Um novo Marco para a Internet
Por Bruno Pavan
de São Paulo
Tramitando
desde 2009 na Câmara dos Deputados, a votação do projeto do Marco Civil
da Internet foi adiada novamente na semana passada. Encarada como
prioridade pelo governo federal, o projeto continuará trancando a pauta
da Casa até depois do carnaval.
O Marco, uma espécie de
“legislação da internet”, reúne pontos centrais como a garantia de
liberdade de expressão, proteção de dados do usuário e a neutralidade da
rede, e define algumas regras que terão que ser respeitadas por
usuários e, principalmente, empresas de telefonia.
Muito elogiado
por inúmeros especialistas nacionais e internacionais, o Marco é
considerado um passo a frente que dará direitos aos mais de 100 milhões
de usuários da rede mundial de computadores no Brasil.
“Ele
garante que a internet siga livre e aberta para todos e impede que
grandes corporações mudem o papel da internet no Brasil. Ele não é um
projeto fechado, foi construído juntamente com setores da sociedade
civil para que a web continue gerando novos conteúdos e se
reinventando”, explicou o Conselheiro do Comitê Gestor da Internet no
Brasil (CGI.br) Sergio Amadeu.
O governo federal colocou urgência
no projeto após as denúncias de Edward Snowden de que a Agência
Americana de Segurança (NSA) espionava países pelo mundo. O problema foi
levantado pela presidenta Dilma Rousseff na abertura de 68ª Conferência
Mundial da ONU que defendeu o estabelecimento de um Marco multilateral
para a governança e uso da internet entre os países.
Outros
projetos de lei já buscavam colocar regras na internet. A “lei Carolina
Dieckman” que transformou em crime a invasão de
computadores e outros
dispositivos eletrônicos é um dos mais famosos.
O mais antigo e
polêmico é o projeto de lei nº 84 de 1999 do então senador Eduardo
Azeredo (PSDB – MG). Ele obrigava os provedores a guardar dados de
internautas e tornava crime o compartilhamento de arquivos pela
internet. “O marco vai na contramão do que a Lei Azeredo pregava”, disse
Amadeu.
A luta na Câmara
Há pelo menos
15 dias, a votação do projeto, que tranca a pauta da Câmara, está sendo
adiada. Os maiores responsáveis pelo impasse são os parlamentares do
PMDB, entre eles, o líder do partido na Casa, Eduardo Cunha (RN) e o lobby das empresas de telecomunicações.
“Essa
indústria movimenta bilhões de reais e age diretamente no financiamento
de várias campanhas. A Dilma pede urgência no pedido de votação, mas o
principal articulador dela com o PMDB é o Eduardo Cunha, o maior crítico
do projeto. Outro grande opositor é o próprio ministro Paulo Bernardo
que recebeu prêmios das empresas como o maior ministro das Comunicações
que o Brasil já teve”, analisou Amadeu.
Com um faturamento total
de R$ 26 bilhões em 2013, as operadoras de telefonia e internet também
figuram entre as campeãs em reclamações no estado de São Paulo de acordo
com o Procon. Elas são contra a artigo 9º do projeto que reza que as
operadoras de serviço “têm o dever de tratar de forma isonômica
quaisquer pacotes de dados sem distinção por conteúdo, origem, destino,
serviço terminal ou aplicativo.”
Pedro Ekman, coordenador do
Intervozes, explica melhor o que muda no acesso do usuário com a
aprovação do Marco Civil. “São as operadoras, que detêm os cabos de
fibra ótica, que nos ligam à internet, e elas não vão poder manipular
esse sinal. O acesso gratuito ao Facebook é um caso típico: eles entram num acordo financeiro para que ele não seja tarifado. Mas podem pedagiar o acesso ao Netfl ix ou ao WhattsApp, por exemplo. Com o Marco eles não vão poder administrar a velocidade de acordo com o serviço, vai ser tudo igual”, esclareceu.
A
estratégia das operadoras, de acordo com Sergio Amadeu, é vender um
discurso que aproxime seus interesses dos mais pobres, o que não é
verdade.
“O que estão querendo passar para a opinião pública é
que eles usam essa manipulação nas informações para dar desconto em
serviços. Eles conseguem um acesso grátis aqui e acolá com algumas
empresas e sites. O que eles querem mesmo é transformar a internet em uma espécie de TV à cabo”, explicou.
Liberdade de expressão
A garantia de ampla liberdade de expressão na rede é também pauta da discussão do Marco Civil. Com a sua aprovação, sites que armazenam conteúdos não serão mais responsáveis por publicações de terceiros.
Com isso, sites como o Google, Facebook e Youtube só se tornarão responsáveis por um conteúdo postado neles após a Justiça declarar que eles devem ser retirados do ar.
Blogueiros
independentes também são os maiores beneficiados com a medida, de
acordo com Amadeu, pois suas postagens permanecerão armazenadas até que
haja uma decisão judicial definitiva.
“O marco vai garantir que
blogueiros e jornalistas independentes no Brasil sofram a censura
privada, ou seja, a censura que os próprios servidores fazem para evitar
problemas na justiça. O conteúdo só sai do ar se houver uma decisão
judicial”, disse.
Porém, o relator do projeto, o deputado
Alessandro Molon (PT-RJ) incorporou um artigo que permite que se retire
conteúdo de nudez da rede sem que haja nenhuma decisão judicial. Isso,
para Amadeu, abre um precedente perigoso.
“Sei que o artigo foi
pensado nas melhores intenções, que é a de defender a privacidade de
alguém que é exposto na rede sem que haja consenso. Por outro lado,
fundamentalistas poderão denunciar fotos da Marcha das Vadias, por
exemplo, que é um evento que luta contra o patriarcado, até elas saírem
do ar. O evento pode ser alvo de ações orquestradas de setores da
sociedade. O Facebook já retira todo e qualquer conteúdo de nudez sem o menor discernimento”, denuncia.
Segurança e Privacidade
O
debate de segurança na internet vem ganhando importância, desde que
Edward Snowden tornou público que a NSA viola a privacidade de milhões
de pessoas e países pelo mundo.
Um ponto nebuloso no texto atual é sobre a questão dos datacenters. No projeto original, operadoras e sites seriam obrigados a armazenarem dados de internautas brasileiros em servidores no Brasil.
Isso,
para Pedro Ekman, é ineficaz e não leva em conta o fato da internet ser
uma rede global. “Isso não faz muito sentido e criticamos logo de cara.
O que você escreve hoje no Twitter ou no Facebook pode ser compartilhado por usuários do mundo todo. É uma ilusão achar que essas informações ficarão só no Brasil”, criticou.
O marco também agirá na proteção dos logs de usuários da internet, que são registros das informações dos sites visitados. Existem dois tipos, os de conexão, que apenas registram a conexão do usuário; e os de aplicações, que registram os sites visitados, palavras pesquisadas entre outras informações.
São os logs de aplicações, por exemplo, que faz com que sites como o Google e o Facebook lhe
enviem sugestões de compra ou de páginas de acordo com a sua
preferência. O Marco Civil proíbe que as operadoras de acesso armazenem
esse tipo de informação.
“Uma coisa que o Marco não conseguiu limitar foi o uso das informações do usuário por sites como o Facebook e o Google,
por exemplo, que baseia as informações que te manda pelas suas
pesquisas, pelas fotos e páginas que você curte. Mas o Marco proíbe os
provedores de armazenar esses dados”, explicou Ekman.
Sobre o
armazenamento dos logs de conexão, o artigo 16 aponta que as operadoras
são obrigadas fazê-lo por seis meses podendo ser estendido para um ano
somente por meio de uma ação judicial. Ekman acredita que essa medida
vai contra o princípio do Marco, que era o de defender a privacidade e
os dados dos usuários.
“É uma espécie de grampo obrigatório. O
relator atendeu aos interesses da polícia para colocar esse artigo no
Marco que usa como argumento o combate ao crime para transformar uma
lógica que já existe em obrigatória. Trata todos como culpados até que
se prove o contrário. Se a ideia do governo é que o marco responde ao
episódio da espionagem estadunidense, esse artigo é um tiro no pé”,
comentou.
Futuro
No dia 19 de fevereiro,
mais uma tentativa de votação foi barrada pela bancada do PMDB. A
acusação do líder Eduardo Cunha era a de que o governo se reuniu com as
operadoras para alterar alguns pontos no texto sem discutir com os
líderes na Câmara. Lideranças do PSDB e do DEM se uniram ao PMDB para
impedir a votação.
O relator do texto, Alessandro Molon, refutou
as acusações e declarou que o argumento de Cunha foi para atrapalhar
novamente a votação do Marco. “O que houve no texto foi uma modificação
apontando que as operadoras continuarão podendo negociar faixas de
velocidade a preços diferentes. Isso não é nenhuma novidade”, declarou.
Ao
contrário do que se veicula na mídia, Molon disse que a intenção do
governo não é a de ceder na questão da neutralidade da rede. “Não há a
menor possibilidade de recuo nessa questão. Dentro da velocidade
contratada, o usuário terá liberdade total de fazer o que ele quiser e
de acessar o serviço que for”, explicou.
O deputado acredita que a
próxima tentativa acontecerá somente depois do carnaval, e que a
matéria terá que ser votada custe o que custar. “Construímos um diálogo
com vários setores da sociedade e com os partidos de oposição. Acredito
que agora a matéria tem que ir pra votação de qualquer jeito. Quem for
contra vai votar contra e quem for a favor vai votar a favor”, afirmou.
Fonte: Brasil de Fatos
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