50 anos depois, brasileiros que lutaram na República Dominicana brigam por reconhecimento
25 maio 2015 Atualizado pela última vez 10:03 (Brasília) 13:03 GMT
No empoeirado 2º andar de um cortiço no centro do Rio de Janeiro, há um grupo de ex-soldados esquecidos.
Eles têm cerca de 70
anos e se reúnem mensalmente para tentar vencer uma "segunda missão",
que já se arrasta por décadas: cobrar do governo reconhecimento e
compensação financeira pelo que viveram e enfrentaram na República
Dominicana.
O aposentado José Carlos Teixeira é um deles. Há 50
anos, ele desembarcava em Santo Domingo, capital da República
Dominicana, de arma em punho e uniforme militar. Tinha apenas 19 anos.
Entre
1965 e 1966, cerca de 4 mil soldados brasileiros, em sua maioria jovens
recrutas, seguiriam o mesmo rumo que Teixeira. Eles foram incumbidos de
participar do destacamento brasileiro de uma força montada pela
Organização dos Estados Americanos (OEA) para preservar a paz na
República Dominicana, mergulhada à época em uma guerra civil.
"Éramos
jovens, de 18 e 19 anos. Não tínhamos experiência militar e a grande
maioria não havia sequer completado um mês de alistado", lembra Teixeira
à BBC Brasil.
'Operação Power Pack'
Na
ocasião, a República Dominicana vivia um período de forte instabilidade
política, após o assassinato do ditador dominicano Rafael Trujillo, em
1961. Trujillo acabaria sucedido por Juan Bosch, do Partido
Revolucionário Dominicano, eleito presidente em dezembro de 1962.
Mas Bosch comandaria o país por pouco tempo.
Ao
lançar mão de políticas inclinadas à
esquerda, como reforma agrária e
nacionalização de empresas estrangeiras, ele foi alvo de um golpe
militar de direita sete meses depois de iniciar de seu mandato. A
Constituição do país foi abolida e o poder entregue a um triunvirato.
Em
abril de 1965, contudo, um grupo de jovens oficiais das Forças Armadas,
pró-Bosch, conhecidos como "Constitucionalistas", rebelou-se contra o
triunvirato, exigindo o regresso do presidente constitucionalmente
eleito. O próximo passo foi distribuir armas à população, resultando na
criação de esquadrões armados, os chamados "Comandos".
Em pouco
tempo, a República Dominicana tornou-se um campo de batalha entre forças
pró-governo, os "lealistas", e rebeldes pró-Bosch, os
"constitucionalistas". No meio desse fogo cruzado estavam os civis – e,
posteriormente, os soldados estrangeiros, entre eles brasileiros.
Preocupado
com a ascensão do comunismo na América Latina e temendo o surgimento de
uma "segunda Cuba", o então presidente dos Estados Unidos, Lyndon B.
Johnson, ordenou a invasão do país, conhecida como "Operação Power
Pack".
Para isso, os americanos contaram com o apoio da OEA.
Juntos, EUA e OEA criaram uma força militar interamericana, a Força
Interamericana de Paz (IAPF, na sigla em inglês), com militares vindos
do Brasil ─ que enviou o maior contingente ─, Honduras, Paraguai,
Nicarágua, Costa Rica e El Salvador.
Participação brasileira
Criada
à força de um decreto pelo então presidente do Brasil, Castelo Branco, a
Força Armada Interamericana Brasileira (Faibrás) enviaria entre maio de
1965 e maio de 1966 cerca de 4 mil soldados, divididos em três
contingentes, para "assegurar a paz" na República Dominicana.
O primeiro deles – do qual Teixeira fazia parte - chegou ao país caribenho em 25 de maio de 1965.
"O
Brasil vivia uma ditadura militar. Ordens deveriam ser cumpridas, não
discutidas. Lembro-me de estar no quartel e ouvir que havíamos tido a
‘honra’ de participar da luta contra os comunistas na República
Dominicana", diz Teixeira.
"Quando minha mãe soube, passou mal. Ela era diabética. Não conseguiu nem me acompanhar ao aeroporto".
"Ao
chegarmos lá, no entanto, em vez de preservarmos a paz, tivemos de
combater os rebeldes, expondo a nossa própria vida, num clima
extremamente hostil", lembra.
Até hoje, Teixeira carrega no corpo as marcas da guerra ─ e na mente as lembranças de uma guerra que dizia não ser do Brasil.
"Vi
companheiros sendo mortos. Certa vez, estávamos fazendo patrulha quando
um franco atirador atirou em nós. Senti o calor da bala passando ao
lado da minha orelha. O disparou acabou atingindo e matando um colega
que estava atrás de mim".
O ex-combatente interrompe a entrevista com a BBC Brasil para mostrar a cicatriz no braço direito.
"Esta
cicatriz (Teixeira aponta para a marca visível em seu antebraço
direito) foi causada por uma granada, lançada em minha direção por um
rebelde".
Retorno e direitos
A
ofensiva contra os rebeldes se intensificou e foram realizadas novas
eleições, com a vitória do candidato de direita, Joaquín Balager,
apoiado pelos Estados Unidos.
Restabelecida a paz, a missão
brasileira foi extinta em 23 de setembro de 1966, contabilizando quatro
mortos (contra 470 durante a participação brasileira na 2ª Guerra
Mundial). Ao retornarem ao Brasil, no entanto, os soldados acabaram
dispensados do quadro efetivo das Forças Armadas.
Desde então,
eles vêm batalhando junto ao governo brasileiro o reconhecimento que
consideram de direito e uma pensão semelhante à recebida pelos soldados
que lutaram na 2ª Guerra Mundial (1939-1945) – o benefício a esses
últimos foi garantido pela Constituição de 1988.
"Muitos voltaram
mutilados, feridos, com distúrbios psicológicos, cujas sequelas jamais
serão esquecidas. Diferentemente da grande maioria, tive a chance de
estudar (Teixeira é formado em Economia pela Universidade Federal
Fluminense (UFF)), mas há inúmeros ex-combatentes hoje em dificuldades
financeiras", conta.
No entanto, iniciativas para conceder pensão
especial aos ex-integrantes da Faibrás foram barradas pela Justiça e
pelo Congresso, que apontam inconsistências legais no pleito.
Em
2001, a relatoria da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos
Deputados rejeitou um projeto de lei do ex-deputado Roberto Jefferson
que previa a concessão de uma pensão especial aos ex-combatentes que
lutaram na República Dominicana.
Segundo o texto do relatório, a
compensação financeira não é devida, pois não houve "operação bélica"
naquele país, o que poderia abrir o precedente para que militares
brasileiros atuando no exterior pudesse reivindicar o mesmo benefício.
"Parece-nos
que não há relação necessária entre a participação em tal força de paz e
a geração de direito a benefício que tem nítido caráter de indenização,
sendo reservado a quem, por lei, tem o reconhecimento da pátria por
relevantes serviços prestados".
"É o caso, por exemplo, da
legislação que vem assegurando aos ex-combatentes da 2ª Guerra Mundial o
direito a pensões especiais e privilégios que refletem esse
reconhecimento pelo papel desempenhado no teatro de guerra", conclui o
documento da relatoria.
"A Lei nº 5.315, de 12 de setembro de
1967, exigiu para tanto que o ex-combatente efetivamente tivesse
participado de operações bélicas, condição que teria que ser provada, e
não presumida", conclui o documento da relatoria.
Teixeira e outros ex-combatentes afirmam, no entanto, que não vão desistir dessa "segunda missão".
"Vamos
continuar reivindicando nossos direitos. Não fomos passear na República
Dominicana. Cumprimos nossa missão com orgulho e honra", finaliza.
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