Internacional
Entrevista
"Terror do Boko Haram atingiu novo patamar"
O etnólogo Roman Loimeier diz que meta do grupo é
espalhar terror entre os civis muçulmanos. O grupo, que surgiu na
Nigéria, recentemente atacou Camarões
por Deutsche WelleVila atacada pelo Boko Haram em abril de 2013
As
ações terroristas do grupo radical islâmico Boko Haram começam a cruzar
a fronteira com os Camarões. Em entrevista à DW, o pesquisador Roman
Loimeier, da Universidade de Göttingen, comparou a atividade do grupo
nigeriano com o conflito mantido pelo "Estado Islâmico" na Síria e no
Iraque. Loimeier analisa as mudanças de fase do Boko Haram nos últimos
12 anos e os motivos das suas investidas cada vez mais violentas contra
civis.
Deutsche Welle: O Boko Haram vem espalhando o
terror na Nigéria há anos, e as ações têm se tornado cada vez mais
violentas. Por que não há um esforço internacional para reprimir a
milícia?
Roman Loimeier: Esta é uma questão
problemática. As potências internacionais já se deram conta de que o
exército nigeriano tem um histórico de vender suas armas para o Boko
Haram. É uma piada, é cínico. E os
norte-americanos estão
particularmente aborrecidos com o fato de seu apoio militar ter grandes
chances de ser vendido para o Boko Haram. Isso tem levado a um certo
desencanto com a Nigéria, mas, ao mesmo tempo, os norte-americanos, a
França e Israel têm os seus agentes secretos na região e acompanham de
perto o que está acontecendo.
DW: O último final de semana foi novamente
bastante sangrento para a região nordeste da Nigéria, com pelo menos 23
pessoas mortas em ataques suicidas. Você acha que haverá uma escalada do
conflito
RL: Quando olhamos para o desenvolvimento histórico
do terrorismo do Boko Haram, nós podemos diferenciar três estágios: de
2003 a 2009, no começo da jihad contra as autoridades do norte da
Nigéiria, a maioria dos ataques eram direcionados a unidades policiais,
bloqueios de estradas, instalações militares, instituições
governamentais e prisões. Após 2009, o Boko Haram tentou conquistar
territórios, suas operações tinham um caráter bem militar. Aí tivemos
uma espécie de guerra. Neste período, [o grupo armado] também
aterrorizou minorias étnicas e religiosas na conquista de territórios.
Nós agora entramos em um terceiro estágio do terrorismo do Boko Haram:
eles ficaram sob pressão e, de 2013 para cá, começaram a agir contra a
população civil muçulmana. Estão fazendo isso para amedrontá-la e
forçá-la a não colaborar com as autoridades. Este terror contra os civis
vai continuar.
DW: Relatos de ataques do Boko Haram nos
Camarões ficaram mais frequentes recentemente. O grupo militante está se
espalhando para fora da Nigéria?
RL: Sim. Já está se espalhando há algum tempo, na
verdade. É claro que existem camaroneses muçulmanos que ingressaram no
Boko Haram nos últimos anos. Mesmo assim, é apenas uma pequena minoria
que está com o Boko Haram. O segundo fator é que o Boko Haram tem visto o
norte dos Camarões em particular e também o Níger como áreas de recuo
quando estão sob a pressão do exército nigeriano.
DW: Na semana passada, o líder do Boko Haram,
Abubakar Shekau, ameaçou os Camarões em uma mensagem de vídeo, afirmando
que Camarões teria o mesmo destino da Nigéria.
RL: Abubakar Shekau tem um legado de ameaçar a
todos. É claro que a milícia tenta expandir suas operações nos Camarões e
desencadeia um processo similar ao da Nigéria por lá. Mas, até agora,
eu não acho que eles tenham tido sucesso com isso. Deve ser porque o
exército camaronês é muito mais bem equipado e treinado do que o
exército nigeriano, além de ser menos corrupto. Os muçulmanos do norte
dos Camarões também estão muito mais integrados com redes de
esclarecimento e movimentos religiosos. Eles [o Boko Haram] têm
procurado radicalizar os muçulmanos do norte dos Camarões.
DW: Então você não vê o risco de o Boko Haram
instalar um império regional na Nigéria, Camarões, Níger e Chade como o
"Estado Islâmico" faz na Síria e no Iraque?
RL: Não, eu não vejo isto. Em ambos os lados da
fronteira existe também um considerável número de pessoas que não são
muçulmanas nem cristãs, mas adeptas de religiões africanas, religiões
locais. E estas pessoas são bastante relevantes na resistência ao Boko
Haram.
DW: Apesar destes grupos locais e de o exército
camaronês combater o Boko Haram, a seita terrorista continua atacando
cada vez mais. Na semana passada, o presidente dos Camarões, Paul Biya,
pediu ajuda militar à comunidade internacional. Os Camarões são tão
fracos para repelir estes ataques?
RL: Em termos de efetivo, é claro que o exército
camaronês é menor que o da Nigéria. É por isso que Paul Biya pede ajuda.
Mas, na minha experiência, vejo que líderes africanos, especialmente na
região do Sahel, têm pedido ajuda externa diante das mais diferentes
situações. Paul Biya deve usar o fato de o Boko Haram ameaçar os
Camarões para ter a atenção do Ocidente e para receber equipamento mais
moderno. Ele quer ser reconhecido como um parceiro na luta contra o
terror.
- Autoria Peter Hille (md)
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