Rocinha e Alemão pretendem processar Estado por causa de Teleférico
Moradores das comunidades são contra a construção do modal e querem continuidade das obras do PAC
Estrela de uma novela Global e novo ponto turístico do Rio de
Janeiro, o Teleférico do Conjunto das Favelas do Alemão, na Zona Norte
da cidade, foi indicado como "carro
chefe" das melhorias prometidas pelo governo estadual à comunidade
pacificada, como parte integrante do Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC) e recebeu o recurso de R$ 210 milhões investidos pelos
governos federal e estadual. Dois anos após a sua inauguração, no dia 7
de julho de 2011, o Teleférico Alemão é alvo de crítica dos moradores
e, segundo eles, não atende às necessidades básicas de mobilidade,
integração social e melhorias na qualidade de vida, como sugerido no seu
projeto original, que teve como inspiração o modelo da cidade
colombiana de Medellín.
A experiência mal sucedida
está servindo de exemplo para a comunidade da Rocinha, na zona sul,
destinada a ganhar o terceiro modelo do transporte
em massa por cabo do Rio. Os representantes do movimento "Rocinha Sem
Fronteiras" estão promovendo ações de resistência à implantação do
teleférico na comunidade e aliados ao Instituto Raízes em Movimento, do
Alemão, vão entrar com representação no Ministério Público do Estado
(MP/RJ) contra o governo do Rio, em processos que denunciam a violação
dos direitos humanos e não cumprimento de lei federal 10.257, que
determina a participação da população em decisões nas obras de
intervenção governamental, no caso do Alemão, e pela não execução das
obras do Pac 1, na Rocinha.
No Fórum de Mobilidade Urbana
realizado pelo Clube dos Engenheiros do Rio de Janeiro, realizado no dia
20 de setembro, foi abordado o tema "PAC e saneamento – Estudos de
Casos da Rocinha". O conselheiro do Clube, Alcebíades Fonseca, destacou
no seu discurso que, pelo tempo de operação do Teleférico do Alemão, é
facilmente observado que esse tipo de modal não é viável para as
comunidades cariocas, por não solucionar os problemas de mobilidade da
população e por ter seu custo de manutenção muito alto, pois o
seu maquinário é importado da França. "Um cadeirante, por exemplo,
quando chega à uma das estações, não encontra o acesso especial para o
seu embarque. O mesmo aconteceu com os moradores quando estão carregando
a suas bolsas com compras", explicou o engenheiro. Como
modelo comparativo, Fonseca citou o Plano Inclinado do morro Santa
Marta, que segundo ele é o modal mais adequado à Rocinha. "O
plano inclinado favorece o acesso de pessoas portadoras de deficiência,
permite a retirada de resíduos sólidos e a sua construção é bem
mais barata, com uma projeção de implantação que corresponde a 20%
apenas do valor total do projeto do Teleférico importado
apresentado pelo governo do Rio", disse Fonseca.
O coordenador do
Instituto Raízes em Movimento do Complexo do Alemão, Alan Brum, contou
que o Plano Básico de Licitação e de Desenvolvimento Sustentável
referentes a sua comunidade foram intensamente discutidos com
representantes da Empresa de Obras do Estado do Rio de Janeiro (Emop) e
das secretarias estaduais Parques e Jardins e Cultura e Lazer, desde
2008. Na época, foi criado o Comitê de Desenvolvimento da Serra da
Misericórdia, composto por 927 membros de instituições da região e por
moradores, que apresentaram as suas reclamações visando a melhoria
da qualidade de vida na região, para serem incluídas no planejamento de
urbanização. O resultado final foi para uma Agenda Propositiva, entregue
ao poder público.
"Quando eles comentaram sobre o teleférico, 'de
cara' a gente alertou que não ia dar certo, por causa da topografia,
ninguém vai subir o morro para embarcar. Opinamos que esse investimento
do PAC era fundamental para a implementação do transporte alternativo, a
duplicação da via de acesso principal e as ruas secundárias e,
prioritariamente, o saneamento básico. Esses são os fatores que
realmente traduzem os anseios da comunidade da Rocinha", destacou Alan.
Enquanto
a implantação do Teleférico do Alemão teve caráter prioritário no
governo de Sérgio Cabral (PMDB), a maior parte das obras previstas no
PAC ainda estão no papel. Alan contou que a duplicação da rua
principal de acesso ao Alemão, a Joaquim Queiroz, teve apenas 300
metros de pavimentação e um novo anúncio do governo promete a
complementação da obra, que ainda não tem prazo para recomeçar.
"O teleférico é o atrativo turístico e orgulho do governo estadual. Para
agradar os olhos dos turistas, eles [governo do Estado] construíram um
cinturão social no entorno do Alemão, com um colégio público bonito,
UPA, creche e o conjunto habitacional. Mas isso só nos locais por onde
os turistas passam. Se você entrar na comunidade, vai encontrar o
resultado do desleixo do poder público, a real precariedade que tentamos
combater", disse ele.
O transporte alternativo, segundo
Alan, continua discriminado pelo governo, apesar de ser o principal meio
de deslocamento da comunidade. Outro ponto criticado pelos moradores é o
que eles chamam de "Turismo Exótico", que na visão de Alan é um serviço
oficial que fortalece o preconceito que sempre existiu em relação as
favelas. "O turista embarca na gôndola na Estação Bonsucesso, que fica
na parte baixa do morro, passa por cima do Alemão e vai direto para
a Estação Palmeiras, onde fica o Mirante com a vista maravilhosa do Rio e
toda uma infraestrutura de serviço que teve aprovação do governo como
forma de agradar o visitante. Daí, ele desce e pronto, acabou o passeio.
Cadê a interação social que o governo disse que haveria entre turista e
comunidade? O comércio do Alemão é forte, mas não pode contar com o
'Turismo Exótico', que passa longe dele e não contribui para a economia
local", desabafou o coordenador social.
No centro das
críticas, o teleférico não corresponde ao desempenho esperado pelo poder
público. Com 152 gôndolas com capacidade de transportar
até 10 pessoas cada uma, o teleférico foi projetado para ser o
transporte principal do Alemão, com previsão de atender 30
mil passageiros por dia, no trajeto de 3,5 quilômetros, desde a entrada
do morro até o seu topo, em 16 minutos. No entanto, a demanda diária de
moradores que usam o teleférico é de 12 mil, mesmo eles tendo direito a
duas passagens gratuitas e ao valor promocional de R$ 1. Para o turista o
valor da passagem é de R$ 5. No dia 15 de dezembro de 2012, foi
registrado o recorde de passageiros transportados, com mais de 19 mil
embarques no sistema, que é integrado à rede ferroviária por meio da
Estação Bonsucesso/TIM (ramal Saracuruna).
As anotações
de Alan desde as primeiras atividades do Comitê de Desenvolvimento da
Serra da Misericórdia, com as análises de desenvolvimento social e
urbanístico do Alemão feitas junto às autoridades do Estado, foram
reunidas num dossiê e entregue ao líder do movimento "Rocinha Sem
Fronteiras", José Martins de Oliveira. Há alguns meses, as lideranças
das duas comunidades estão se encontrando para conhecer os problemas
comuns. "Foi possível perceber que são as mesmas precariedades
vividas na Rocinha, no Alemão e provavelmente em todas as outras
comunidades cariocas", comentou Davison Coutinho, participante do
"Rocinha Sem Fronteiras" e membro da Comissão de Moradores da Rocinha,
Vidigal e Chácara.
Davison visitou o Complexo do Alemão na
quinta-feira passada (26/9) e na reunião que teve com Alan Brum,
destacou que "os problemas estruturais e sociais dessas regiões são
oriundo de um problema maior, que é a falta de participação dos
moradores nas decisões das obras de intervenção do governo do Rio,
ferindo a lei federal de número 10.257, que exige a inclusão da
população nesses processos". Segundo os representantes comunitários, o
governo de Sérgio Cabral realiza os encontros oficiais com a população,
mas apenas para apresentar os projeto do PAC. "Os moradores reclamam,
criticam e oferecem opiniões, porém nada é ouvido, só é feito que o
governo quer. Até porque a empresa responsável pelo social do PAC, que
deveria acolher as decisões dos moradores é contratada pela
concessionaria das obras e fica claro que ela não pode ir contra quem
ela é subordinada [poder público]. É uma falsa participação dos
moradores nas reuniões que eles coletam assinaturas e fotos e enviam
para o Ministério das Cidades, como se as populações das comunidades
estivessem de acordo com o que eles propuseram. O teleférico não é
prioridade para as comunidades e isso já foi comprovado no Fórum de
Mobilidade do Clube de Engenharia, que participamos há pouco tempo. O
dinheiro do PAC no Alemão e na Rocinha deveria ser empregado no
saneamento básico, já que está comprovado que para cada dólar gasto com
saneamento, representa U$ 5 economizados com saúde. Esse valor deveria
ser revertido para politicas publicas estruturantes, como
mobilidade, transporte, saúde, educação, cultura, assistência social.
Todos esses dados constam dos relatórios produzidos pelo governo com
as comunidades, mas não seguem para o governo federal", denunciaram os
representantes da Rocinha e do Alemão.
Líder
do "Rocinha sem Fronteiras", José Martins de Oliveira, residente há 47
anos na comunidade, aponta muitas falhas podem ser enumeradas na
execução do PAC 1 e 2. Martins considera que o maior engano no projeto
do PAC 2 é a construção do teleférico, que mobiliza a maior fatia da
verba do plano e não atende as revindicações da população regional. "É
um presente de grego", considerou Martins. Ele destacou que as obras do
PAC 1 foram discutidas no ano de 2005, dando prioridade ao saneamento
básico na Rocinha e seriam desenvolvidas num prazo de 10 anos, através
do Plano de Desenvolvimento Social. Nesse projeto, em nenhum momento foi
citada a construção do Teleférico. Em 2007 as obras iniciaram, mas
foram paralisadas pelo governo estadual em 2010, com mais de 25%
do projeto pendente, inclusive o saneamento básico. O PAC 2 prevê a
finalização das obras, mas dá prioridade ao Teleférico da Rocinha.
"Vai
acontecer com a Rocinha a mesma situação constatada no Alemão, das
pessoas não utilizarem o teleférico e ele ser meio de transporte apenas
para turistas. Estavam previstas diversas obras, construções foram
derrubadas e muito deixou de ser feito. O saneamento, que era a grande
reivindicação dos moradores, não chegou até hoje. O caminho certo é
discutir com a comunidade o que deve ser feito com as verbas", reclamou
ele. Enquanto o governo não vai à comunidade discutir o PAC 2, Martins
está convocando os moradores para uma reunião periódica e abordando os
principais pontos referentes ao desenvolvimento do projeto na
comunidade.
Atualmente, a maior reivindicação dos moradores das
duas comunidades é para que o Ministério das Cidades acolha as
suas prioridades. "Nós nos unimos para que juntos possamos fortalecer as
ações em prol de um bem maior para a população", contaram Alan e
Davison. Em parceria com a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia
Legislativa do Rio (Alerj), presidida pelo deputado Marcelo Freixo
(PSOL), Alan Brum vai entrar com representação no Ministério Público do
Estado (MP/RJ) e no Tribunal de Contas do Estado (TCE) contra o governo
do Rio, exigindo o retorno das obras inacabadas do PAC e a prestação de
contas aos moradores de todos os gastos do referentes ao projeto. E no
decorrer dessa semana, o governo Sérgio Cabral também deve ganhar mais
um processo referente ao PAC. "Nós vamos procurar o Ministério Público
do Rio nos próximos dias e vamos entrar com ação pedindo a finalização
das obras do PAC 1 na Rocinha. Vamos processar o Estado pela não
execução do projeto prometido", anuncio José Martins, em nome do
movimento "Rocinha sem Fronteiras".
Emop garante que Rocinha terá mais investimentos
Segundo
a Empresa de Obras do Estado do Rio de Janeiro (Emop), a Rocinha vai
receber investimentos federais e estaduais de cerca de R$ 1,6 bilhão
para execução de obras de infraestrutura, habitação e reordenamento
urbano. "As obras vão priorizar a implantação de sistemas de drenagem,
redes de esgoto, água e iluminação, a instalação de redes coletoras de
lixo, a abertura de vias e o alargamento das Ruas 1, 2 e da Estrada da
Gávea", destaca a nota envida pelo órgão ao Jornal do Brasil.
A
nota afirma ainda que o teleférico é uma alternativa proposta à questão
de mobilidade urbana, "a fim de que os moradores possam alcançar as
partes mais altas da comunidade que estarão integradas a outros sistemas
de transporte de massa como o metrô, com estação na parte baixa da
Rocinha, e a integração com linhas de apoio ao metrô na parte alta,
junto ao bairro da Gávea". De acordo com a Emop, os recentes recursos
vão viabilizar a construção de uma creche e unidades habitacionais
para famílias realocadas de áreas de risco ou de lugares desapropriados
para a execução do projeto, que ainda está fase de elaboração.
O
comunicado destaca também que serão realizados pelo menos 15 encontros
com a comunidade para a discussão do projeto. "Até o momento já foram
realizadas seis reuniões, com a participação total de aproximadamente
1000 moradores. As obras vão priorizar o saneamento, como é o desejo da
comunidade, que aprova também a construção do teleférico, com algumas
exceções, é claro, como é natural em uma comunidade com mais de 100 mil
habitantes", destaca o texto. A empresa conclui afirmando que a questão
da mobilidade na Rocinha contempla também a construção de um plano
inclinado, mas não dá maiores detalhes sobre esse projeto.
Fonte: http://www.jb.com.br/rio/noticias
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