Democracia brasileira é limitada e não garante a soberania popular
Não
há contradição entre as duas propostas de Reforma Política, a da
iniciativa popular e a do plebiscito popular, porque ambas têm como
objetivo uma reforma radical do sistema político, na direção da criação
de condições para uma verdadeira democracia”, avalia Ivo Lesbaupin, em
entrevista concedida à IHU On-Line.
Apesar de a Plataforma dos
Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político insistir no debate
acerca da reforma há mais de dez anos, foi somente a partir das
manifestações de junho que “sentiu-se necessidade de organizar um
consenso em torno de uma proposta comum”, contextualiza o sociólogo.
Na entrevista a seguir, Lesbaupin explica as duas propostas de Reforma Política,
e enfatiza que a “iniciativa popular pretende começar a influenciar
desde já o Congresso, para tentar fazer valer as mudanças já para a
próxima eleição, ou, se não for votada até outubro, para servir de
pressão sobre os parlamentares”.
Enquanto isso, frisa, a proposta
de um plebiscito popular “considera que uma reforma com o alcance
pretendido só poderia ser realizada através de uma assembleia
constituinte exclusiva, não por este Congresso”.
Ivo Lesbaupin é
professor na Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Graduado em
Filosofia pela Faculdade Dom Bosco de Filosofia, é mestre em Sociologia
pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro – IUPERJ e
doutor em Sociologia pela Université de Toulouse-Le-Mirail, da França. É
autor e organizador de diversos livros, entre os quais Igreja: comunidade e massa (São Paulo: Paulinas, 1996); e O desmonte da nação: balanço do governo FHC (Petrópolis: Vozes, 1999).
Confira a entrevista.
IHU
On-Line - Nos últimos dias foi lançada em Brasília a “Campanha de
Projeto de Lei de Iniciativa Popular pela Reforma Política” pela
“Coalizão Democrática pela Reforma Política e Eleições Limpas”. Qual é a
origem dessa iniciativa e o que propõe? Por que é preciso uma Reforma
Política?
Ivo Lesbaupin - No sistema
político atual, executivo e legislativo podem se entender, aprovar
projetos, implementar políticas sem levar em conta o que os movimentos
sociais pensam ou o que a maioria dos cidadãos reivindicam.
Há
cerca de dez anos constituiu-se uma articulação de movimentos sociais e
entidades da sociedade civil, que passou a se chamar “Plataforma dos
Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político”. O ponto de partida
desta articulação era a constatação de que nossa democracia é
seriamente limitada, porque não consegue garantir o essencial, que é a
soberania popular. Em outras palavras, há elementos formais da
democracia, como eleições regulares, imprensa livre, direito à liberdade
de opinião, mas o poder não está nas mãos dos cidadãos e cidadãs, o
poder é apropriado pelos representantes eleitos (parlamentares e
governos), com muito pouca possibilidade de interferência da maioria da
sociedade além do voto.
Mesmo depois da introdução dos conselhos
setoriais e das conferências de políticas públicas, há muita
participação, mas, sem poder de decisão, o governo faz o que bem entende
com as indicações que são aprovadas nestas conferências.
A
Plataforma concluiu que, para efetivar a soberania popular, seria
preciso muito mais do que uma simples reforma eleitoral, seria preciso
reformar o sistema político. Em cinco eixos: a democracia direta, a
democracia representativa, a democracia participativa, a democratização
dos meios de comunicação, a democratização do poder judiciário.
Depois
de alguns anos pressionando o parlamento para realizar esta reforma, a
Plataforma decidiu dar um passo além: em 2011 elaborou um projeto de lei
de iniciativa popular que englobava dois daqueles temas, a democracia
direta e a representativa, e passou a fazer campanha de assinaturas. Em
2013, o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral - MCCE, juntamente
com a OAB, elaborou outro projeto de lei de iniciativa popular, centrado
na democracia representativa.
Por outro lado, há uma
iniciativa de várias organizações populares sugerindo um “Plebiscito
Popular” sobre a Reforma Política. Quem está articulando, como começou, o
que propõe e quais serão os próximos passos?
A partir das mobilizações de junho e das manifestações dos movimentos sociais organizados em julho e com o destaque que a reforma política assumiu, sentiu-se necessidade de organizar um consenso em torno de uma proposta comum.
A partir das mobilizações de junho e das manifestações dos movimentos sociais organizados em julho e com o destaque que a reforma política assumiu, sentiu-se necessidade de organizar um consenso em torno de uma proposta comum.
A partir de sugestão da CNBB, reuniram-se várias
articulações e entidades: a Plataforma, aFrente Parlamentar pela Reforma
Política, o MCCE, a OAB, o MST, a CUT, a Federação Nacional dos
Jornalistas - FENAJ, a UNE, a CONTAG, o Conselho Nacional de Igrejas
Cristãos - CONIC, a Associação dos Magistrados do Brasil, a Cáritas e
a Comissão Brasileira de Justiça e Paz - CBJP. Formou-se a “Coalizão Democrática pela Reforma Política e Eleições Limpas” e
construiu-se um projeto de lei de iniciativa popular de consenso,
tratando de dois eixos: a democracia direta e a democracia
representativa.
Um dos itens fundamentais é o fim do financiamento
empresarial privado para campanhas eleitorais e partidos. Muitos
consideram este um dos principais fatores da corrupção existente no
país. Bancos, empreiteiras, empresas em geral, entram com muitos
recursos para financiar as campanhas dos candidatos. O resultado é que
boa parte das ações dos governos e dos parlamentares é feita não para
atender aos interesses de seus eleitores, mas os de seus financiadores.
Isto é muito fácil de verificar: se levantamos os principais financiadores das eleições de 2010 e examinamos certas políticas e a maioria das obras públicas desenvolvidas pelos governos, vemos que estas grandes empreiteiras e o setor do capital financeiro são os grandes beneficiários. Para dar apenas dois exemplos, a Odebrecht doou um milhão para a campanha presidencial. No decorrer de apenas um ano, recebeu 24 milhões para a realização de obras públicas; a empresa Carioca Engenharia doou 600 mil, e teve obras orçadas em 176 milhões. E os lucros dos bancos aumentam a cada ano (mesmo considerando o período em que houve ligeira queda nos juros), conforme informa regularmente a imprensa.
Isto é muito fácil de verificar: se levantamos os principais financiadores das eleições de 2010 e examinamos certas políticas e a maioria das obras públicas desenvolvidas pelos governos, vemos que estas grandes empreiteiras e o setor do capital financeiro são os grandes beneficiários. Para dar apenas dois exemplos, a Odebrecht doou um milhão para a campanha presidencial. No decorrer de apenas um ano, recebeu 24 milhões para a realização de obras públicas; a empresa Carioca Engenharia doou 600 mil, e teve obras orçadas em 176 milhões. E os lucros dos bancos aumentam a cada ano (mesmo considerando o período em que houve ligeira queda nos juros), conforme informa regularmente a imprensa.
Propostas
O projeto propõe o
financiamento público, de um lado, e a possibilidade de financiamento
individual, com um teto de 700 reais por pessoa (em torno de um
salário-mínimo), cercado de exigências. O financiamento por parte de
pessoa jurídica (empresas) fica terminantemente proibido. Além de
reduzir radicalmente o peso do poder econômico nas eleições, a proposta
reduzirá também o montante atualmente gasto nas campanhas que, além de
ser exorbitante, só dá chances a candidatos ricos (ou apoiados por
ricos).
Outro elemento importante do projeto de lei é a
regulamentação do uso de instrumentos de democracia direta. Estes
instrumentos estão na Constituição de 1988,
mas a possibilidade de seu uso é bastante restritiva. Agora a proposta
estabelece que determinados temas tenham necessariamente de ser
decididos pela população: por exemplo, a criação ou desmembramento de
estados; a possibilidade de privatização de serviços públicos, de
empresas estatais, ou de bens públicos; a alienação, pela União Federal,
de jazidas, em lavra ou não, de minerais e dos potenciais de energia
hidráulica. Isto quer dizer que, nestas matérias, nem o executivo nem o
legislativo podem decidir, só o povo, diretamente (plebiscito).
A
eleição de parlamentares será feita em dois turnos: os eleitores votarão
primeiramente num partido e, no segundo turno, no candidato daquele
partido. Em outras palavras, primeiro se escolhe o programa e, em
seguida, o candidato que o eleitor considera melhor para levar à frente
aquele programa.
Os movimentos sociais organizados avaliaram que o
tema mais forte que saiu das mobilizações de junho e julho foi
a Reforma Política. Como o Congresso não quis o plebiscito nem a
assembleia constituinte exclusiva – propostas inicialmente pelo governo
–, movimentos sociais e outras entidades da sociedade civil se reuniram
no início de agosto e se puseram de acordo para levar para as ruas um
plebiscito popular, nos moldes daqueles que já ocorreram sobre a dívida
externa, sobre a ALCA,
sobre a Vale. A pergunta única seria se a pessoa concorda com a
convocação de uma assembleia constituinte exclusiva para fazer a reforma
do sistema político. O plebiscito seria feito daqui a um ano, precedido
de amplo debate nas bases sobre o que deve ser reformado, quais as
mudanças mais importantes etc. São dezenas de movimentos e entidades da
sociedade civil que aprovaram esta proposta: movimento negro, MST, UNE,
MAB, pastorais sociais da Igreja Católica, da rede evangélica Fale, ao
lado de CUT, Marcha Mundial de Mulheres, Levante Popular da Juventude, entre outras organizações e movimentos.
Não há contradição entre as duas iniciativas?
Diria
que não há contradição entre as duas propostas, a da iniciativa popular
e a do plebiscito popular, porque ambas têm como objetivo uma reforma
radical do sistema político, na direção da criação de condições para uma
verdadeira democracia. A iniciativa popular pretende começar a
influenciar desde já o Congresso, para tentar fazer valer as mudanças já
para a próxima eleição, ou, se não for votada até outubro, para servir
de pressão sobre os parlamentares. A do plebiscito popular considera que
uma reforma com o alcance pretendido só poderia ser realizada através
de uma assembleia constituinte exclusiva, não por este Congresso.
De
qualquer modo, para realizar o plebiscito popular, será necessário
realizar um processo amplo de debates nas bases dos movimentos sociais,
das pastorais sociais, das entidades da sociedade civil – o que
certamente será útil para todos.
Fonte: http://www.brasildefato.com.br/node/26035
Nenhum comentário:
Postar um comentário