Pastoral Carcerária manifesta repúdio às decisões de Barbosa e à Justiça seletiva
José Cruz/ABr
Da Rede Brasil Atual
A
Pastoral Carcerária manifestou, por meio de nota divulgada na última
quinta-feira (15), o repúdio às recentes decisões do presidente do
Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa, que negou
autorização de saída para trabalho ao ex-ministro José Dirceu e revogou a
do ex-tesoureiro do PT, Delúbio Soares. A pastoral considerou a
interpretação de Barbosa sobre o artigo 37 da Lei de Execução Penal
“descontextualizada e equivocada”, além de “constitucionalmente
duvidosa”.
No entanto, as decisões não surpreendem a entidade. A
pastoral avalia que, há tempos, “não há decisão isenta ou puramente
técnica em nenhuma instância” do judiciário brasileiro. A Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB) também já se posicionou criticamente às
decisões de Barbosa.
O documento ressalta que, quando os julgados
são provenientes de famílias carentes, são comuns “condenações sem
provas, decisões judiciais que rasgam a letra da lei e interpretações
jurídicas absurdas por parte dos julgadores”, questionados por juristas e
entidades no caso da Ação Penal 470 (AP 470), o chamado mensalão.
Assim, a inclusão de uma “nova classe de pessoas” a essa situação
somente expõe o caráter essencialmente político e
claramente seletivo da
Justiça brasileira.
“Repudiamos o conteúdo das referidas
decisões do presidente do STF, assim como repudiamos tantas outras
decisões absurdas que diariamente são produzidas em nossos fóruns”,
destaca a pastoral.
No entanto, para a entidade, tal situação não
pode vir a causar um retrocesso na Justiça, já que a pastoral avalia
que “a barbárie e o desmando” são a tônica cotidiana do nosso
judiciário. A entidade completa, lembrando que o não atendimento
adequado em saúde, educação e mesmo a aplicação incorreta do regime de
condenação estão presentes em todos os presídios brasileiros.
Segundo
a pastoral, a alternativa seria a aprovação da Súmula Vinculante nº 57,
que se arrasta desde 2011 sem ser apreciada pelo mesmo STF. A proposta
garante direito ao regime aberto ou prisão domiciliar para todos os
presos que, ilegalmente, são impedidos de usufruir o benefício do regime
semiaberto por falta de vagas.
A nota também critica a cobrança,
de alguns setores, para que as famílias dos presos no processo da AP
470 tenham de passar por revista íntima antes de adentrar os presídios
para visitas, que a pastoral considera “degradante” e “ilegal”. “A
Pastoral Carcerária continuará defendendo que nenhuma pessoa passe por
revistas vexatórias, independentemente de sua cor, origem ou classe
social”.
A entidade conclui que, seja para os presos comuns ou
para os condenados no mensalão, a privação de liberdade nada mais é do
que “uma ferramenta de exclusão, estigmatização e alienação social por
excelência” e que “o encarceramento em massa, longe de suprimir o crime,
é causa de aumento da violência”.
Leia a íntegra da nota:
NOTA DA PASTORAL CARCERÁRIA SOBRE O “MENSALÃO”:
ESTAMOS ONDE SEMPRE ESTIVEMOS
Após
as recentes decisões do presidente do STF, ministro Joaquim Barbosa, no
caso conhecido como “mensalão” (Ação Penal 470), amplamente divulgadas
pela mídia e repercutidas entre juristas e organizações de classe,
vários foram os questionamentos dirigidos à Pastoral Carcerária, que há
décadas atua nos cárceres brasileiros ao lado dos presos e seus
familiares, razão pela qual entendemos oportuno expor nosso
posicionamento para nossos agentes e demais interessados.
Primeiramente,
não é novidade na literatura jurídica ou na jurisprudência o
posicionamento do ministro Joaquim Barbosa, que, entre outras questões,
entendeu necessário o cumprimento de 1/6 da pena no Regime Semiaberto
para que fosse autorizado o trabalho externo aos condenados no processo
em questão, sendo que, em nossa opinião, essa é uma interpretação
descontextualizada e equivocada do art. 37 da Lei de Execução Penal, que
não condiz com os objetivos legalmente declarados da pena e é, no
mínimo, constitucionalmente duvidosa.
Porém, se essa e outras
decisões do presidente do STF no “caso mensalão” têm causado espanto
para determinados setores da sociedade, certamente não surpreende às
centenas de milhares de presos, seus familiares ou os egressos do
sistema penitenciário, que desgraçadamente já se habituaram com
condenações sem provas, decisões judiciais que rasgam a letra da lei e
interpretações jurídicas absurdas por parte dos julgadores que, sem a
sofisticação e empenho intelectual que vimos nesta Ação Penal, sequer
mascaram sua pesada carga ideológica.
Na Pastoral Carcerária, ao
observarmos esse moinho de gastar gente que é a Justiça Criminal,
percebemos há tempos que não há decisão isenta ou puramente técnica em
nenhuma instância. Os juízes decidem politicamente e buscam justificar
com o Direito as suas próprias convicções, geralmente tendo como alvo
preferencial nossos jovens pretos e pobres. Aliás, o fato de numa
conjuntura muito específica uma “nova classe” de pessoas ter sido vítima
da truculência e aparente incoerência desse sistema, apenas reforça seu
caráter essencialmente político e claramente seletivo.
Assim,
obviamente, repudiamos o conteúdo das referidas decisões do presidente
do STF, assim como repudiamos tantas outras decisões absurdas que
diariamente são produzidas em nossos fóruns. Porém, nos recusamos
terminantemente a fazer coro com vozes que agora se levantam para falar
dos possíveis reflexos do “mensalão” para o restante da população
carcerária, como se a barbárie e o desmando já não fossem a tônica da
Justiça Criminal.
No nosso entender, enfrentamentos
individualizados apenas trarão respostas individualizadas e elitistas,
deixando à margem, como de costume, os presos e as presas que padecem em
nossas masmorras.
Não é possível denunciar publicamente que
determinado indivíduo está cumprindo pena em regime diverso daquele em
que foi condenado sem levar em conta os outros milhares que sofrem com a
mesma violação, ou desconsiderar a luta pela aprovação da Súmula
Vinculante nº 57, que se arrasta desde 2011 no STF e, se aprovada,
poderia garantir o direito ao regime aberto ou prisão albergue
domiciliar para todos que ilegalmente não conseguem usufruir o benefício
do semiaberto em função da falta de vagas.
Não é possível atacar
publicamente a ausência de tratamento médico especializado para
determinado indivíduo preso e, ao mesmo tempo, ignorar que as pessoas no
sistema penitenciário são privadas dos cuidados de saúde e higiene mais
básicos, ainda convivendo com surtos de sarna e mortes por tuberculose
em pleno século XXI.
Não é possível enfrentar as restrições ao
trabalho externo para um determinado grupo de presos sem cerrar fileiras
com a massa de encarcerados, que sequer conseguirão um emprego ao
cumprirem suas penas, em boa parte graças à ausência de políticas
públicas de inserção no mercado de trabalho e à estigmatização social
que persegue o egresso como uma verdadeira marca de Caim.
Nesse
mesmo sentido, nos posicionamos sobre a suposta dispensa da revista
vexatória para os familiares dos condenados na Ação Penal 470. Essa é
uma prática ilegal de revista, que expressa repudiável violência sexual,
e é um dos inúmeros aspectos cruéis do cárcere, especialmente por ser
uma espécie de “pena” que se estende dos presos para seus familiares, e
que não poucas vezes provoca o rompimento total do convívio destes, já
que muitos se recusam a passar por situação tão degradante, inclusive a
pedido dos próprios presos, e acabam por deixar de visitá-los.
Assim,
obviamente, não defendemos que os referidos familiares se sujeitem ao
mesmo procedimento degradante que os demais. Seja qual for o motivo da
suposta dispensa, a Pastoral Carcerária continuará defendendo que
nenhuma pessoa passe por revistas vexatórias, independentemente de sua
cor, origem ou classe social.
Sobre o tema, a Pastoral Carcerária
já fez diversas denúncias e tem empreendido uma luta permanente pela
abolição desse perverso procedimento de tortura, sendo que recentemente
tem apoiado, fortemente, a aprovação do Projeto de Lei nº 480/2013, bem
como auxiliado na construção de campanhas com o mesmo fim.
Na
luta contra o cárcere, seletivo e cruel em sua raiz, não podemos
praticar uma “solidariedade” igualmente seletiva e, portanto, igualmente
cruel, como se a injustiça doesse mais em uns do que em outros.
Precisamos,
sobretudo, abandonar a ilusão da prisão como instrumento de
“ressocialização” e entende-la como ela é: uma ferramenta de exclusão,
estigmatização e alienação social por excelência.
Portanto,
privar a pessoa presa de trabalho, educação, tratamento médico e
convívio familiar apenas reforça essa característica “dessocializante”
do cárcere. Não é por menos que o encarceramento em massa, longe de
suprimir o crime, é causa de aumento da violência, sendo que os altos
índices de reincidência atestam a falência dos seus objetivos declarados
e demonstram que, quanto mais se encarcera, mais se mantem a pessoa na
marginalidade social.
Por fim, reafirmamos que a Pastoral
Carcerária está onde sempre esteve, ao lado de todos os presos e presas,
inclusive dos condenados na Ação Penal 470, e especialmente junto
daqueles mais fragilizados e violentados em seus direitos, lembrando
sempre que a prisão não é lugar de gente, é local de dor e morte, e
fonte de sofrimento físico e espiritual.
Brasil, 15 de maio de 2014.
Fonte: http://www.brasildefato.com.br/node/28559
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