Por que a eleição de Hassan Rouhani permitiu o acordo entre EUA e Irã
As condições criadas pela eleição de Rouhani para a Presidência do Irã foram decisivas para uma nova postura nas relações com os EUA
Durante sua campanha para a Presidência, o iraniano Hassan Rouhani
prometeu uma “reconciliação com o mundo”. Poucos apostavam em avanços
rápidos quando de sua eleição surpreendente em junho, ainda no primeiro
turno. Há duas semanas, foi possível medir o tamanho do impacto que
Rouhani já causou, em poucos meses no cargo. Ele se tornou um herói para
milhões de iranianos que sonham com relações normalizadas com o
Ocidente – e o fim das sanções que abalaram a economia do país. No domingo, dia 24,
Irã, Estados Unidos, Rússia, China, Reino Unido, França e Alemanha
anunciaram em Genebra, na Suíça, um acordo histórico sobre o programa
nuclear iraniano. Foi o maior avanço nas relações entre Irã e Ocidente
desde a Revolução Islâmica. Entre muitos fatores que contribuíram para
esse importante passo, nenhum foi tão decisivo quanto Rouhani.
Desconhecido da maior parte do mundo até chegar à Presidência, ele foi o
homem certo, no lugar certo – e num momento oportuno.
O acordo é preliminar. Tem duração de seis meses, com possível
prorrogação. Pelos termos do pacto, Teerã submeterá suas instalações
nucleares a inspeções rigorosas; suspenderá a construção de centrífugas;
diminuirá o grau de pureza de enriquecimento do urânio àquele apenas
para produzir energia; e extinguirá seu estoquede material acima do limite de 5%, nível essencial para a produção de armas nucleares. Em troca, os Estados Unidos e a Europa aliviarão o sufoco em que deixaram a economia iraniana nos últimos anos. Suspenderão as sanções econômicas mais duras contra o Irã e descongelarão cerca de US$ 8 bilhões em pagamentos, antes retidos em bancos no exterior. Nada que pudesse ser imaginado nos tempos em que a Presidência do Irã estava nas mãos do imprevisível e caricato Mahmoud Ahmadinejad.
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Não se trata, ainda, de uma normalização das relações entre Estados Unidos e Irã. O acordo visou apenas a uma saída para a questão nuclear iraniana: a insistência de Teerã em ter um programa de energia nuclear, quando muitos, especialmente Israel e EUA, temem que o país construa uma bomba. Mesmo assim, é um pacto histórico. O aperto de mão entre o secretário de Estado americano, John Kerry, e o ministro das Relações Exteriores do Irã, Javad Zarif, foi o primeiro entre líderes dos dois países desde a derrubada do xá Reza Pahlevi no final dos anos 1970.
Tal roteiro teria sido improvável sem Rouhani. Há cinco meses, contrariando os prognósticos que sugeriam um favoritismo de candidatos conservadores, ele foi eleito com 50,68% dos votos – e a necessária chancela do Líder Supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei. Aos 64 anos, sempre de turbante branco e uma barba grisalha bem aparada, o simpático Rouhani fez jus ao título honorário de Hodjatoleslam (Símbolo do Islã). Ele já ganhara o respeito ocidental quando foi chefe nas negociações sobre o programa nuclear de 2003 a 2005, antes da ascensão de Ahmadinejad. E respondeu às expectativas por avanços concretos na relação do Irã com o mundo. “É um momento de Mikhail Gorbachev para Rouhani”, afirma Stephen Kotkin, professor de história e relações internacionais na Universidade Princeton. “Assim como o líder soviético abriu as portas para o fim do comunismo, Rouhani pode criar a situação para reformas mais profundas e para a mudança da imagem do Irã no mundo.”
O Irã é uma teocracia, tem um passado de apoio a ações terroristas e é
temido pela maioria de seus vizinhos. Não é, porém, um satã como muitos
imaginam. Desde a Revolução de 1979, envolveu-se diretamente em apenas
uma guerra – e foi vítima da primeira agressão. Em 1980, o ditador
iraquiano, Saddam Hussein, rompeu acordos territoriais e, com o apoio
das nações árabes sunitas e do Ocidente, deu o primeiro tiro da Guerra
Irã-Iraque. De lá para cá, o Irã não invadiu nenhum vizinho. Sustenta,
porém, o Hezbollah, um dos maiores inimigos de Israel, considerado um
grupo terrorista pelos Estados Unidos. Representante dos xiitas
libaneses, o Hezbollah é o maior partido político do Líbano. Como
tal, é considerado por Teerã essencial para a sobrevivência do regime
numa região hostil. Cercado por regimes sunitas por todos os lados, o
xiita Irã preza os poucos amigos que tem, como o Hezbollah, o regime
sírio de Bashar al-Assad e a nova ordem no Iraque, hoje com um governo
xiita.
HISTÓRICO
O secretário de Estado americano, John Kerry, aperta as mãos do colega
iraniano, Javad Zarif. É o primeiro passo para novos diálogos (Foto:
Fabrice Coffrini/AFP)
Internamente, o Irã está longe de ser uma democracia, já que candidatos
e partidos têm de se submeter à aprovação do maior líder religioso. Mas
o aiatolá não governa como um tirano. Os complexos meandros do regime
teocrático obrigam Khamenei a negociar com forças como o Conselho de
Guardiões, a Guarda Revolucionária e o Parlamento (Majilis). Entre 1997 e
2005, o Irã teve um presidente reformista, Mohammad Khatami, que não
transformou o país como desejava, mas incomodou Khamenei. Em 2005,
Khamenei quis romper com a liberalização moral de Khatami, e o resultado
foi nefasto para o Irã. Ajudado por um reforçado ódio aos Estados
Unidos, diante dos ataques verbais do presidente George W. Bush, chegou à
Presidência o nacionalista e ultraconservador Mahmoud Ahmadinejad.
Em oito anos, a imagem do Irã no exterior desmoronou. A economia foi
esmagada pelas sanções econômicas, impostas como retaliação ao avanço do
programa nuclear. As vendas de petróleo e gás natural do Irã caíram 60%
– o setor representa mais da metade das receitas do país. Em 2012, o
PIB recuou 2%, e, nos dois primeiros trimestres de 2013, a queda foi de
1,5%. A inflação anual passa de 40%. O quadro econômico gerou
insatisfação popular e apelo por mudanças e reformas. Khamenei entendeu
que o clamor poderia ser perigoso para o regime e autorizou a reabertura
do diálogo com o Ocidente. Trabalhou nas sombras para autorizar a
candidatura de um reformista moderado como Rouhani – alguém com
suficiente apelo interno e externo e habilidade para costurar o pacto de
Genebra.
Daqui para a frente, não faltam obstáculos no diálogo entre Irã e
Ocidente. O primeiro é interno. “Washington ou Teerã podem simplesmente
destruir tudo o que foi conquistado”, afirma Kenneth Pollack, ex-diretor
do Conselho de Segurança Nacional no governo Bill Clinton. “Os falcões
de ambos os lados estão à espreita.” No Irã, os linhas-duras reagiram
com fúria. Um editorial do jornal Kayhan, a voz oficial dos clérigos
iranianos, afirmava que “os Estados Unidos não são dignos de confiança”.
O presidente Barack Obama prometeu que não haverá novas sanções contra o
Irã durante os seis meses do acordo, mas faltou combinar com o
Congresso. Parlamentares republicanos e democratas planejam novas
sanções ainda neste ano.
No plano exterior, há muita gente contrária a um acordo definitivo. As
monarquias do Golfo, em especial a Arábia Saudita, temem o
fortalecimento do Irã e o impacto que ele pode ter sobre minorias xiitas
em seus países. Os sauditas elogiaram timidamente o acordo. Quando o
assunto é Irã, eles tendem a ficar do lado de outro inimigo, Israel. “O
que foi alcançado em Genebra não é um acordo histórico, é um erro
histórico”, afirmou o premiê israelense, Benjamin Netanyahu, no dia
seguinte ao acordo. “O mundo tornou-se um lugar muito mais perigoso.”
Para o governo israelense, o Irã continua uma nação hostil, disposta a
aniquilar Israel – ou ao menos desestabilizar, por intermédio de ações
do Hezbollah. Exemplos da história também ajudam a evitar o otimismo
exagerado. Em 1994, os norte-coreanos firmaram um acordo com os
americanos para interromper seu programa nuclear, em troca de petróleo e
benefícios econômicos. Em 2002, meses após o 11 de setembro, Bush
reuniu Coreia do Norte, Irã e Iraque no que chamou de Eixo do Mal. Pouco
depois os norte-coreanos voltaram a produzir urânio. Outro paralelo,
mais extremo, é a paz temporária obtida em Munique, em setembro de 1938,
quando líderes das principais potências europeias assinaram um acordo
com Adolf Hitler. Um ano depois, a Alemanha de Hitler invadiu a Polônia.
Quando interesses nacionais divergentes estão em jogo, todo cuidado é
pouco.
O atual acordo é profundo e abrangente. Melhor, inclusive, que aquele
oferecido há três anos, na Declaração de Teerã, por Brasil e Turquia. A
proposta de então não mencionava a produção de plutônio nem a construção
de novas centrífugas. O novo pacto tem, porém, várias pendências.
Apenas interrompe o avanço do programa nuclear iraniano, mas não
desmonta seu progresso até hoje. “Não perdemos nada, apenas concordamos
em interromper o enriquecimento de urânio a 20%”, disse Ali Akbar
Salehi, chefe da Organização de Energia Atômica do Irã. O mundo, ao
contrário do que diz Netanyahu, ganhou. Ainda não uma solução, mas ao
menos um caminho que pode transformar as relações políticas no Oriente
Médio, em favor de um mundo mais seguro.
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