Poder, sexo e corrupção
Como um doleiro e cinco beldades ambiciosas se juntaram a prefeitos e parlamentares para desviar recursos dos fundos de pensão
Com 11 homens e cinco loiras, em menos de
dois anos uma quadrilha em atividade em sete Estados brasileiros
desviou R$ 300 milhões de institutos de previdência complementar de
servidores municipais. Convencido de que a oferta de beleza feminina
poderia ser usada como um argumento irresistível para seduzir prefeitos,
que têm o direito legal de movimentar, com uma assinatura, as
milionárias reservas que garantem a aposentadoria complementar de
funcionários públicos, o doleiro Fayed Traboulsi foi à luta por um
mercado próspero e seguro.
BOA DE LÁBIA
Após conversa com parentes do prefeito Maguito Vilela (acima),
a “pastinha” Luciane Hoepers (abaixo) arrebatou R$ 9 milhões
Constituído por arquitetos financeiros, investidores e simples
oportunistas, o grupo abusava de uma estratégia clássica – a cruzada de
pernas em ambiente de trabalho – para conquistar mais clientes e fechar
novos contratos. A quadrilha foi apanhada pela Polícia Federal na
Operação Miqueias, assim chamada em homenagem a um profeta bíblico do
século VII a.C., conhecido por ter deixado uma maldição que atravessou
2.700 anos: “Ai daqueles que tramam o mal em suas camas”. Em relatório, a
PF descreve as aventuras de Luciane Hoepers, Isabela Helena, Fernanda
Cardoso, Cynthia Cabral e Alline Olivier em Amazonas, Goiás, Mato
Grosso, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, Rondônia e Tocantins.
Lindas e bem ensaiadas, as moças conhecidas como “pastinhas” eram
encarregadas de uma missão decisiva de toda negociação: o primeiro
contato. Marcavam visitas em gabinete, aceitavam convites para almoçar e
jantar. Não saíam de perto até que os contratos fossem assinados. A
polícia não faz relatos explícitos sobre o que ocorria antes, durante e
depois dos primeiros contatos. Deixa tudo para a imaginação de cada um.
Loira, olhos azuis, com tatuagens provocantes num corpo de 1,75 m
esculpido em academias de ginástica, Luciane Hoepers, 33 anos, foi a
pioneira na atividade. Seu potencial para o negócio foi intuído pelo
doleiro Traboulsi e confirmado várias vezes. Num bem-humorado depoimento
prestado à polícia, na semana passada, Luciane admitiu que, entre dez
prefeitos seduzidos, engatou namoro firme com pelo menos um.
Ambiciosa e desembaraçada – numa experiência profissional anterior
animava programas de auditório –, Luciane trouxe resultados com tanta
rapidez que a equipe feminina logo foi ampliada. Uma das moças, Fernanda
Cardoso, agia em encontros de prefeitos na capital federal.
Garota-propaganda de academia, Cynthia Cabral, 31 anos, disputava fundos
de pensão (e atenções dos prefeitos) em cidades menores nas
vizinhanças de Brasília. Mas nenhuma acumulou tantas proezas como
Luciane, especialista em grandes transações. Apenas 72 horas depois de
receber Luciane em audiência, em Cuiabá, o prefeito Chico Galindo
registrou pedido para transferir R$ 21 milhões para os fundos
gerenciados pela quadrilha. Após uma conversa iniciada com dois parentes
do prefeito Maguito Vilela, de Aparecida de Goiânia, ela arrebatou R$ 9
milhões, operação que, conforme a Polícia, gerou prejuízo de R$ 1,4
milhão. Antes de se dedicar aos fundos de pensão e de ter sido presa
pela PF por participar do esquema, Luciane foi sócia de uma empresa que
fornecia material gráfico para prefeituras de Santa Catarina, seu Estado
natal. Acusada de apresentar notas superfaturadas, foi afastada da
empresa pela antiga sócia.
A mobilização de moças bonitas para dobrar homens públicos é um
recurso comum. Quando Brasília debatia a legalização do jogo, sete
modelos esculturais recebiam R$ 22 mil mensais para desfilar pelo
Congresso e puxar conversa com parlamentares. Hoje, empresas de
telefonia, marcas de refrigerante e mineradores investem nesse tipo de
auxílio direto. Mas as moças dos fundos de pensão tinham um charme
especial: não ficavam de bico calado nas reuniões. Eram treinadas para
argumentar em tom profissional sobre opções financeiras, responder
perguntas técnicas e comparar rendimentos dos concorrentes, a começar
pela Caixa Econômica e pelo Banco do Brasil, maiores reservatórios dos
depósitos dos fundos de pensão do setor público, conhecidos por manter
uma postura prudente nos investimentos. A combinação daqueles corpos
espetaculares – depois que o caso foi parar nos jornais, Luciana
Hoepers aguarda convites para fotos em revistas masculinas – com uma
conversa em torno de milhões de reais deixava os prefeitos boquiabertos e
vencidos. “Todo mundo oferece benefícios para atrair um cliente que
possui recursos milionários. Mas o padrão é oferecer vantagens, e não
mulheres bonitas,” afirma um executivo da Caixa.
Para desvendar os segredos da quadrilha, a Polícia Federal escalou a
delegada Andréia Pinho para conduzir as investigações. Andréia logo viu
que o esquema gerou prejuízos ao pensionistas e ganhos incríveis para a
quadrilha. Os ganhos maiores não ficavam com a mão de obra feminina,
mas mesmo esta era bem remunerada. Costumava receber entre 2% e 5% dos
ganhos permitidos por cada negócio. O bando comprou uma dezena de carros
de luxo, no valor de R$ 500 mil cada um. Também adquiriu um iate de R$ 5
milhões. No plano pessoal, as companhias femininas abalaram o casamento
de pelo menos um parlamentar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário