Estella Maris
O domínio da tecnologia espacial é fundamental na soberania nacional
Ainda não decolamos
Uma década após a explosão da base de Alcântara, temos muitas iniciativas em desenvolvimento para nosso progama espacial, mas poucas de sucesso efetivo
Por Luiz de Siqueira Martins Filho
Há dez anos, um acidente durante a montagem e preparação para o
lançamento do foguete VLS-1 causou a morte de 21 engenheiros e técnicos
brasileiros na base de lançamentos de Alcântara, no Maranhão. Esse
trágico acidente mostrou as dificuldades e limitações do País no domínio
de tecnologias fundamentais para o projeto, principalmente na
construção e lançamentos de foguetes para fins de exploração espacial
pacífica. A tragédia provocou ainda o atraso no programa, pela
irreparável perda de vidas humanas e consequente descontinuidade no
desenvolvimento das atividades, e pelos naturais questionamentos sobre
as opções e os rumos adotados na política espacial brasileira.
O programa espacial brasileiro, conforme definido no Programa Nacional
de Atividades Espaciais (PNAE), na sua versão de 2005, tem como objetivo
principal o domínio da tecnologia espacial, buscando a capacitação do
chamado ciclo espacial completo, que compreende o estabelecimento de
centros de lançamento, o projeto e a construção de veículos lançadores,
de satélites e de suas cargas úteis. Esse programa destaca o caráter
estratégico que essa área tem para o Brasil, tanto em termos de
soberania nacional quanto de relevância socioeconômica, pois é
fundamental que um país de dimensões continentais tenha domínio
independente de tecnologias de telecomunicações, de observação terrestre
(monitoramento ambiental, informações agropecuárias etc.), e de
previsão meteorológicas. Esse documento PNAE foi revisado em 2012,
colocando num horizonte de dez anos algumas novidades em termos de ações
do governo federal para aumentar e consolidar investimentos no
programa.
As principais novidades são a inclusão das questões espaciais nos
Fundos Setoriais, a definição de uma Estratégia Nacional de Defesa, o
lançamento do projeto do Satélite Geoestacionário de Defesa e
Comunicações Estratégicas (SGDC), e a inclusão de uma reserva especial
no programa Ciência sem Fronteiras para esta área. Houve também uma
iniciativa legislativa para a desoneração fiscal do setor. Essas
mudanças e inclusões mostram um entendimento que somente com o
engajamento de setores industriais e a participação de investimentos
privados o País conseguirá superar o atraso tecnológico e a dependência
em relação a outros países fornecedores de produtos e serviços. A
Agência Espacial Brasileira (AEB) mantém dois programas importantes
associados à educação: o programa Uniespaço, para o financiamento de
projetos de pesquisa e desenvolvimento em universidades brasileiras, e o
programa AEB-Escola, para divulgar as atividades espaciais e estimular
em nossas crianças e jovens o interesse pela ciência e pela tecnologia.
Esses programas mostram uma preocupação com a disseminação das ciências
espaciais e com o estímulo à formação de profissionais especialistas
para atuar no setor.
Embora haja a novidade do recente aumento da oferta de cursos de
Engenharia Aeroespacial e Aeronáutica em universidades nos últimos anos
(Federal do ABC, Instituto Tecnológico da Aeronáutica, Federal de Minas
Gerais, UNB, USP, Federal de Uberlândia, Federal de Itajubá e de Santa
Catarina), as atividades espaciais, pesquisa e projetos, se concentram
essencialmente no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e nos
institutos do Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial do
Ministério da Aeronáutica (DCTA).
Os projetos de satélites são desenvolvidos no Inpe, em São José dos
Campos, interior paulista. Entre os vários programas, destaca-se o do
Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres (CBERS, do nome em
inglês China-Brazil Earth-Resources Satellite), que já lançou com
sucesso três satélites da série e produziu uma enorme quantidade de
imagens da superfície terrestre para diversos fins. Essa cooperação com a
China permitiu ter contato com o avançado programa espacial daquele
país, e contar com o lançamento dos satélites utilizando um foguete
chinês. Outro programa desenvolve uma plataforma base para diferentes
missões, denominada Plataforma Multimissão (PMM). Por exemplo, o
satélite Amazônia-1 baseado na PMM tem lançamento previsto para 2015, e
deverá monitorar o desmatamento na Região Amazônica.
Com o projeto CBERS,parceria com a China,três satélites foramlançados e o Brasil tevecontato com a avançadatecnologia chinesa
O maior desafio atual para o Brasil em termos de satélites é o projeto,
construção e colocação em órbita de um satélite geoestacionário de
comunicações. Atualmente, o País depende de utilização de satélites
estrangeiros, que fornecem serviços de telecomunicação através do
aluguel de linhas. A perspectiva de alcançar uma independência nesse
setor estratégico tornou-se mais viável depois da decisão de o governo
federal contratar um consórcio ítalo-francês para o fornecimento e
transferência da tecnologia e de uma empresa nacional para a construção
do tão desejado satélite geoestacionário, o SGDC. A previsão de
colocação em serviço é 2016.
Os lançadores de satélites e foguetes de sondagem são desenvolvidos em
São José dos Campos, principalmente no Instituto de Aeronáutica e do
Espaço (IAE). O acidente com o Veículo de Lançamento de Satélites
(VLS-1) provocou uma descontinuidade com a perda trágica de 21
especialistas. O IAE segue trabalhando no desenvolvimento dos foguetes,
como o VSB-30, que realizou diversas missões de sondagem em cooperação
com outros países. Em outra frente de busca de acesso ao espaço, o
governo consolidou uma cooperação com a Ucrânia, com a criação da
empresa binacional Alcântara Cyclone Space centrada no projeto do
foguete Cyclone-4, a ser lançado da Base de Alcântara. Esse
empreendimento, depois de fases alternadas de indefinições e retomadas,
promete lançamento do primeiro foguete em 2015, e é candidato à
principal alternativa de lançadores de satélites brasileiros para o
futuro próximo.
Pode-se ver que há muitos programas e iniciativas, mas apenas uma parte
já chegou com sucesso a resultados efetivos. E por que seria? As razões
são várias. Talvez as primeiras delas sejam a limitação e a
descontinuidade de investimentos financeiros no setor. Nos períodos de
crise econômica, programas considerados de pouco apelo popular apesar da
relevância estratégica, como é o caso do programa espacial, são os
primeiros alvos de cortes nos orçamentos. Além disso, falta transformar o
programa espacial em um programa de Estado, e não de governos, para que
não sofra com a alternância de partidos e grupos políticos nos postos
de comando do desenvolvimento científico e tecnológico do País. É
preciso superar a imagem de supérfluo das atividades espaciais, pois
elas representam muito de independência tecnológica e de soberania, e
são de grande importância socioeconômica.
Outra razão da morosidade com que avançamos nas tecnologias espaciais é
o reduzido número de especialistas no mercado de trabalho. Essa
carência começa a ser combatida com a expansão de oferta de cursos
específicos em universidades públicas de primeira linha, mas necessita
igualmente da consolidação da perspectiva de uma carreira profissional
atraente para estimular nossos estudantes para o ingresso na área. O
incentivo às empresas privadas para colocar as tecnologias espaciais
entre suas atividades ainda obtém poucos resultados, e as instituições
públicas federais Inpe e IAE vêm perdendo seus especialistas por
aposentadoria sem reposição de quadros num ritmo adequado.
Dentro da política de estímulo para o setor privado, o plano Inova
Aerodefesa, ação conjunta da Financiadora de Estudos e Projetos, do
BNDES, do Ministério da Defesa e da Agência Espacial Brasileira pretende
estimular empresas brasileiras para que incluam em seus planos de
negócios temas comprometidos com a pesquisa, o desenvolvimento e a
inovação das cadeias produtivas desses setores.
Esse apoio se dará por meio de crédito, subvenção econômica e projetos
cooperativos entre instituições e empresas, e seu enfoque é a inovação
tecnológica e o aumento da competitividade no setor Aeroespacial e de
Defesa. Isso é fundamental, pois entre as tecnologias espaciais, são
muitas as consideradas sensíveis (de aplicação bélica), que não estão
disponíveis para aquisição ou importação.
O que todos esperamos é que haja continuidade nos investimentos,
incentivos e esforços para que o Brasil avance na intensidade e no ritmo
necessários para tornar o setor espacial uma área importante de
desenvolvimento socioeconômico.
E e também uma opção atraente de carreira para profissionais qualificados e motivados.
Ordem de chegada
da corrida espacial
1º URSS (1957)
2º EUA (1958)
3º França (1965)
4º China (1970)
5º Japão (1970)
6º Reino Unido (1971)
7º Índia (1980)
8º Israel (1988)
9º Irã (2009)
10º Coreia do Sul (2009)
Ranking de investimento em programas espaciais*
1. EUA (0,295%)
2. Índia (0,1%)
3. França (0,0097%)
4. Rússia (0,085%)
5. China (0,069%)
23. Brasil (0,010%)
*Verba dos programas dividida pelo PIB
Fontes: Portal da Transparência
e Official Nasa budget
Publicado na edição 82, de dezembro de 2013
Fonte: cartanaescola
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