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quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Hassan Rouhani

Por que a eleição de Hassan Rouhani permitiu o acordo entre EUA e Irã


As condições criadas pela eleição de Rouhani para a Presidência do Irã foram decisivas para uma nova postura nas relações com os EUA

HERÓI Iranianos seguram cartazes com  a imagem de Rouhani, em Teerã, após acordo.  A população quer  o fim da crise  (Foto: Fatemeh Bahrami/Anadolu Agency/Getty Images)
  Durante sua campanha para a Presidência, o iraniano Hassan Rouhani prometeu uma “reconciliação com o mundo”. Poucos apostavam em avanços rápidos quando de sua eleição surpreendente em junho, ainda no primeiro turno. Há duas semanas, foi possível medir o tamanho do impacto que Rouhani já causou, em poucos meses no cargo. Ele se tornou um herói para milhões de iranianos que sonham com relações normalizadas com o Ocidente – e o fim das sanções que abalaram a economia do país. No domingo, dia 24, Irã, Estados Unidos, Rússia, China, Reino Unido, França e Alemanha anunciaram em Genebra, na Suíça, um acordo histórico sobre o programa nuclear iraniano. Foi o maior avanço nas relações entre Irã e Ocidente desde a Revolução Islâmica. Entre muitos fatores que contribuíram para esse importante passo, nenhum foi tão decisivo quanto Rouhani. Desconhecido da maior parte do mundo até chegar à Presidência, ele foi o homem certo, no lugar certo – e num momento oportuno.
O acordo é preliminar. Tem duração de seis meses, com possível prorrogação. Pelos termos do pacto, Teerã submeterá suas instalações nucleares a inspeções rigorosas; suspenderá a construção de centrífugas; diminuirá o grau de pureza de enriquecimento do urânio àquele apenas para produzir energia; e extinguirá seu estoque
de material acima do limite de 5%, nível essencial para a produção de armas nucleares. Em troca, os Estados Unidos e a Europa aliviarão o sufoco em que deixaram a economia iraniana nos últimos anos. Suspenderão as sanções econômicas mais duras contra o Irã e descongelarão cerca de US$ 8 bilhões em pagamentos, antes retidos em bancos no exterior. Nada que pudesse ser imaginado nos tempos em que a Presidência do Irã estava nas mãos do imprevisível e caricato Mahmoud Ahmadinejad.
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Não se trata, ainda, de uma normalização das relações entre Estados Unidos e Irã. O acordo visou apenas a uma saída para a questão nuclear iraniana: a insistência de Teerã em ter um programa de energia nuclear, quando muitos, especialmente Israel e EUA, temem que o país cons­trua uma bomba. Mesmo assim, é um pacto histórico. O aper­to de mão entre o secretário de Estado americano, John Kerry, e o ministro das Relações Exteriores do Irã, Javad Zarif, foi o primeiro entre líderes dos dois países desde a derrubada do xá Reza Pahlevi no final dos anos 1970.

Tal roteiro teria sido improvável sem Rouhani. Há cinco meses, contrariando os prognósticos que sugeriam um favoritismo de candidatos conservadores, ele foi eleito com 50,68% dos votos – e a necessária chancela do Líder Supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei. Aos 64 anos, sempre de turbante branco e uma barba grisalha bem aparada, o simpático Rouhani fez jus ao título honorário de Hodjatoleslam (Símbolo do Islã). Ele já ganhara o respeito ocidental quando foi chefe nas negociações sobre o programa nuclear de 2003 a 2005, antes da ascensão de Ahmadinejad. E respondeu às expectativas por avanços concretos na relação do Irã com o mundo. “É um momento de Mikhail Gorbachev para Rouhani”, afirma Stephen Kotkin, professor de história e relações internacionais na Universidade Princeton. “Assim como o líder soviético abriu as portas para o fim do comunismo, Rouhani pode criar a situação para reformas mais profundas e para a mudança da imagem do Irã no mundo.”

HISTÓRICO O secretário de Estado americano, John Kerry, aperta as mãos do colega iraniano, Javad Zarif. É o primeiro passo para novos diálogos (Foto: Fabrice Coffrini/AFP)


O Irã é uma teocracia, tem um passado de apoio a ações terroristas e é temido pela maioria de seus vizinhos. Não é, porém, um satã como muitos imaginam. Desde a Revolução de 1979, envolveu-se diretamente em apenas uma guerra – e  foi vítima da primeira agressão. Em 1980, o ditador iraquiano, Saddam Hussein, rompeu acordos territoriais e, com o apoio das nações árabes sunitas e do Ocidente, deu o primeiro tiro da Guerra Irã-Iraque. De lá para cá, o Irã não invadiu nenhum vizinho. Sustenta, porém, o Hezbollah, um dos maiores inimigos de Israel, considerado um grupo terrorista pelos Estados Unidos. Representante dos xiitas li­ba­neses, o Hezbollah é o maior partido político do Líbano. Co­mo tal, é considerado por Teerã essencial para a sobrevivência do regime numa região hostil. Cercado por regimes sunitas por todos os lados, o xiita Irã preza os poucos amigos que tem, como o Hezbollah, o regime sírio de Bashar al-Assad e a nova ordem no Iraque, hoje com um governo xiita.

HISTÓRICO

O secretário de Estado americano, John Kerry, aperta as mãos do colega iraniano, Javad Zarif. É o primeiro passo para novos diálogos (Foto: Fabrice Coffrini/AFP)

Internamente, o Irã está longe de ser uma democracia, já que candidatos e partidos têm de se submeter à aprovação do maior líder religioso. Mas o aiatolá não governa como um tirano. Os complexos meandros do regime teocrático obrigam Khamenei a negociar com forças como o Conselho de Guardiões, a Guarda Revolucionária e o Parlamento (Majilis). Entre 1997 e 2005, o Irã teve um presidente reformista, Mohammad Khatami, que não transformou o país como desejava, mas incomodou Khamenei. Em 2005, Khamenei quis romper com a liberalização moral de Khatami, e o resultado foi nefasto para o Irã. Ajudado por um reforçado ódio aos Estados Unidos, diante dos ataques verbais do presidente George W. Bush, chegou à Presidência o nacionalista e ultraconservador Mahmoud Ahmadinejad.


Em oito anos, a imagem do Irã no exterior desmoronou. A economia foi esmagada pelas sanções econômicas, impostas como retaliação ao avanço do programa nuclear. As vendas de petróleo e gás natural do Irã caíram 60% – o setor representa mais da metade das receitas do país. Em 2012, o PIB recuou 2%, e, nos dois primeiros trimestres de 2013, a queda foi de 1,5%. A inflação anual passa de 40%. O quadro econômico gerou insatisfação popular e apelo por mudanças e reformas. Khamenei entendeu que o clamor poderia ser perigoso para o regime e autorizou a reabertura do diálogo com o Ocidente. Trabalhou nas sombras para autorizar a candidatura de um reformista moderado como Rouhani – alguém com suficiente apelo interno e externo e habilidade para costurar o pacto de Genebra.

Daqui para a frente, não faltam obstáculos no diálogo entre Irã e Ocidente. O primeiro é interno. “Washington ou Teerã podem simplesmente destruir tudo o que foi conquistado”, afirma Kenneth Pollack, ex-diretor do Conselho de Segurança Nacional no governo Bill Clinton. “Os falcões de ambos os lados estão à espreita.” No Irã, os linhas-duras reagiram com fúria. Um editorial do jornal Kayhan, a voz oficial dos clérigos iranianos, afirmava que “os Estados Unidos não são dignos de confiança”. O presidente Barack Obama prometeu que não haverá novas sanções contra o Irã durante os seis meses do acordo, mas faltou combinar com o Congresso. Parlamentares republicanos e democratas planejam novas sanções ainda neste ano.

No plano exterior, há muita gente contrária a um acordo definitivo. As monarquias do Golfo, em especial a Arábia Saudita, temem o fortalecimento do Irã e o impacto que ele pode ter sobre minorias xiitas em seus países. Os sauditas elogiaram timidamente o acordo. Quando o assunto é Irã, eles tendem a ficar do lado de outro inimigo, Israel. “O que foi alcançado em Genebra não é um acordo histórico, é um erro histórico”, afirmou o premiê israelense, Benjamin Netanyahu, no dia seguinte ao acordo. “O mundo tornou-se um lugar muito mais perigoso.” Para o governo israelense, o Irã continua uma nação hostil, disposta a aniquilar Israel – ou ao menos desestabilizar, por intermédio de ações do Hezbollah. Exemplos da história também ajudam a evitar o otimismo exagerado. Em 1994, os norte-coreanos firmaram um acordo com os americanos para interromper seu programa nuclear, em troca de petróleo e benefícios econômicos. Em 2002, meses após o 11 de setembro, Bush reuniu Coreia do Norte, Irã e Iraque no que chamou de Eixo do Mal. Pouco depois os norte-coreanos voltaram a produzir urânio. Outro paralelo, mais extremo, é a paz temporária obtida em Munique, em setembro de 1938, quando líderes das principais potências europeias assinaram um acordo com Adolf Hitler. Um ano depois, a Alemanha de Hitler invadiu a Polônia. Quando interesses nacionais divergentes estão em jogo, todo cuidado é pouco.

O atual acordo é profundo e abrangente. Melhor, inclusive, que aquele oferecido há três anos, na Declaração de Teerã, por Brasil e Turquia. A proposta de então não mencionava a produção de plutônio nem a construção de novas centrífugas. O novo pacto tem, porém, várias pendências. Apenas interrompe o avanço do programa nuclear iraniano, mas não desmonta seu progresso até hoje. “Não perdemos nada, apenas concordamos em interromper o enriquecimento de urânio a 20%”, disse Ali Akbar Salehi, chefe da Organização de Energia Atômica do Irã. O mundo, ao contrário do que diz Netanyahu, ganhou. Ainda não uma solução, mas ao menos um caminho que pode transformar as relações políticas no Oriente Médio, em favor de um mundo mais seguro. 
 

A temperatura do relacionamento entre Irã e EUA (Foto: ÉPOCA)
   
Fonte: epoca

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