Política
Operação Lava Jato
Eduardo Cunha mentiu a deputados?
por André Barrocal
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publicado
01/05/2015 06h27
À CPI, ele negou participação em requerimentos suspeitos, mas registros da Câmara o contradizem
Zeca Ribeiro / Câmara dos Deputados
O presidente da Câmara, Eduardo Cunha
(PMDB), é alvo de um inquérito no Supremo Tribunal Federal pedido pela
Procuradoria Geral da República por suspeita de corrupção passiva e
lavagem de dinheiro. Um dos motivos para a desconfiança é a delação
premiada do doleiro Alberto Youssef na Operação Lava Jato.
Youssef descreveu uma tentativa de achaque praticada na Câmara contra
um empresário que teria suspendido o pagamento de propina a Cunha. Novos
indícios surgidos nos últimos dias aumentaram a suspeita e mereceram do
deputado explicações esquisitas.
Na terça-feira 28, o jornal Folha de S. Paulo
publicou uma notícia que liga Cunha à tentativa de extorsão relatada por
Youssef. Nos arquivos eletrônicos da Câmara, o deputado aparece como
autor do arquivo de Word que originou requerimentos propostos
para constranger uma empresa (Mitsui) e um lobista (Julio Camargo). Os
requerimentos foram apresentados na Comissão de Fiscalização e Controle
em 2011 pela então deputada Solange Almeida, aliada de Cunha no PMDB do
Rio.
Em entrevista convocada no mesmo dia para se defender,
Cunha tentou desqualificar o indício existente contra si. Disse que o
arquivo de
Word está datado de 10 de agosto de 2011, um mês após o
requerimento de Solange (de 11 de julho). E insinuou haver uma trama da
área de tecnologia da Câmara, pois ele teria mandado a repartição
cumprir uma jornada de oito horas diárias.
Na entrevista, o deputado anunciou a demissão do
diretor do setor de tecnologia, Luiz Antonio Souza da Eira. Bode
expiatório, Eira foi secretário-executivo do Ministério da Integração
Nacional quando a pasta era comandada pelo baiano Geddel Vieira Lima
(PMDB). O irmão de Geddel, deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA), é da
tropa de Cunha.
Na entrevista, o presidente da Câmara não explicou se
acredita que a suposta armação teria sido praticada em 2011 – e, neste
caso, por que razão teria sido usada contra ele tanto tempo depois – ou
se pensa que é algo de agora. Afirmou apenas ter ordenado a instauração
de uma investigação interna para apurar o ocorrido.
De acordo com Youssef, o ex-diretor da Petrobras
Paulo Roberto Costa firmou contratos de aluguel de sondas com as
companhias japonesas Samsung e Mitsui, e parte do dinheiro pago por elas
seria propina a Cunha. O suborno seria intermediado pelo lobista Julio
Camargo, da Mitsui. Quando Camargo teria parado de pagar, por
desentendimentos com a Samsung, Cunha teria decidido retaliar com
ameaças de investigar o lobista e a Mitsui.
Os requerimentos de Solange eram, de fato,
constrangedores para os implicados. Um requisitava ao Ministério de
Minas e Energia cópias de todos os contratos da Mitsui com a Petrobras. O
outro pedia ao Tribunal de Contas da União dados sobre auditorias nos
contratos. “Vários contratos envolvendo a construção, operação e
financiamento de plataformas e sondas da Petrobras, celebrados com o
Grupo Mitsui, contêm especulações de denúncias de improbidade,
superfaturamento, juros elevado, ausência de licitação e beneficiamento a
esse grupo que tem como cotista o senhor Júlio Camargo, conhecido como
intermediário”, dizia Solange na justificativa formal dos requerimentos.
Apesar do que escreveu há quatro anos, Solange depôs à
Polícia Federal recentemente e demonstrou não ter noção do que aconteceu
naquela época. Na transcrição do depoimento, a PF diz que a ex-deputada
“não se lembra de onde extraiu a motivação para formular o requerimento
relativo à Petrobras” e “que o tema desse requerimento não se inseria
em sua pauta de atuação parlamentar”.
Assessores de Cunha talvez possam refrescar a
memória da atual prefeita de Rio Bonito (RJ). Na entrevista da
terça-feira 28, ele admitiu a possibilidade de seus assessores terem
ajudado o gabinete de Solange a preparar a papelada em 2011. “O
fato de a deputada Solange, ou qualquer outro parlamentar do Rio, ter
utilizado serviços de funcionários nossos, é porque tínhamos servidores
compartilhados com a bancada do Rio nas comissões.”
De sua parte, Cunha recusou-se a prestar
depoimento à Polícia Federal no âmbito do inquérito no Supremo Tribunal
Federal. Limitou-se a comparecer, no dia 12 de março, à CPI da Petrobras
da Câmara, de forma espontânea, condição que o desobrigou de prestar
juramento de dizer somente a verdade. Ali, foi enfático: “Eu não fiz
qualquer requerimento a quem quer que seja.”
Se o presidente da Câmara não tiver dito a verdade aos colegas, seu mandato correrá sério risco.
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