Política
Paraná
O primo complica Beto Richa
O envolvimento de Luiz Abi Antoun em denúncias de corrupção complica a administração do tucano
por René Ruschel
Parente distante... Richa tenta se disvincular do primo, mas o passado está documentado
Dilma Rousseff tem uma companhia na amargura da baixa popularidade. Beto Richa,
governador do Paraná, vive o mesmo inferno astral. Entre dezembro e
fevereiro, a popularidade do tucano foi do céu ao chão: de 64% de
aprovação a 76% de rejeição. A mudança de humor do eleitor paranaense
deu-se após a frustrada tentativa da administração estadual de impor um pacote de medidas econômicas
que promovia um aumento de impostos e taxas, limitava os direitos
trabalhistas e abocanhava 8 bilhões de reais do fundo de Previdência do
funcionalismo. “O governo chegou ao fundo do poço”, avalia Murilo
Hidalgo, diretor da Paraná Pesquisas, responsável pela pesquisa.
Pela interpretação de Hidalgo, pior não
poderia ficar. Ou poderia? Uma sucessão de escândalos recentemente
revelados ameaça ainda mais a já carcomida imagem de Richa. O principal
personagem do enredo é Luiz Abi Antoun, primo do governador
e considerado eminência parda da administração paranaense. Antoun,
suspeita o Ministério Público, comandaria um esquema de fraudes em
licitações e
contratos para a manutenção de veículos oficiais, sonegação
de impostos e extorsão de empresários promovido por fiscais e auditores
estaduais.
Segundo Leonir Batisti, procurador de
Justiça e coordenador-geral do Grupo de Atuação Especial de Combate ao
Crime Organizado, uma série de operações revelou a extensão do esquema. A
primeira delas, batizada de Publicanos, teve início há cerca de nove
meses e foi motivada por denúncias de extorsão encaminhadas por
empresários ao Ministério Público. O líder seria Márcio de Albuquerque
Lima, inspetor-geral de Fiscalização da Receita estadual. Foragido da
Justiça, Lima costumava acompanhar o governador nas provas de
automobilismo realizadas em Londrina. Os procuradores não calcularam o
tamanho do prejuízo, mas a propina oscilaria entre 5% e 6% do valor
devido pela empresa. Na quinta-feira 26 de março, o Gaeco indiciou 23
suspeitos de participar do esquema, entre fiscais, auditores e
empresários.
Em janeiro deste ano, em outra operação, foi preso Marcelo
Caramori, assessor da Governadoria do Estado, sob suspeita de
participação em uma quadrilha de exploração sexual de crianças e
adolescentes. Ao ser detido, Caramori apresentou-se, diz o MP, como
“assessor do governador em Londrina”, além de mostrar uma tatuagem onde
se lia “100% Beto Richa”. Disposto a colaborar com a Justiça, o assessor
envolveu Antoun na história. Segundo ele, o primo de Richa seria o
“caixa financeiro” tucano, responsável por arrecadar dinheiro para
campanhas eleitorais. Foi além: Antoun teria organizado um esquema
criminoso sustentado pela nomeação de apadrinhados em “pontos
estratégicos” da estrutura do governo estadual e manteria um elo com
Lima, o foragido. Em novo depoimento em 5 de fevereiro, Caramori
reiterou as acusações.
A partir das delações do
assessor, o Ministério Público realizou em 17 de março a Operação
Voldemort e reuniu provas e indícios da participação de Antoun em
fraudes nas licitações para serviços de manutenção em veículos oficiais.
A Providence, uma oficina de propriedade do primo do governador,
apontam os procuradores, foi contratada em regime de emergência pelo
Departamento de Transporte Oficial do Estado do Paraná. Quando o
contrato expirou, outra empresa venceu a licitação, mas assinou um
acordo para subcontratar a Providence. Seria uma forma, descrevem os
procuradores, de manter o esquema de enriquecimento ilícito.
Depois de uma semana na cadeia, Antoun foi solto graças a
um habeas corpus do juiz substituto Márcio José Tokars, que nas redes
sociais se comporta como um militante do PSDB. A denúncia contra os
suspeitos, entre eles o primo de Richa, foi, no entanto, aceita por
outro magistrado, Juliano Nanuncio, da 3ª Vara Criminal de Londrina. E
ele e outros sete acusados viraram réus.
O governador se defende e diz combater a corrupção. Cita
como prova a demissão de 14 servidores da Receita estadual durante o seu
primeiro mandato. Descreve Antoun como um “parente distante” com quem
mantinha relacionamento “apenas social”. Sua campanha, afirma, teve uma
equipe responsável pela arrecadação financeira e o primo “jamais fez
parte do grupo”.
Imagens e informações recentemente divulgadas enfraquecem os argumentos do tucano. Quando deputado estadual, Richa
nomeou o primo como assessor de seu gabinete. Em 2009, então prefeito
de Curitiba, ele aparece ao lado de Antoun durante uma visita ao
ex-premier do Líbano Said Hariri. Em outra foto, a comitiva posa ao
redor de uma mesa no convés de um iate, o Lady Y, de 62 pés, com
seis suítes e avaliado em 30 milhões de dólares. Nas imagens, a relação
parece bem mais estreita do que admite o governador.
Para Daniel Godoy Junior, presidente da Comissão da
Verdade na Ordem dos Advogados do Brasil, seção Paraná, a corrupção
permeia todos os escalões da vida pública brasileira. “O descrédito da
sociedade com os homens públicos e partidos políticos é generalizado.
Sem uma reforma política que estabeleça o financiamento público de
campanha, acredita, a corrupção será retroalimentada pelo dinheiro de
empresários que financiam as eleições. O criminalista e professor de
Direito Penal da Universidade Federal do Paraná, Francisco Monteiro
Rocha Junior, defende a tese de que a questão fundamental não está
apenas em apontar os responsáveis pelos crimes, mas vinculá-los aos
responsáveis pelos “atos de decisão”. “Os principais responsáveis pela
corrupção no Brasil não são os que executam, mas quem decide e não
aparece.”
*Reportagem publicada originalmente na edição 844 de CartaCapital, com o título "O governador e o primo"
Nenhum comentário:
Postar um comentário