Entrevista
Neil Gross: "Os conservadores nos EUA não vão à universidade obter Ph.D."
A universidade não cria liberais
Ex-professor de Harvard Neil Gross analisa por que acadêmicos dos EUA são mais progressistas e desmitifica a inclinação à esquerda de universitários
Por Gabriel Bonis — publicado na edição 79, de setembro de 2013
O setor acadêmico de Ensino Superior dos Estados Unidos mantém há
décadas a reputação de bastião do pensamento político de esquerda e
liberal. Algo que, aos olhos dos conservadores, torna as universidades
daquele país antros de silenciamento de vozes contrárias. Mas essas
instituições formam mesmo pessoas mais liberais? “Por muito tempo,
cientistas sociais acreditaram que sim. Até que pesquisas recentes
rebateram essa ideia”, diz Neil Gross, ex-professor da conceituada
Universidade Harvard, a Carta na Escola. Essa reputação liberal virou
tema de pesquisa de Gross e rendeu o livro Why Are Professors Liberal
and Why Do Conservatives Care? (Por Que os Professores São Liberais e
Por Que os Conservadores se Importam?). Atualmente docente de Sociologia
na Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá, o professor diz nesta
entrevista que o setor emprega mais “progressistas” porque sua imagem
atrai estudantes liberais. “Não há muitos professores conservadores nos
EUA porque não existem muitos conservadores que vão à universidade obter
Ph.D.”
Carta na Escola: Aproveitando a deixa do título do seu livro, por que os professores são liberais?
Neil Gross: Algumas das teorias mais famosas sobre o
tema não têm muita força explicatória. O fato de os professores
possuírem um nível educacional elevado e de a educação aparentemente
inclinar às tendências políticas mais para a esquerda não é muito
explicativo. A verdadeira razão pela qual não há muitos professores
conservadores, ao menos nos EUA, é porque não existem muitos
conservadores que obtêm Ph.D. Ao longo do tempo, algumas profissões
ganharam reputação pela política típica de seus membros. E, durante o
século XX, a academia construiu uma imagem liberal. Essa reputação
interessa mais a estudantes progressistas que podem considerar a
carreira de docente. Para um aluno conservador, por outro lado, essa
opção não é muito atraente. A inclinação à esquerda dos professores
virou um fenômeno autoproduzido.
CE: Na campanha presidencial dos EUA de 2012, o
candidato republicano Rick Santorum chamou Barack Obama de “esnobe” por
defender que todos os americanos fossem à universidade. Para ele, os
professores universitários são doutrinadores liberais. O Ensino Superior
cria liberais?
NG: Por muito tempo, cientistas sociais acreditaram
que sim. Recentemente, porém, pesquisas sugeriram que essas estimativas
foram supervalorizadas. Há algumas evidências de que, quando a pessoa
cursa o Ensino Superior, sua visão muda para uma direção mais
progressista. Por outro lado, outras pesquisas mais profundas com
universitários e não universitários indicam que essa concepção também
foi superestimada. Pessoas com Ensino Superior completo tendem a ser
mais liberais, mas grande parte disso se explica pelo fato de que
indivíduos mais liberais no Ensino Médio têm mais chances de completar a
educação superior. Em outras palavras, não há evidência concreta de que
as pessoas se tornem muito mais liberais na faculdade.
CE: Há áreas de ensino mais propícias para professores conservadores, como administração, engenharia e economia?
NG: Há variações substanciais nos posicionamentos
políticos conforme as disciplinas ensinadas. As Ciências Sociais são a
área mais ligada à esquerda. Economia é uma exceção. Conforme se
analisam áreas de ciência mais aplicada, como engenharia e negócios,
tende-se a encontrar mais conservadores.
CE: O que explica essas variações?
NG: As Ciências Naturais não são tão liberais quanto
as Ciências Sociais. Ainda assim, os professores daquelas são mais
liberais do que a população em geral. E por que há uma diferenciação
entre campos? Fundamentalmente, isso está relacionado às conexões entre
as disciplinas e outras áreas da sociedade. As disciplinas mais ligadas
aos setores conservadores da sociedade tendem a reunir um elenco mais
conservador. As mais ligadas a questões sociais e artes atraem mais
liberais.
CE: Em seu livro, é citada uma professora
que leva convicções políticas pessoais para a sala de aula. O senhor
acredita que um ensino superior “direcionado”, seja para a esquerda,
seja para a direita, é um problema?
NG: A educação superior é uma empresa muito diversa. O
que é apropriado em uma área pode não ser em outra. Há muitas
instâncias nas quais professores falarem de suas concepções políticas em
aulas pode ser algo proveitoso. Em algumas ocasiões, isso pode levar ao
pensamento crítico. Porém, o Ensino Superior dos EUA tem um problema de
percepção. Os conservadores acreditam que ele não ensina o que deveria e
que a pesquisa é ideológica. Isso é algo falso, mas não temos sido
convincentes em persuadir os críticos. Uma preocupação ao ensinar com
influência política é que se cria uma impressão de doutrinamento, mesmo
que isso não esteja ocorrendo. Entretanto, muitos professores levam a
sério a tentativa de não doutrinar seus alunos, focando apenas em
ensinar os conceitos de suas áreas.
CE: O senhor diz que a ânsia dos
conservadores em atacar os liberais no mundo acadêmico é uma hipocrisia.
Podemos justificar isso pelo fato de eles também inserirem tendências
políticas em suas aulas?
NG: Certamente, há lugares na educação superior onde
os conservadores podem ensinar ideias que consideram importantes. Mas
existem muitos tipos de conservadores e de críticos. Da forma como veem,
a educação superior é comandada por pessoas de esquerda, o que eles
acham injusto. Se alguém estivesse ensinando visões políticas diferentes
das suas, você obviamente ficaria chateado, mas isso não explica todos
os aspectos dos ataques.
CE: Esses ataques refletem algo do
macarthismo, quando as pessoas de esquerda nos EUA eram vistas como
comunistas e consideradas traidoras?
NG: Há esse aspecto da história. No tempo do
macarthismo, esse viés era usado não somente contra professores, mas
também contra funcionários do governo e atores de Hollywood. Ainda
existe alguma influência daquele conceito. Ao olhar as ondas de oposição
a professores liberais ao longo do tempo, algumas estão no período do
macarthismo. Mas houve outras nos anos 1980 e 1990 e também após os
atentados de 11 de setembro de 2001.
CE: Os professores do Ensino Superior
são, de fato, mais liberais ou esse posicionamento está mais relacionado
a concepções pessoais de vida?
NG: Isso pode variar conforme o país. Nos EUA,
profissionais altamente qualificados tendem a ser mais liberais e
democratas. Os professores, no entanto, tendem a ser ainda mais
democratas e mais liberais do que esses profissionais. A razão para isso
é que os liberais são mais propensos a se tornarem professores. Ser
professor não faz de alguém um libera
Fonte: http://www.cartanaescola.com.br
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