Bancos
O HSBC faz as malas
por Carlos DrummondAbalada por escândalos variados, a instituição prepara-se para deixar o País
Fabrice Coffrini / AFP
Na quarta-feira 13, o
burburinho em torno da provável venda do HSBC no Brasil indicava a
possibilidade de realização do negócio ainda neste semestre. Com ativos
totais de 150 bilhões de reais, trata-se do quarto banco privado no
Brasil, antecedido por Itaú, Bradesco e Santander, e o sétimo na
classificação geral. Bradesco, BTG Pactual e Santander compõem a relação
de possíveis compradores, seguidos pelo canadense Scotiabank, por
chineses como o Industrial & Commercial Bank of China e o espanhol
Bilbao Vizcaya. O montante do negócio, especula-se no País e no
exterior, oscila em torno de 5 bilhões de dólares, equivalente a 1,6 vez
o valor patrimonial do quarto trimestre do ano passado.
As operações do HSBC na Turquia e nos
Estados Unidos seriam também vendidas para contrabalançar o impacto nos
resultados do aumento das exigências dos órgãos reguladores de diversos
países em relação aos
ativos de risco, motivo do fechamento de 77
negócios nos últimos quatro anos. Entre 2013 e 2014, a instituição foi
investigada na Europa por manipulações nos mercados de câmbio e de taxas
de juro.
A situação agravou-se com a descoberta,
em fevereiro deste ano, das contas secretas de 106 mil clientes de 203
países na filial suíça, com mais de 100 bilhões de dólares em depósitos
feitos entre 1988 e 2007 por governantes, empresários, políticos,
celebridades e criminosos, no escândalo apelidado SwissLeaks. O banco é
suspeito de cumplicidade com a sonegação provavelmente cometida por 95%
desses clientes. Com 7 bilhões de dólares em 8.667 contas, o Brasil é o
nono colocado em volume de depósitos e o quarto em quantidade de contas
correntes secretas. A Receita Federal e uma Comissão Parlamentar de
Inquérito instalada em março no Senado investigam as suspeitas de
irregularidades nessas contas, abertas por empresários, donos de grupos
de mídia, políticos e empresas, neste caso para pagamento, na Suíça, de
parte da remuneração de executivos.
A provável saída do HSBC marca o fracasso
da abertura financeira dos anos 1990, anunciada pelo governo FHC como
um caminho para o aumento da eficiência do sistema financeiro local pela
sua exposição à concorrência externa. Com exceção do período de 1946 a
1964, a entrada de bancos estrangeiros no País foi limitada. Entre 1965 e
1995, o ingresso era condicionado ao acesso de instituições brasileiras
aos países de origem das estrangeiras. A Constituição de 1988 vetou a
entrada de capital do exterior, mas deixou uma brecha, no artigo 52,
utilizada pelo governo em 1995 para permitir o ingresso.
O efeito foi, porém,
oposto ao anunciado. “A ampliação da presença estrangeira no sistema
bancário brasileiro não teve o impacto previsto pelas autoridades
econômicas na redução dos custos do crédito e dos serviços bancários
oferecidos à população e no alongamento dos prazos das operações de
crédito”, constataram as pesquisadoras Maria Cristina Penido de Freitas e
Daniela Magalhães Prates, da Fundação do Desenvolvimento Administrativo
de São Paulo, em estudo sobre a abertura financeira do governo FHC.
Outro resultado da abertura foi aumentar a vulnerabilidade
do País por estimular o crescimento da dívida externa securitizada e
dos investimentos de portfólio, integrantes, ao lado da dívida bancária e
do estoque de investimento direto, do passivo externo bruto da economia
brasileira. “Esse passivo gera um fluxo permanente de remessas de
juros, lucros e dividendos que se tornaram o principal componente do
elevado déficit em conta corrente do País”, acrescenta o estudo.
Em 1994, havia somente um banco estrangeiro, o Lloyds,
entre as dez maiores instituições privadas do setor segundo o critério
de tamanho dos ativos. O grupo financeiro inglês vendeu a operação
brasileira ao HSBC, em 2003, e retornaria ao País três anos mais tarde,
com a abertura de um escritório. Em 2000, cinco dos dez maiores bancos
privados em operação no território nacional eram estrangeiros. O
holandês ABN-Amro ingressou com a compra do Real, que em 2008 seria
incorporado pelo Santander. Este adquiriu, em 2000, o Banespa, o segundo
maior banco público. O HSBC arrematou em 1997 uma parte do Bamerindus,
liquidado pelo Banco Central. O americano Bank Boston, no Brasil desde
1947 e vendido ao Itaú em 2006, e o Citibank, que chegou em 1915,
completavam o grupo.
Para os grupos financeiros globais,
o ingresso no Brasil mostrou-se um excelente negócio. Entre a chegada
de novos participantes estrangeiros a partir de 1995 e o ano 2000, a
rentabilidade patrimonial no País atingiu 24,80%, ante 17,20% nas suas
matrizes. A rentabilidade dos ativos operacionais chegou a 29,80%, ante
6% nas sedes.
Em transparência e prestação de contas, o
HSBC foi o mais mal avaliado em levantamento recente do Guia dos Bancos
Responsáveis, associado ao Fair Finance Guide Internacional. O seu
conceito no exterior não é dos melhores. Com 133 das suas 496 sucursais
localizadas em paraísos fiscais, é a segunda empresa global em
utilização desses refúgios de sonegadores, mostra um levantamento do
jornal britânico The Guardian. Uma investigação do Senado dos EUA
concluiu, em 2012, que subsidiárias do banco inglês lavaram bilhões de
dólares para cartéis de droga mexicanos e terroristas, durante décadas.
“Foi como um retorno às raízes históricas”, concluiu a organização Tax
Justice Network, em referência à fundação da instituição, em 1865, em
Hong Kong, por um grupo do qual faziam parte vários comerciantes
ingleses de ópio em busca de oportunidades lucrativas para o negócio na
área financeira.
Afetado por problemas com raízes profundas, o HSBC trata de enxugar a sua estrutura em um esforço de sobrevivência.
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