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quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Kennedy

Kennedy

O mito e os fatos

No 50º aniversário do assassínio de Dallas o mundo celebra a memória de um presidente que não houve. 



Kennedy
A imagem que construiu de família feliz foi fundamental para seu sucesso, mas Kennedy teve casos com belas mulheres

Cinquenta anos não parecem suficientes para separar os fatos dos mitos a delinear a imagem de John Fitzgerald Kennedy. A vasta maioria de biografias, artigos jornalísticos e filmes sobre o 35º presidente dos Estados Unidos, assassinado aos 46 anos enquanto saudava a multidão de uma limusine na Dealey Plaza em Dallas, Texas, em 22 de novembro de 1963, coloca o homem sobre um pedestal. Como retratos de nossos antepassados associados às histórias narradas, por vezes com invenções por aqueles que os conheceram, vários contemporâneos sentem ter conhecido o presidente solar.

Além de jovem, era boa-pinta, bronzeado, esportivo, sedutor, carismático, bem-humorado, casado com uma mulher atraente, pai de dois filhos. E o herdeiro de uma dinastia comparada a monarquias europeias. JFK, do Partido Democrata, encarnava o American Dream. Além disso, como sua mulher, Jacqueline Kennedy, ícone da moda, JFK tinha estilo. Possuía o status de um rock star naqueles lendários anos 1960 em que emergia a cultura pop. Esse liberal prometia a líderes como Martin Luther King o fim da segregação racial. Dizia que os EUA colocariam o homem na Lua, sonho realizado em 1969. Quem não se lembra, ou assistiu ao vídeo de uma sensual Marilyn Monroe a cantar para ele Happy Birthday, Mr. President no Madison Square Garden, em Nova York, em 1962?

A trágica morte, como as de tantos ícones, congelou a imagem de John Kennedy. Teorias de conspiração alimentam o debate sobre o presidente. Teria sido Lee Harvey Oswald, o autor de três tiros, dos quais um ele teria errado, o único assassino? Por que Jacob Rubenstein, ligado à máfia, teria matado Oswald? O fato de JFK ser um enigma dificulta a eliminação das mais absurdas entre as teorias.

Para manter o mito vivo contribuiu o fato de o exímio orador JFK ter sido o primeiro presidente a usar com sabedoria a televisão. “My fellow Americans, ask not what your country can do for you, ask what you can do for your country”, disse JFK no seu discurso de inauguração como o presidente mais jovem e o primeiro católico a assumir o cargo. Isso em 1961, quando irlandeses eram tidos como policiais corruptos ou gângsteres, ser católico não era tão negativo, e ao menos ele era cristão e
tinha fé. Tempos de plena Guerra Fria. JFK era a nova esperança, como foi Barack Obama.
Enquanto isso, 40 mil biografias foram publicadas desde a morte de JFK, e mais a avalanche de mais 10 mil novos livros sobre o ex-presidente. Por que não contam como foi construído o mito? Felizmente, nem todos os observadores são ovelhas a crer na mídia.  Postula Wilton Woods, ex-vice-editor da revista norte-americana Fortune, que nos anos 1960 integrava um movimento de direitos humanos na Universidade do Texas. “Cinco anos antes de JFK ser eleito, Martin Luther King e outros já protestavam, faziam piquetes, eram presos – e mortos – pelo direito de sentar em qualquer assento vazio de ônibus”, lembra Woods em entrevista a CartaCapital.
“O crescente conflito sobre direitos civis poderia ter forçado JFK a adotar um papel histórico, em vez de permanecer como espectador diante do maior problema de seu tempo.” No entanto, Woods apoiava JFK, porque os republicanos eram piores, continua, embora Kennedy não passe de “um presidente moderado e medíocre”.
O cientista político Stan Draenos diz que “a breve Presidência de Kennedy não lhe permitiu deixar um legado significativo”. “Mas serviu – acrescenta – como catalisadora da reemergência de uma política progressista devido ao seu papel de representante de uma nova geração, e iniciador da détente da Guerra Fria na Europa após a crise de mísseis em Cuba em 1962.”
Sentado em um café parisiense, Michael Strauss, professor de Relações Internacionais no Centre d’Études Diplomatiques et Stratégiques, diz: “JFK soube se cercar dos melhores conselheiros da época e suas ideias teriam impacto em futuros governos.” Strauss reconhece que em Cuba o presidente dos EUA teve de ceder ao líder soviético Nikita Kruchev. E assim retirou mísseis norte-americanos da Itália e da Turquia. De todo modo, não foi, como pinta a história, um herói nessa contenda.

Além das derrapadas em termos de direitos civis e política internacional, o que torna JFK um presidente medíocre? Quem era esse homem? A resposta é dada por poucos. Talvez o mais importante deles seja Seymour Hersh, o mais prestigiado jornalista investigativo dos EUA e autor de The Dark Side of Camelot. Publicado em 1997 nos EUA, o livro foi relançado em 2013 na França sob o título La Face Cachée du Clan Kennedy: Une enquête explosive, la fin d’un mythe? (Archipoche, 519 págs., 8,65 euros).

Vencedor do Pulitzer Prize, Hersh escreve: “As fraquezas de caráter desse homem o impediram em parte de realizar seus deveres de presidente”. Hersh analisa o homem do ponto de vista psicológico. “Tratava-se de um menino (e homem) mimado.” As pessoas faziam o possível para agradá-lo, ou pelo menos para não aborrecê-lo. E para atrair sua simpatia, coisa rara, salvo se ele tivesse algum interesse pessoal nelas. Segundo Hersh, JFK aceitava tranquilamente que as mulheres não podiam ser iguais aos homens e que os negros fossem inferiores aos brancos. Era um homem de seu tempo, “não quer dizer que fosse um racista”, embora “fosse limitado”, pondera Hersh. Hersh deveria ler sobre os abolicionistas do século XIX. Eles não eram nada limitados.

No entanto, Hersh é feliz ao mostrar que esse jovem mimado se sentia acima das leis. Esse sentimento remonta ao adorado avô materno.  Tratava-se de um político clientelista, nepotista e corrupto de Boston, cassado no fim do século XIX. O pai de JFK, Joe Sênior, fez fortuna no contrabando e a vender álcool durante a proibição. Embaixador em Londres de Franklin Roosevelt, Joe Sr. tentou se aproximar de Hitler. Os bolcheviques, dizia, eram muito piores do que os nazistas. O sonho de Joe Sr. era ser presidente, mas, quando seu filho Joseph Júnior foi morto na Segunda Guerra Mundial, em 1944, mirou em John Kennedy, o segundo filho, que padeceu de várias doenças na juventude e como adulto, aflito por problemas crônicos nas costas. Aliás, o bronzeado da tez de JFK era consequência de uma doença chamada Addison.

A construção do mito JFK começa com o pai. Ele transformou em best seller a tese do filho na Universidade Harvard. Como? Comprando quase todos os exemplares do livro. Transformou o filho em herói da Segunda Guerra Mundial, sem ele ter sido. A fortuna de Joe Sr., estimada em 500 milhões de dólares na sua morte em 1969, foi crucial para que JFK vencesse Nixon em 1960.
Frank Sinatra apresentou o mafioso Sam Giancana a JFK. Uma amante comum a JFK e a Giancana, Judith Campbell Exner, servia de intermediária entre os dois homens. Levava malas de dinheiro do presidente ao mafioso. A máfia votou em massa em JFK e forçou outros a fazer o mesmo no pleito contra Richard Nixon em 1960. Sem a vitória em Chicago, JFK jamais seria presidente, visto que sua vitória contra o adversário foi bastante apertada.

JFK dizia que, se não tivesse uma relação sexual pelo menos de dois em dois dias, seria vítima de enxaqueca. Na piscina da Casa Branca organizou várias orgias, na maioria das vezes com prostitutas. Teve casos com belas mulheres, como Marilyn Monroe e Angie Dickinson, e, como diz o historiador John A. Barnes, o idílico casamento com Jacqueline Lee Bouvier foi de fachada. JFK matinha o casamento porque sabia que as imagens da jovem família tinham impacto na opinião pública. JFK não era diferente de todos os Kennedy de sua geração e da anterior. Não passavam de hipócritas em busca do poder.

Fonte: Carta Capital

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