Mandela e a derrota do apartheid
De Roma (Itália)
Em novembro de 1976, Joe Slovo se encontrou com os primeiros militantes sul-africanos do Congresso Nacional Africano
(CNA) que estavam treinando no campo de Funda, a 30 Km de Luanda,
capital da República Popular de Angola. Um encontro que, evidentemente,
por motivos de segurança não foi veiculado, inclusive porque Slovo
estava na lista dos “comunistas que deveriam ser eliminados” – tal como
aconteceu em Maputo com sua mulher Ruth First.
Assim, no campo de treinamento
de Funda ficou fortalecida a decisão política do Estado Maior do
Umkhonto we Sizwe (braço armado do CNA) em aproveitar a recém-
libertação de Angola para começar a treinar, nos moldes de guerrilha
organizada, os militantes que fugiriam da África do Sul.
Naquela
reunião, Joe Slovo lembrou aos jovens aspirantes a guerrilheiros –
alguns com apenas 16 anos – que eles “estavam em Angola para trilhar o
caminho que o camarada Nelson Mandela havia iniciado logo após o
massacre de Sharperville em 1960” e que “a palavra de ordem era lutar,
lutar, e nunca parar de lutar até acabar com o regime do apartheid”.
Hoje,
somente três quinquagenários daquele batalhão de 115 aspirantes
guerrilheiros podem lembrar que cumpriram com a palavra de ordem do
Umkhontowe Sizwe (MK)[Lança da Nação, em português] e que assumiram o
compromisso político com Nelson Mandela para derrotar o apartheid e criar a
nação sul africana.
Na realidade, esse compromisso sofreu dois desdobramentos. Um de âmbito internacional e outro em nível nacional que condicionou o processo contra o apartheid, delimitando, assim, a construção da nação sul-africana tal como Mandela havia teorizado.
Sem dúvida, a sabotagem à central do Sasol, realizada por um grupo especial do MK, onde o regime do apartheid estava
testando a tecnologia para poder sobreviverão embargo petrolífero e, a
seguir,à grande batalha em Kuito Canavale, no sul de Angola, onde os
batalhões das FAPLA (Exército angolano) e as unidades do corpo
expedicionário cubano derrotaram o exército sul-africano, configuraram-
se como o grande golpe inicial que o apartheid sofreu.
Outro
golpe foram as inúmeras manifestações que aconteceram em todo o
território da África do Sul, com o objetivo de derrubar o regime, mesmo
que naquele momento não houvesse armas e munições para o fazer.
De fato, o MK e o PAC haviam organizado muito bem a rebelião em termos políticos nos subúrbios das grandes cidades,
mas não conseguiram criar os “territórios libertados”, a partir dos
quais promoveriam o cerco militar às cidades. Este era o velho projeto
político- militar que o Estado Maior do MK, formado por Nelson Mandela,
Joe Slovo e Walter Sisulu, não conseguiu materializar, porque a força
dos batalhões de contra- insurgência do exército sul-africano, as
unidades de rastreamento do serviço secreto e os grupos especiais da polícia territorial conseguiram criar uma cortina ao redor das fronteiras nacionais e regionais.
Poucos,
muitos poucos conseguiram furar essas linhas de defesa que, porém, se
tornaram obsoletas quando a rebelião popular explodiu em todos os
perímetros urbanos de uma forma incontrolável, apesar dos mortos, dos
feridos e das prisões.
Lutas e as negociações
O
presidente sul-africano Frederik Willen de Klerk, aos 11 de fevereiro
de1990, determinou a libertação de todos os presos políticos começando a
negociar o futuro do país com Nelson Mandela.
Uma negociação
que se iniciou porque a evolução da conjuntura sul-africana e a
determinação política dos 9 países da África Austral (Angola,
Moçambique, Zimbábue, Tanzânia, Zâmbia, Botsuana, Lesotho, Suazilândia e
Malaui) obrigou os estrategistas do capitalismo mundial a sacrificarem o
regime do apartheid para garantir a manutenção na África do
Sul de um sistema de industrialização mineira, que é um dos mais ricos
do mundo e que, em termos econômicos, tinha a potencialidade de
controlar as economias de todos os países da África Subsaariana.
Uma
constatação que Nelson Mandela entendeu e utilizou para construir a
nova nação sul-africana, dando à população negra a oportunidade de ser
cidadão de verdade dessa nação, além de criar vários instrumentos
institucionais capazes de fazer respeitar o conceito de democracia, de
liberdade e de igualdade.
Muitos se perguntam hoje porque o CNA e seu braço armado, o MK, não atacaram o que restava do regime de apartheid.
Muitos acham que Mandela e Oliver Tambo desabrocharam quando deviam
endurecer no lugar de aceitar as condições fixadas pelo império.
O
problema é que Mandela, bem como Oliver Tambo, sabiam que no seio da
população negra havia uma pequena burguesia criada pelo próprio apartheid que queria ser e fazer apenas o que a burguesia branca fazia.
Eles
sabiam também que no CNA e, sobretudo, no seu braço armado o
MK(Umkhonto we Sizwe), não havia quadros para substituir os brancos no
exército, na polícia, nos serviços secretos, na aviação e na marinha
militar. Além disso, Nelson Mandela sabia, muito bem que em 1991, apesar
do fim da Guerra Fria, o mundo capitalista não permitiria que a África
do Sul seguisse a mesmo conturbado caminho do Zimbábue ou de Angola ou
de Moçambique, vivendo uma interminável guerra civil.
Nelson
Mandela tentou obter o melhor que pôde para o povo negro da África do
Sul. Talvez um dos erros cometidos na negociação foi de ter deixado aos
herdeiros do apartheid demasiada liberdade no controle do
poder econômico. Talvez fora concedida demasiada abertura para
influenciar as normas e as leis do novo Estado. Talvez....
Mas
será que todo o povo negro sulafricano, com suas etnias, com a eterna
divisão entre Xhosas, Sothos, Zulus, Shangans e Pondo, estava disposto a
construir uma nação sul-africana como o CNA apontou em 1965, quando
optou pela luta armada, enquanto os regentes dessas etnias continuaram a
querer sobreviver com as migalhas que o sistema do apartheid lhes oferecia?
Acredito,
como muitos também afirmam, que a situação histórica e política da
Palestina e o comportamento da ONU e de todos os países do Ocidente que
sempre estiveram a favor de Israel, foi um exemplo que Nelson Mandela
não deixou escapar.
Pois, apesar de ter recebido todos os
prêmios, as medalhas e as condecorações por parte dos antigos inimigos e
detratores, ele nunca rejeitou seu passado de comandante do Umkhonto we
Sizwe.
Fonte Brasil de Fatos
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