A visita do papa Francisco ao Brasil
Cabe à esquerda comprometida com a transformação estrutural da sociedade disputar o discurso e a prática da Igreja
31/07/2013
Editorial da edição 544 do Brasil de Fato
O
revolucionário cubano Fidel Castro, numa célebre entrevista a Frei
Betto, alerta para dois elementos que a esquerda latino-americana não
deve secundarizar: a religiosidade e o nacionalismo. São dois elementos
centrais para a disputa de hegemonia nas formações sociais do nosso
continente.
De fato, a Igreja Católica tem um
capítulo importante nos processos de transformação na América Latina.
Sua contribuição se deu centralmente a partir do Concílio Vaticano II
(1962-1965) quando a Igreja abre suas portas, por tabela, para a atuação
do que viria a se chamar Teologia da Libertação. As conferências de
Medellín, em 1968 – da qual emana a proposta de uma “Igreja dos pobres” –
e de Puebla, em 1979 – quando a “opção preferencial pelos pobres” é
mantida e aprofundada – são marcos importantes da unidade da Igreja com
os setores populares. Personagens como Camilo Torres, dom Hélder Câmara,
dom Oscar Romero são expressões dessa aliança.
Além
disso, este setor da Igreja cumpriu um papel importante no processo
revolucionário na Nicarágua, na luta contra a ditadura militar
brasileira, na criação das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e no
processo de construção do movimento camponês no Brasil.
No
entanto, é importante ressaltar a ofensiva conservadora impulsionada
pelo papa João Paulo II nos processos de dissolução das experiências de
construção do socialismo no Leste europeu, na tentativa de
desestabilização da Nicarágua e no enquadramento da Teologia da
Libertação aos dogmas oficiais da Igreja Romana.
A
eleição do papa Francisco ocorre num contexto de crise da Igreja. Os
escândalos de pedofilia e lavagem de dinheiro contribuem para a perda de
credibilidade da Igreja enquanto instituição. A escolha de um papa
latino tem como objetivo conter esta perda de credibilidade. Vale
lembrar que a América Latina é o principal reduto de católicos no mundo.
As
movimentações do papa Francisco têm deslocado o centro do discurso
papal da Igreja enquanto instituição para a população pobre, a
periferia. Apesar disso, é muito cedo para afirmarmos que a Igreja
cumprirá um papel missionário e pastoral característico aos das décadas
de 1960 a 1980.
Durante a Jornada Mundial da
Juventude, a mídia conservadora, particularmente a Rede Globo, buscou
construir uma imagem popular do papa, mas ofuscando as manifestações em
defesa do caráter laico do Estado e contra o governo repressor de Sérgio
Cabral.
Vale destacar a falta de transparência
com os gastos financeiros de milhões de reais provenientes dos cofres
públicos que foram destinados para a visita do papa. Além disso, a
cidade do Rio de Janeiro foi praticamente sitiada pelo Exército, pela
Força Nacional de segurança e pela polícia do impopular governador
Sérgio Cabral. Ao mesmo tempo, o papa Francisco não desautorizou as
manifestações da juventude.
Num momento em que a
América Latina vive um processo de mudanças importantes com a eleição de
governos populares e progressistas, o discurso da Igreja se voltar para
os pobres seria um importante acúmulo de forças.
Cabe
à esquerda comprometida com a transformação estrutural da sociedade
disputar o discurso e a prática da Igreja. Oxigenar o papel missionário
dos setores da Teologia da Libertação, fortalecendo as pastorais sociais
é um importante desafio.
Fonte: http://www.brasildefato.com.br/node/14862
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