Infância latino-americana pede socorro
Reprodução
15/01/2014
Roberta Traspadini
O
ano de 2013 foi mais um ano comemorativo para o capital transnacional
atuante na América Latina, em contrapartida ao cenário de acirramento da
precarização e intensificação da superexploração da força de trabalho
na região.
Com um crescimento econômico de 2,6% em 2013, uma taxa
de desemprego de 6,9% e um investimento direto estrangeiro da ordem de
173 bilhões de dólares, dados da CEPAL – Comissão Econômica para a
América Latina e o Caribe, a América Latina amarga trágicos efeitos em
sua histórica dependência enquanto processo inerente ao desenvolvimento
desigual capitalista.
Os 20% mais pobres se apropriam somente de
5% da riqueza produzida, enquanto os 20% mais ricos ficam com 47% de
toda a riqueza produzida no continente. Lembrando que parte substantiva
dessa riqueza é transferida para as economias centrais como remessa
líquida de lucro, transferência de valor, através das operações das
empresas transnacionais.
A América Latina possui uma população
aproximada de 610 milhões de pessoas, segundo a CEPAL. Na distribuição
por grupos de idade: 27,9% (0-14 anos); 34,1% (15-34 anos); 19,2% (35-
49 anos): 11,9% (50-64 anos) e 6,9% (mais de 65 anos).
Destas,
164 milhões se encontram em situação de pobreza e 68 milhões em pobreza
extrema. Entendida a pobreza como um processo histórico-social,
resultado do modelo de desenvolvimento capitalista consolidado no
continente nos últimos seis séculos, cujo pressuposto é o pagamento de
salários abaixo da condição de sobrevivência cotidiana.
E quanto às crianças?
São
quase 180 milhões de pessoas na faixa etária de até 14 anos. Cerca de
70 milhões delas vivem na pobreza e quase 30 milhões na pobreza intensa.
Esta é a concreta realidade do mundo do trabalho na próxima década.
Expropriados, oprimidos e miseráveis de hoje, para uma futura utilização
ainda mais intensa na superexploração da força de trabalho.
A
condição de pobreza e miséria é proporcional, no mundo do trabalho, à
intensificação da superexploração. E esta é uma das facetas mais
perversas do capitalismo, em particular na atual fase histórica de suas
crises estruturais.
Pode haver escolha entre
miséria, fome e um
salário de sobrevivência indigno? Essa seleção entre um cenário ruim
versus um menos pior tira a centralidade da necessidade de consolidação
de um outro cenário diferente para a classe trabalhadora.
Existem
no mundo, segundo a OIT – Organização Internacional do Trabalho –, 168
milhões de crianças trabalhando. Destas, 120 milhões trabalham em tempo
integral e quase 70 milhões estão expostas a trabalhos considerados
perigosos. Estima-se que na América Latina aproximadamente 20 milhões de
crianças estejam nesta situação.
Além disto, 132 milhões de
crianças nascem no mundo, inseridas no universo da desigualdade social e
53 milhões sequer são registradas.
É central entender que
enquanto lutamos para que nosso cotidiano seja o da garantia de direitos
numa sociedade que não os têm na prática como pilares, uma vez que é
estruturalmente desigual, o capital investe na condição de
intensificação da miséria na infância.
Enquanto nós lutamos
contra a superexploração da força de trabalho que parte expressiva do
nosso povo vive, o capital intensifica sua condição de morte da infância
para ganhos abusivos no futuro.
Ainda sobre a realidade da
infância na América Latina, 72,6% das crianças em situação de pobreza e
miséria vivem um tipo de privação no universo dos direitos, ou seja, não
têm acesso à escola, à saúde ou aos demais direitos sociais. Privação
que pode virar, no mínimo, uma assistência social com baixos gastos
públicos pelos governos da ordem burguesa e, no máximo, a intensificação
da superexploração no mercado de trabalho no presente- futuro.
A
estrada do capital é a estrada do sangue do trabalho latino-americano.
Esta estrada, se tem uma moral, é a do lucro sobre a vida. A ordem
neoliberal trouxe para a América Latina a histórica recondução da
dependência, entendida como vínculos de subordinação entre nossas
economias e as economias centrais, seja no âmbito externo do mercado
internacional, seja na situação interna das economias do continente.
É
nessa dinâmica geral que deve ser entendido mais do que o trabalho
infantil, o sentido da vida na ordem imperante do capital. Diferenças de
cor, de sexo e de idade são todas demarcadas no cenário dos planos
superiores de maiores lucros, em detrimento à inferiorização na condição
de vida e do ser dos trabalhadores latinos.
As explorações da
infância não são um problema moral na era do capital. São inerentes ao
cenário da condição desumana gerado pelo mesmo sistema. Meninas e
meninos condicionados à ordem da morte sobre a vida são sujeitados à
situação mais severa da condição histórica da humanidade: escravos do
capital, servos do trabalho, mercadorias a serviço do dinheiro. E isto é
uma imposição. Uma forma de ser condicionadora de outros universos
possíveis.
A infância e o capital
Portanto,
há que se responder a outras perguntas: o que é a infância? Qual o
sentido de se ser criança? Quem educa, quem cria, quem auxilia a criança
nos seus processos de desenvolvimento na bárbara era do capital?
Para
o capital, a infância foi, é e será o tempo histórico para o
adestramento para o trabalho. Espaço de educação para a concorrência,
para o sucesso monetário, para o êxito individual, e, sobretudo, para a
conformação ideológica incontestável deste processo como único e
inquestionável.
Algumas crianças sendo educadas para serem
trabalhadoras superexploradas no futuro, outras vivendo a
superexploração na infância como processo natural e um grupo seleto de
crianças bem aventuradas vivendo a orgia de serem dominantes na era do
capital.
A infância, enquanto estágio ou manutenção do processo
de desenvolvimento capitalista é a fase da produção material e
ideológica da suposta oportunidade burguesa. Portanto, não é infância. É
venda de uma ideia de inclusão na infância.
Assim, a partir do
que vivem as crianças e adolescentes na atualidade de nossa América
Latina, entendemos que a dependência e o desenvolvimento seguem como a
principal tônica do debate sobre os projetos que temos em detrimento ao
que precisamos construir.
É possível sonhar com algo que se
deseja para o futuro, contemplando a realidade. Mas é imprescindível
sonhar com os pés no chão, materializando a organização consciente da
luta de classes.
Resolver o problema da exploração e opressão dos
trabalhadores na sociedade capitalista é sinônimo de superar a
estrutura do desenvolvimento desigual inerente à mesma, tanto no âmbito
mundial quanto no continental. Um problema que exige muitas contestações
à ordem somadas à conformação de um projeto de classe que seja
antagônico ao do capital e aglutinador da esquerda latina e mundial. Um
projeto de classe capaz de conduzir suas ações contra o verdadeiro
inimigo, o capital em todas as suas facetas, em um sentido real de
produção do contra-poder à ordem dominante.
Somente um projeto de
poder popular é capaz de libertar as crianças da classe trabalhadora da
condição miserável do histórico sistema de exploração e opressão que
recai sobre ela e seus pares da classe.
Roberta Traspadini é economista, educadora popular e integrante da organização Consulta Popular.
Fonte: Brasil de Fatos
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