Os poderes instituinte e constituinte da sociedade como armas contra crise
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“O PT saberá
se renovar, rejuvenescer? A velha e patrimonialista direita brasileira
poderá definir um projeto hegemônico para o país? Duvido das duas
opções. Como não vejo alternativas políticas emergentes, sou levado a afirmar que estamos apenas no começo de uma grande crise”, analisa o diretor do Ibase, Cândido Grzybowski
Por João Vitor dos Santos,
Do IHU-Online
Para
o diretor do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas –
Ibase, Cândido Grzybowski, a crise brasileira se materializa no “diálogo
de surdos” que se estabeleceu entre Legislativo e Executivo. “O
esgarçamento institucional se acentua com a autonomia e o protagonismo
da Procuradoria Geral, Ministério Público Federal, Justiça e Polícia
Federal”, completa.
Diante desse cenário, o resultado não poderia
ser outro: reflexos diretos na vida da população. Mas o que teria
levado o Brasil até esse cenário de crise? Grzybowski apresenta uma
reflexão para a provocação em dois níveis: político e social, da
sociedade.
O primeiro nível é o esgotamento de um modelo político
que chega ao limite. Assim, é possível compreender por que se fala que a
crise não é só do governo e sim do PT, da esquerda. A solução não é
apenas girar 180 graus e mudar o lado.Grzybowski entende que nem
o PSDB seria capaz de reverter a situação. Afinal, é a mesma matriz que
capitaneou para esse momento de saturação. “Dilma ganhou, mas parece que
não levou. Isto não quer dizer que Aécio Neves saiu vitorioso. Pelo
contrário, pensou que as eleições foram uma espécie de panela de pressão
que explodiu. A nossa crise é a dificuldade de definir o futuro a
partir daí”, completa.
Além do cenário nacional, é preciso ainda levar em conta o mundo. “Após a crise de 2007-2009, o neoliberalismovoltou
com toda força. Os grandes grupos econômico-financeiros conseguiram
socializar as suas perdas na crise e acabaram impondo uma agenda
política aos Estados de ajuste que ignora as vontades populares
manifestadas em eleições”. Na política, governos buscam soluções de
arrocho.
Grzybowski acredita que é da dimensão social que se
podem levantar sujeitos da transformação, mas para isso é preciso que
cada um se
mobilize. “Faltam os sujeitos coletivos de transformação, os
movimentos cidadãos de dimensões planetárias, que de suas trincheiras
levantem bandeiras de transformação de nosso modo de vida social e
ambientalmente insustentável”, pontua, ao desejar que o levante popular
faça emergir esses agentes de transformação.
Cândido Grzybowski é
graduado em Filosofia, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de
Ijuí, Rio Grande do Sul, Mestre em Educação pela Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio e doutor em Sociologia pela
Sorbone, Paris. É diretor do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e
Econômicas – Ibase.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Quais são as confusões no atual momento político brasileiro?
Cândido Grzybowski - O momento é de perplexidade e muita tensão no ar. A coalizão governamental montada pela presidenta Dilma Rousseff está
tensionada, sem unidade interna e com falta de capacidade de diálogo e
negociação. As tomadas de posição um tanto autônomas e corporativas dos
presidentes do Senado, Renan Calheiros, e da Câmara, Eduardo Cunha, aguçadas com as denúncias de seu envolvimento no esquema de corrupção descoberto na operação Lava Jato, tornam o quadro mais cheio de incertezas.
Está ocorrendo uma espécie de fragmentação e diálogo de surdos entre
Executivo e Legislativo. O esgarçamento institucional se acentua com a
autonomia e o protagonismo da Procuradoria Geral, Ministério Público
Federal, Justiça e Polícia Federal. Tudo isto se reflete no terreno da
sociedade civil brasileira, com desencontros mais do que agendas
coordenadas. Estamos entrando num momento de clara crise de hegemonia,
onde não aparecem intelectuais orgânicos do lado do governo e suas
forças, nem na oposição. É um vazio perigoso, quando oportunistas e
forças derrotadas, como os donos da nossamídia dominante, apostam no pior para ocupar espaços políticos a seu favor.
É totalmente incerto que campanhas pelo impeachment possam
prosperar ou aquelas de sustentação nas ruas e praças do governo
vitorioso em outubro de 2014. A questão da corrupção na Petrobras,
envolvendo alguns dos diretores num conluio com executivos de grandes
construtoras, só agrava o quadro. A própria campanha de defesa da
Petrobras como bem comum empresarial da sociedade brasileira, hoje
novamente ameaçada pela privatização, tem dificuldades de criar um forte
movimento de resistência.
IHU On-Line - Que crise é esta?
Cândido Grzybowski - O pano de fundo é a crise de
um modelo de desenvolvimentismo com condicionalidades sociais, baseado
numa reprimarização da economia, que não é sustentável economicamente,
nem socialmente, muito menos em termos ambientais. A opção feita pelo PT para chegar ao poder se aliando a setores empresariais para viabilizar um projeto desenvolvimentista com
condicionalidades sociais promoveu mudanças, sem dúvida, mas nada
sustentáveis. Foram criados empregos com carteira assinada, subiu
significativamente o salário mínimo, fez-se a proteção mínima com o
Bolsa Família, avançou-se na educação, entre outros. Mas não mudou a
estrutura produtiva voltada à acumulação capitalista, geradora de desigualdades sociais.
Distribuímos benefícios do crescimento à
metade mais pobre do Brasil, aumentamos o consumo popular e estimulamos
a produção de bens e serviços puxada por este consumo. Nada de reforma
agrária, reforma tributária, taxação de grandes fortunas, enfim, nada de
uma distribuição mais equânime da riqueza. Aí, bastou a China reduzir o seu ritmo de expansão — de um capitalismo autoritário,
diga-se de passagem — que nosso papel de fornecedor de matérias-primas,
da mineração e do agronegócio veio abaixo. Com eles, estão caindo os
empregos, aumentando a inflação, as rendas das famílias vão sofrer
contração e, sobretudo, estamos ameaçados por nova crise no balanço de pagamentos.
IHU On-Line - Há relação entre o momento político brasileiro e o momento político em outros países?
Cândido Grzybowski – Certamente, em termos de crise econômica.
Após a crise de 2007-2009, o neoliberalismo voltou com toda força. Os
grandes grupos econômico-financeiros conseguiram socializar as suas
perdas na crise e acabaram impondo uma agenda política aos Estados de
ajuste que ignora as vontades populares manifestadas em eleições. Isto
vale na Europa como na América Latina.
Agora, o momento político de cada país depende da forma de resistência e insurgência de sua própria cidadania. O “estouro da cidadania brasileira” — como defino as grandes manifestações de junho de 2013 — não foi capaz de mudar o cenário político.
As eleições de 2014 foram realizadas num ambiente difícil de esgarçamento da hegemonia desenvolvimentista montada pelo PT. Dilma ganhou, sem dúvida, mas parece que não levou. Isto não quer dizer que Aécio Neves saiu
vitorioso. Pelo contrário, pensou que as eleições foram uma espécie de
panela de pressão que explodiu. A nossa crise é a dificuldade de definir
o futuro a partir daí.
O PT saberá se renovar,
rejuvenescer? A velha e patrimonialista direita brasileira poderá
definir um projeto hegemônico para o país? Duvido das duas opções. Como
não vejo alternativas políticas emergentes, sou levado a
afirmar que estamos apenas no começo de uma grande crise. O fundamental
é abrir trincheiras cidadãs para não perder conquistas democráticas
duramente conquistadas entre nós nos últimos 30 anos. Insuficientes? Sem
dúvida! Mas melhor do que voltar a qualquer forma autoritária. Os
princípios e valores da democracia precisam ser reafirmados pela
cidadania neste contexto, para que possamos inventar uma nova e poderosa
onda de democratização, mais radical do que esta que está rebentando na
praia sem perspectivas.
IHU On-Line - Como chegamos até aqui após 12 anos de governos petistas?
Cândido Grzybowski - Não só no Brasil, mas na América Latina em seu conjunto, com algumas exceções e evidentes diferenças, os projetos de centro-esquerda estão
em crise. A verdade é que o mundo está em crise larval, mais forte aqui
e acolá, menos em outros lugares, mas em crise profunda. Não há saída à
vista para nenhum país. A civilização capitalista está
se esgotando. A possibilidade de um capitalismo verde, real, é como
postergar uma crise terminal. É insustentável o modo como produzimos as
condições de vida num planeta ameaçado em sua integralidade e
organizamos nosso modo de viver em uma sociedade profundamente desigual,
negador de igualdade na diferença.
Hoje, vivemos uma realidade em que 1% concentra mais da metade da riqueza no mundo. Um mundo assim não tem futuro. O PT tentou avançar socialmente sem mudar os tais fundamentos.
O problema da exclusão e da desigualdade social,
assim como da destruição ambiental, está nos tais fundamentos. Os
governos petistas optaram pelo mais fácil: cobrar uma taxa aos
ganhadores, mas sem mudar as bases de seu ganho. Criaram, com isto, uma
crise maior do que eles, vitoriosos em quatro eleições seguidas. Para
uma democracia substantiva isto é necessário, mas totalmente
insuficiente.
Projetos de transformação, desde aqui e agora, são
indispensáveis para a democracia, a justiça social e a sustentabilidade.
Dispensar isto é apostar numa “crise favorável”, por assim dizer. O
problema é que o resultado da falta de vontade de mudar, a submissão a
projetos de acumulação capitalista, podem gestar um mundo de ainda maiorexclusão social e destruição ambiental.
IHU On-Line - Que Brasil teremos nos próximos quatro anos?
Cândido Grzybowski - Certamente
não um país mudado, em transição para uma sociedade mais democrática,
participativa, justa e sustentável. O mais provável é que tenhamos anos
de crise de hegemonia, com emergência lenta de novos sujeitos coletivos, tanto movimentos sociais e organizações como sujeitos políticos com capacidade de disputa de hegemonia.
Serão anos duros, de confusão, de incertezas. Grandes retrocessos estão
no horizonte se a vigilância cidadã e democrática relaxar. Além disso,
precisamos ter presente que o mundo hoje é claramente interdependente,
que não existem soluções totalmente autônomas. O que vejo, num cenário
de crise, é que faltam os sujeitos coletivos de transformação,
os movimentos cidadãos de dimensões planetárias, que de suas
trincheiras levantem bandeiras de transformação de nosso modo de vida
social e ambientalmente insustentável.
Apostar nas resistências e emergências, do local ao mundial, e potencializar a sua incidência no sentido de disputa de hegemonia é
a opção estratégica mais ao alcance da mão que vejo neste momento. Nada
a esperar de governos, do nosso ou do multilateralismo em crise. Ou
nós, cidadãs e cidadãos, reagimos e nos organizamos, exercendo nosso
poder instituinte e constituinte, ou o mundo será muito pior e as
condições de vida no planeta, ameaçadas definitivamente.
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