A Ley de Medios é constitucional
Suprema Corte da Argentina
declarou a constitucionalidade da Lei de Serviços de Comunicação
Audiovisual, aprovada em 2009. Na prática, a democracia venceu as
corporações.
por Coletivo Intervozes
Martin Sabbatella, chefe da
Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual (Afsca) da
Argentina, dá entrevista coletiva nesta terça-feira 29. O grupo Clarín
foi derrotado.
Helena Martins
Após décadas de lutas e quatro anos de batalhas judiciais, hoje, a
Suprema Corte da Argentina colocou um ponto final na disputa que adiava a
aplicação integral da chamada Ley de Medios, ao declarar constitucionais quatro artigos da lei – 41, 45, 48 e 161 – que vinham sendo questionados pelo setor empresarial.
Ao contrário do que pleiteava, sobretudo, o Grupo Clarín, um
dos maiores da América Latina na área das comunicações, a Justiça
argentina considerou que o direito à liberdade de expressão não é
afetado pela Ley de Medios e que o regime de licenças estabelecido pela norma não coloca em risco a sustentabilidade econômica do grupo. A
decisão era o passo que faltava para que a lei pudesse contribuir,
efetivamente, com a democratização dos meios de comunicação da
Argentina. Na prática, a democracia venceu as corporações.
O artigo 161 consiste em um dos principais instrumentos no
combate ao monopólio, pois estabelece que cada grupo deve ter até 24
licenças de TV à cabo e
10 licenças de serviços abertos (TV aberta,
rádios AM e FM). Diz ainda que, caso os titulares das licenças de
serviços não atendam à lei no prazo estabelecido, elas podem ser
transferidas. Significa, portanto, que as empresas deverão devolver o
excesso de concessões que possuem, uma adequação que deverá ser feita,
de acordo com a resolução aprovada hoje, no prazo de um ano.
Como foi destacado por este blog, a Ley de Medios
já promove medidas importantes. Por meio da legislação, foi possível
instalar 152 rádios em escolas de primeiro e segundo graus, 45 TVs e 53
rádios FM universitárias, além de criar o primeiro canal na TV aberta e
de 33 canais de rádio vinculados aos povos originários. Agora, as
mudanças poderão ser mais profundas, estruturais. O Clarín,
tomado como exemplo pela dimensão que possui, não poderá mais ter a
posse de jornais, revistas e editora; emissoras de rádio; televisão
aberta (o Canal 13, vinculado ao grupo, disputa a liderança do mercado com Telefe, este ligado à Telefónica) e de televisão por assinatura, serviço que abrange mais de 70% dos lares daquele país.
A decisão firmada hoje é o reconhecimento de reivindicações
históricas dos movimentos sociais da Argentina. Vale ressaltar que a
proposta foi produzida a partir de diálogos com regramentos
internacionais sobre direito à comunicação, fixados pelas Organizações
das Nações Unidas, pela Organização Internacional do Trabalho e por leis
antimonopólicas existentes em diversos países. Mas mais que isso: ela é
fruto de ampla mobilização popular, que teve como marco a fundação, em
2004, da Coalición por uma Radiodifusión Democrática, fórum que
reuniu centenas de personalidades e organizações políticas, dentre as
quais centrais sindicais, universidades, sindicatos e movimentos
sociais.
O caminho para esta conquista foi longo. Ainda em 2004, a Coalición apresentou
21 propostas para democratizar a radiodifusão no país. A escolha do
número ‘vinte e um’ não foi por acaso: era o mesmo número de anos
passados desde o fim da Ditadura Militar, regime que havia sancionado a
Lei 22.285, que até 2009, organizou o sistema de comunicação no país.
Dentre os pontos da proposta popular, estava a concepção norteadora da
comunicação como um direito humano: “Toda persona tiene derecho a
investigar, buscar, recibir y difundir informaciones, opiniones e ideas,
sin censura previa, a través de la radio y la televisión, en el marco
del respecto al Estado de derecho democrático y los derechos humanos.” (COALICIÓN..., 21 Puntos Básicos por el derecho a la Comunicación, 2004).
Essa não foi a única inovação. De forma corajosa, os movimentos
inscreveram na norma a divisão, de forma equânime, do espectro
eletromagnético entre três prestadores – público, comercial e de gestão
privada sem fins de lucro – deixando, portanto, resguardados 33% do
espaço para entidades sem fins de lucro. Há, ainda, reservas para o
Estado nacional; entes da federação; poder municipal; canais
universitários, etc. No fundo, está a concepção da comunicação não como
um negócio, mas como um serviço que deve ser voltado ao interesse
público.
A partir de hoje, o continente latinoamericano passa a discutir
comunicação a partir de outro patamar. Não mais tendo como referência
apenas a concentração e o controle dos meios por parte das elites
políticas locais. Trata-se de uma ruptura histórica que pode abrir
caminhos para que o direito à comunicação sejam exercidos, na prática,
por um número muito maior de sujeitos, em comparação com o que hoje
vemos. Ao ser considerada constitucional, a Ley de Medios passa a ser,
mais que nunca, uma referência normativa para a democratização das
comunicações e para a garantia da liberdade de expressão em todo o
mundo.
* Helena Martins é jornalista, mestra em Comunicação Social pela UFC e integrante do Conselho Diretor do Intervozes
Fonte:http://www.cartacapital.com.br/
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