”, mas ainda restam muitas dúvidas se realmente, ao deixar Bergoglio para trás, o papa está ao lado do povo explorado e oprimido ou daqueles que governam este mundo desigual e opressor. E enquanto isso, segue solta a Santa Inquisição das manifestações.

Foto: Tânia Rêgo/ABr

Fonte: http://www.brasildefato.com.br/node/14459