Americano 'para' de comer alimentos naturais e gera debate sobre futuro da nutrição
O inventor Rob Rhinehart diz que seu produto é fonte ideal de nutrientes e que alimentos naturais estão obsoletos.
Carolina Salles
Inventor diz que suplemento é fonte ideal de nutrientes; nutricionistas discordam (Foto: Soylent/BBC)
Um
americano que alega se alimentar quase exclusivamente de um produto
sintético que ele mesmo criou e que diz que os alimentos tradicionais
são obsoletos gerou um debate nos Estados Unidos, enfrentando a ira das
pessoas defensoras da alimentação natural e orgânica
Ele alega que seu produto, batizado de Soylent, não apenas substitui os alimentos como é superior a eles.
Trata-se
de um pó que, ao ser misturado com água, resulta num líquido bege e
levemente adocicado. A quantidade recomendada para um mês (3,5 kg) é
vendida a US$ 230 (cerca de R$ 100).
"Ele contém todos os
nutrientes necessários para substituir alimentos de forma eficiente e se
tornar uma fonte alimentar padrão para toda a humanidade que pode
ser produzida sem precisar de agricultura", diz Rhinehart à BBC Brasil.
ser produzida sem precisar de agricultura", diz Rhinehart à BBC Brasil.
"O
alimento natural nem sempre é melhor. Com o tempo, invenções do homem
são sempre superiores aos seus correspondentes encontrados na natureza. O
Soylent gera menos impacto ambiental que alimentos orgânicos, que
exigem grandes quantidades de terra, água e pesticidas, além de muita
mão de obra. Assim que conseguirmos provar que ele é mais ecologicamente
eficiente e sustentável, aqueles interessados em preservar o planeta
ficarão muito felizes com o produto."
Mesmo sendo alvo de fortes
críticas, Rhinehart acha ser apenas uma questão de tempo e da divulgação
de informações para que seu produto seja não apenas mais aceito entre
consumidores éticos como também promovido por eles.
Alimento futurista
Engenheiro
de software formado pelo Instituto de Tecnologia da Geórgia, o inventor
diz que sonhava desde criança em encontrar algo que eliminasse a
necessidade de preparar e consumir alimentos tradicionais.
Ele
conta que ficava vendo sua mãe trabalhar duro na cozinha para alimentar a
família de sete pessoas - além dela e de Rhinehart, o pai e mais quatro
irmãos - e que isso o motivou a refletir sobre uma alternativa.
"Sempre gostei de comer e nunca fui seletivo com o que comia, mas lembro da trabalheira que minha mãe tinha."
Outro
motivo que levou o engenheiro a desenvolver o produto é sua crença de
que comidas convencionais, além de não serem práticas (por consumirem
muito tempo de preparo), são primitivas.
Para Rhinehart, precisar
de alimentos que vêm da natureza para sobreviver deveria ser algo
ultrapassado. "Podemos fazer melhor que isso", afirma.
Mente de engenheiro
Em
janeiro de 2013, Rhinehart colocou sua mente de engenheiro para
trabalhar a fim de encontrar uma fórmula que oferecesse o alimento mais
otimizado possível para o corpo humano.
Rob Rhinehart diz que 90% de sua dieta é composta pelo suplemento (Foto: Soylent/BBC)
Com
a colaboração de Xavier Pi-Sunyer, diretor do departamento de nutrição
humana da Universidade Columbia, ele desenvolveu seu produto, que tem um
nome inspirado no filme de ficção científica "No Mundo de 2020", de
1973 (chamado "Soylent Green" no título original em inglês), em que a
alimentação é fornecida pelas indústrias Soylent devido a escassez de
recursos naturais.
Há mais de um ano, 90% da dieta de Rhinehart é exclusivamente composta por Soylent.
O
engenheiro garante que nunca se sentiu tão saudável e produtivo e,
embora às vezes coma por prazer alimentos como sushi ou churrasco,
garante não haver motivos para complementar uma dieta composta
exclusivamente pelo substituto alimentar.
Até agora, o nicho do
produto é formado pelo público jovem masculino ligado em tecnologia e
que não quer perder mais do que poucos minutos por dia para se
alimentar. O slogan do produto é Free Your Body (Liberte seu corpo, numa tradução livre).
Inovador?
Apesar
do entusiasmo de Rhinehart com sua invenção, a Sociedade Americana para
Nutrição (ASN) não acredita que Soylent seja, de fato, a resposta para
uma alimentação completa nem algo inovador.
"O Soylent não é
diferente de produtos comerciais semelhantes que oferecem uma nutrição
completa de forma líquida", disse Roger Clemens, porta-voz da ASN e
professor adjunto de Farmacologia e Ciências Farmacêuticas da
Universidade do Sul da Califórnia (USC), à BBC Brasil.
"Mas esses
produtos têm vantagens sobre o Soylent. Além de contarem com evidência
clínica de segurança e eficácia, já foram aceitos pela comunidade
médica, por órgãos regulamentadores e pelo público em geral."
Por
outro lado, a ASN concorda com o argumento de Rhinehart de que produtos
naturais não necessariamente são melhores ou mais seguros.
A
associação lembra que enlatados, assim como muitas outras tecnologias
modernas, oferecem alimentos seguros e acessíveis que são tão nutritivos
quanto aqueles recém colhidos da horta.
Antipatia
O
Soylent desperta antipatia da parcela crescente da população americana
que promove e compra produtos orgânicos em nome de uma uma alimentação
natural e livre de ingredientes artificiais.
Cerca de 81% das
famílias americanas dizem comprar alimentos orgânicos ao menos algumas
vezes, de acordo com um relatório de 2012 da Associação de Comércio
Orgânico (OTA, na sigla em inglês).
Esse mercado deve crescer 14% por ano até 2018, segundo a consultoria Research & Markets.
O
médico Russell Saunders, colunista de saúde dos sites de notícia Daily
Beast e Ordinary Times, diz que não recomendaria Soylent para seus
pacientes nem trocaria um bom pedaço de bacon por um copo da bebida.
Saunders
diz que, assim como muitos cientistas, teme que Rhinehart esteja
inventando seus dados conforme desenvolve o produto e que o inventor não
saiba "que está fazendo".
As críticas mais ferozes vêm dos defensores de alimentos orgânicos e naturais.
Diz
o site PricePlow, especializado em suplementos alimentares: "Em 30
anos, vamos estar morrendo de rir desse produto, ainda mais do que rimos
hoje. Esses idiotas [do Soylent] vão prejudicar a saúde deles e a dos
outros. Se você acha muito difícil fazer comida, é porque está fazendo
errado".
Dedicado a promover "um estilo de vida mais humano", o site Rapture declarou que o Soylent é a "bebida mais odiada na internet".
É
comum que Rhinehart receba mensagens de pessoas declarando seu ódio ao
produto. "Dizem esperar que o Soylent me cause câncer", diz o inventor.
Nutrição ideal?
Rhinehart garante que o produto é mais barato que alimentos tradicionais, além de ser uma fonte de nutrição ideal.
Um
dos seus objetivos é que o Soylent seja consumido em países em
desenvolvimento, beneficiando populações menos privilegiadas. Mas a
comunidade de nutricionistas não assina embaixo dessas afirmações e
promessas.
"Ainda não há uma definição de nutrição ideal. Os
novos estudos têm mostrado que isso varia bastante entre cada indivíduo.
A idade e a fase da vida em que a pessoa se encontram impactam bastante
as necessidades nutricionais", diz Clemens, da ASN.
Outra
desvantagem do produto, segundo o especialista, é que ele elimina a
mastigação, um aspecto importante da satisfação alimentar e da
disponibilidade de nutrientes já que a capacidade de mastigar alimentos
está associada a uma melhor qualidade de vida e saúde.
Ainda de
acordo com Clemens, a distribuição de produtos como Soylent em países em
desenvolvimento enfrenta desafios logísticos, como acesso a água
potável, além de obstáculos relacionados à regulamentação, cultura e
tradição locais.
Fonte: BBC e http://g1.globo.com/cienciaesaude/noticia/2014/05/americano-para-de-comer-alimentos-naturaiseger...
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