“Pobre estudar medicina é afronta para a elite”, diz médico formado em Cuba
31/07/2013
A
elitização do ensino de medicina no Brasil é um obstáculo para jovens
de baixa renda entrarem nas universidade e se formarem. Já os problemas
nas provas de revalidação do diploma dificultam o exercício da profissão
em território nacional pelos brasileiros que conseguiram se formar no
exterior.
“Quem estuda medicina no nosso país são os filhos das
elites, em sua maioria. É uma afronta para a elite um negro, um pobre,
um trabalhador rual, filho de Sem Terra estudar medicina na faculdade,
principalmente pelo status conferidos por essa profissão”, afirma Augusto César, médico brasileiro formado em Cuba e militante do MST.
Estudo
do Ministério da Educação (MEC) aponta que 88% dos matriculados em
universidades públicas de medicina estudaram em escolas particulares no
ensino fundamental e médio. Os programas do governo de acesso à
universidade, como o Programa Universidade para Todos (ProUni),
ampliaram o acesso, mas ainda não conseguiram universalizar e
democratizar a educação.
“A maioria das pessoas quem entra na
universidade pública para fazer medicina tem dinheiro para fazer um bom
cursinho ou estudou o tempo todo numa escola particular. Claro que há
exceções, mas o ensino de medicina do nosso país é altamente elitizado”,
acredita.
“A maioria das pessoas que tem acesso às escolas de
medicina são de classe média e classe média-alta. Um pobre numa
universidade particular não consegue se sustentar pelo alto preço das
mensalidades. Sem contar que hoje temos mais universidades privadas do
que públicas na área da saúde, dificultando ainda mais o acesso”, diz a
médica formada em Cuba Andreia Campigotto, que também é militante do
MST.
Revalidação
A necessidade dos
médicos brasileiros formados no exterior e estrangeiros passarem por uma
prova para verificar se estão capacitados a exercer a profissão é um
tema frequentemente pautado pela comunidade médica brasileira.
Independentemente
do curso, todos os estudantes brasileiros que realizam um curso fora do
país precisam passar por uma revalidação do diploma. No entanto, há
falhas nesse processo no caso da medicina.
Um dos principais
problemas é que não existe um padrão para o conteúdo dessas provas. Cada
universidade federal pode abrir sua prova de reconhecimento de títulos
no exterior. Com isso, o conteúdo não é uniforme.
Além disso, o
custo dessas avaliações é alto. A Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG) cobra uma taxa de inscrição de R$1.172,20. Outras universidades
pelo país têm preços similares.
Preconceito
“As
provas são injustas, porque têm um nível de médicos especialistas,
preterindo os 'generalistas', que é o nosso caso após nos graduar. Isso
causa uma desaprovação considerável dos estudantes que vem de fora”,
acredita Andréia.
“O que a categoria médica não divulga é que 50%
dos estudantes da USP reprovaram na prova feita pelo Conselho de
Medicina de São Paulo. Foi uma prova para médico generalista, muito mais
fácil, que a de revalidação”, revela.
Para Andréia, há um
“grande preconceito” por parte dos profissionais brasileiros em relação
aos médicos formados em outros países, o que cria um entrave para a
revalidação dos diplomas.
“Seria justo se os profissionais que se
formam no Brasil fizessem as mesmas provas que nós, para ver se
realmente se comprova uma suposta má formação de nossa parte, bem como
discursa a categoria médica brasileira”, observa.
Os dois médicos
defendem a realização de uma avaliação dos conhecimentos dos
profissionais graduados no exterior, mas destacam que as provas atuais
não cumprem esse papel, porque não são aplicados testes adequados para
auferir o conhecimento.
“As provas teóricas e práticas atuais não
levam em conta as complexidades. Seria muito melhor colocar esse médico
para trabalhar sob um tutor e, a partir daí, se instaurar uma avaliação
rigorosa e permanente. Mas isso não tem sido pensado”, pontua Augusto.
Formação
A
concepção de medicina ensinada nas universidades impede também que os
estudantes vejam a luta pela saúde além do tratamento de doenças.
“Nas
universidades de medicina, só se vê doença. Não se fala em saúde. Como
você pode lutar pela saúde se só vê doenças? Também é saúde lutar por um
sistema público de saúde de qualidade”, destaca Augusto.
De
acordo com o militante, a concepção de saúde deve ultrapassar uma
formação técnica. “O médico deve exercer a medicina a favor da
construção de um país mais saudável, sem esperar que as pessoas ou uma
comunidade adoeça para depois intervir sobre ela, pois é o modo de vida
que vivemos que gera as doenças do país”, defende.
Andreia quer
se tornar professora de medicina para colaborar para a mudança da forma
de ensinar das universidades. Ela se classificou na primeira fase do
concurso para lecionar na Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).
Segundo
ela, o campo da educação deve ser ocupado por aqueles que querem
democratizar a educação. “Precisamos formar profissionais com um novo
perfil, realmente voltados para atender o povo, para se fixar nos locais
de difícil acesso, não só nos grandes centros como hoje. É um campo
interessante de atuação”.
Foto: Valter Campanato/ABr
Fonte: http://www.brasildefato.com.br/node/14868
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