Chacina do Vigário: “Sangue derramado deve servir de lição na busca por justiça”
- Estados do Brasil:
O coordenador da Pastoral das Favelas no Rio,
Padre Luiz Antonio Pereira Lopes, disse que pouco foi feito para
melhorar a qualidade de vida dos moradores da comunidade
Vivian Virissimo
do Rio de Janeiro
O
dia 29 de agosto de 1993 é uma data que o Brasil jamais esquecerá. 13
homens, seis mulheres e dois adolescentes, que moravam na Favela do
Vigário, na zona norte do Rio de Janeiro, foram brutalmente
assassinados, com tiros na cabeça e nas costas, por um grupo de
extermínio chamado de cavalos corredores, formado por 36 policiais
militares. Nenhuma das vítimas tinha antecedentes criminais e nem
envolvimento com o tráfico.
Hoje, passados 20
anos do episódio que ficou conhecido como a Chacina do Vigário, apenas
sete policiais foram condenados e somente um continua preso, Sirlei
Alves Teixeira. Isto porque Sirlei teria cometido outros crimes enquanto
estava foragido, e por isso permanece no presídio.
A
chacina escancarou ao país o lado obscuro da PM. A ação criminosa foi
comandada por policiais que quiseram vingar a morte de quatro colegas da
corporação, um dia antes. Os PMs mortos eram comandados pelo sargento
Ailton Benedito Ferreira, do 9º Batalhão, que foi uma das vítimas.
Segundo
o desembargador de Justiça José Muiños Piñero, que foi promotor do
caso, Ailton era comandante de um grupo de extermínio que extorquia
traficantes do Vigário. Assassinado, o grupo de 36 PMs encapuzados
quiseram vingar a sua morte.
As vítimas do
bando encapuzado foram o estudante Fábio Pinheiro Lau, 17 anos; o
metalúrgico Hélio de Souza Santos, 38 anos; Joacir Medeiros, 69 anos; o
enfermeiro Guaracy Rodrigues, 33 anos; o serralheiro José dos Santos,47;
Paulo Roberto Ferreira, 44, motorista; o ferroviário Adalberto de
Souza, 40; o metalúrgico Cláudio Feliciano, 28; Paulo César Soares,35; o
gráfico Cléber Alves, 23; Clodoaldo Pereira, 21; Amarildo Baiense,31; o
mecânico Edmilson Costa,23 ; o vigia Gilberto Cardoso dos Santos, 61; e
mais o casal Luciano e Lucinéia, 24 e 23.
Depois,
o grupo executou Dona Jane, 58, sua nora Rúbia, 18, o marido e a filha
Lúcia, de 33 anos. Também morreram Luciene, prestes a completar 16 anos,
e Lucinete, 27. As crianças, com idades entre 9 e 5 anos, pularam para a
rua e conseguiram escapar. Uma delas saltou com um bebê de seis meses
no colo.
Em entrevista ao Brasil de Fato,
o coordenador da Pastoral das Favelas no Rio, Padre Luiz Antonio
Pereira Lopes, disse que pouco foi feito para melhorar a qualidade de
vida dos moradores da comunidade. Ele acrescenta que ainda hoje o bairro
continua abandonado pelo poder público.
“Nós
nos lembramos da Chacina de Vigário porque não há punição e, segundo,
porque nós não queremos mais que isso se repita, pois fez sofrer a
sociedade, o bairro e as famílias. Ao lembrar o fato, nós podemos também
aproveitar e tomar consciência do papel que temos na busca por
justiça”, ressalta Lopes.
Brasil de Fato – A mobilização em torno do desaparecimento de Amarildo sinaliza que algo mudou nesses 20 anos?
Padre Luiz Antônio –
Não mudou nada porque Amarildo é mais um. Há 20 anos, quando
aconteceram as duas chacinas, da Candelária e de Vigário, a gente
pensava que chacinas não iam mais acontecer. Mas outras vieram: de
Acari, Chatuba, Mesquita e outras. Então não há uma mudança. Há uma
necessidade enorme de estarmos recordando, não porque queremos levantar
tristeza para os parentes, mas para defender que esse sangue derramado
sirva na busca por justiça e que não aconteçam mais situações como essa.
O
Rio já foi cenário de muitas chacinas, inclusive, mais recentemente
ocorreu a da Maré. O que o senhor propõe para que chacinas nunca mais
aconteçam?
Primeiro considero que nossa polícia tem que
ser uma polícia desmilitarizada. Hoje tenho 58 anos e na minha infância
o policial não andava tão armado como anda hoje. Poucas vezes se via
policial armado no meio das pessoas. Hoje é difícil ver policial com
revolver pequeno, a maioria usa armas tidas como armas de guerra. E isso
é algo que faz as pessoas ficarem temerosas. Não adianta argumentar que
hoje traficantes andam muito armados. Por que a polícia não utiliza
seus serviços de inteligência? Quando a polícia quer, ela sabe muito bem
investigar e prender alguém sem dar um tiro.
Em segundo lugar,
defendo o investimento em tudo aquilo que diz “cidadania”: educação,
transporte, moradia, emprego, saúde. Esses investimentos são
fundamentais. Moradia digna é algo fundamental. Ninguém gosta de ficar
confinado numa casa que tem 35 metros quadrados. E este é o padrão de
casa desses projetos populares de moradia. Imagine uma família de cinco
pessoas nesse espaço. Não dá absolutamente para nada. Não é digno.
Padre Luiz Antônio. Foto: Gustavo Kelly |
Mesmo
com a grande repercussão, ninguém cumpre pena pelo crime. O senhor
avalia que as regras na polícia contribuem para a impunidade?
Não
só as regras da polícia. Percebemos que no sistema judiciário também
ocorre isso. Há sempre na nossa sociedade esse corporativismo que acaba
gerando impunidade. As leis valem pra uns e para outros não. Os
realmente punidos são aqueles que não têm como pagar bom advogado. Em
nosso país, rico não vai para a cadeia, nem juiz ou desembargador ou
militar.
As novas gerações e parte da sociedade não
lembram ou desconhecem a chacina de Vigário Geral. Por que é preciso
sempre relembrar essa tragédia?
Fatos
como esses nos fazem tirar lições proveitosas para o futuro. Nós nos
lembramos da Chacina de Vigário porque não há punição e segundo porque
nós não queremos mais que isso se repita, pois fez sofrer a sociedade, o
bairro e as famílias. Ao lembrar o fato, nós podemos também aproveitar e
tomar consciência do papel que temos na busca por justiça.
Qual é a atual situação do bairro?
O
bairro mudou e para pior. Os bairros que estão na periferia são muito
abandonados pelos poderes públicos. O número de escolas é o mesmo de 20
anos atrás. Ao mesmo tempo, o número de indústrias e o comercio
diminuíram. Um bairro que era proletário passou a ser um bairro
dormitório. Ninguém trabalha aqui em Vigário ou em bairros vizinhos. Não
tem um posto médico: existe uma sala que eles chamam de posto médicos e
não tem vazão. Diminuiu a qualidade de vida dos moradores.
Foto: Otávio Magalhães
Fonte: http://www.brasildefato.com.br/node/25695
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