Impostometro

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Renzi e Berlusconi juntos

Renzi e Berlusconi juntos

Fisaccesi
A anunciada reforma trabalhista quebra a aparente unidade no seio do Partido Democrático, já que 54% dos italianos acham que com a anulação do Artigo 18 do Estatuto dos Trabalhadores as empresas poderão desempregar como e quando quiserem
Por Achille Lollo
De Roma (Itália)
Em fevereiro, o programa de gover­no de Matteo Renzi apresentava uma re­forma trabalhista para reformular mui­tas leis que criaram 47 formas de con­tratos de trabalho, alimentando assim as opções pela ilegalidade (trabalho no mer­cado negro sem contrato) ou fragmen­tando ainda mais a qualidade da ocupa­ção, com contratos temporários (semes­trais, mensais e até semanais).
A princípio, a reforma deveria abo­lir a celerada “Lei Fornero” do governo Monti, que no lugar de abrir o mercado de trabalho aos jovens, na realidade, li­quidou os trabalhadores que estão na fai­xa etária de 50/60 anos, ampliando ain­da mais o contingente dos ditos “precá­rios”, que são condenados a permanecer sem contrato de trabalho efetivo.
Fato é que tais propostas ficaram no ar como simples intenções, ao passo que o primeiro-ministro Matteo Renzi e o líder de Força Itália, Silvio Berlusconi, realiza­vam um acordo político que comportava a introdução de sérias modificações no programa da Reforma do Trabalho.
Nesse âmbito surgiu a proposta de su­primir o Artigo 18 do Estatuto dos Tra­balhadores, que é a última lei trabalhis­ta que não foi modificada nos últimos 15 anos pelos governos direitistas liderados por Berlusconi.
A reação do Movimento Cinco Estrelas na Câmara dos Deputados e nas ruas foi imediata. De fato, seu líder, Beppe Grillo, ao promover um protesto de rua disse: “Durante os últimos 40 anos os empre­sários disseram que o Artigo 18 devia ser abolido por ser um entrave aos investi­mentos. Depois, todos os governos que Berlusconi chefiou tentaram suprimir es­se artigo, porém o PD (Partido Democrá­tico) sempre fez oposição permanecendo ao lado dos trabalhadores. Agora, Renzi, que precisa dos votos dos parlamentares direitistas do Força Itália para sustentar a sua maioria, fez um acordo em segredo com Berlusconi dando, em
troca da sus­tentação no Parlamento, 30 anos de his­tória e de lutas dos trabalhadores. Quer dizer: o que Berlusconi nunca conseguiu fazer, agora, foi realizado por Renzi. É claro que os empresários e as transnacio­nais aplaudem”.
O cenário torna a situação no mundo sindical mais complexa, na medida em que a Confederação Geral Italiana do Trabalho (CGIL) já se manifestou contra a decisão do governo, enquanto a Confe­deração Italiana Sindicatos dos Traba­lhadores (CISL) apoia abertamente Ren­zi e a União Italiana do Trabalho (UIL) ainda não definiu oficialmente sua posi­ção, já que a direção está praticamente dividida quanto a este assunto.
A CGIL, em um comunicado da secre­taria, logo alertou o governo que ela não admite modificações do Art. 18, avisando que se o governo continuar por esse ca­minho a CGIL vai optar pela greve geral em outubro.
Por isso, Susana Camusso, secretária­-geral da CGIL não teve dúvida em dizer que “o futuro mais próximo dos nossos jovens que esperam poder trabalhar está cada vez mais nebuloso, já que ninguém sabe o que, de fato, esse governo quer fa­zer. A CGIL é contra a revisão do Art. 18 porque esse é um ataque gravíssimo con­tra todos os trabalhadores na medida em que o crescimento econômico se alcança realizando uma ampla reforma econômi­ca e infra-estrutural e não intervindo no mercado do trabalho com a abolição do Art. 18 para permitir que as empresas de­sempreguem livremente”.
Confusão no PD
Desde março de 1970, os partidos que representam os interesses das transna­cionais e do empresariado italiano que­rem acabar com a legislação trabalhis­ta do Estatuto dos Trabalhadores, por defender em absoluto os interesses dos trabalhadores. Uma bandeira que o en­tão PCI logo ergueu, inclusive porque esse fato lhe permitiu reconquistar o vo­to da classe operária e dos trabalhado­res em geral desmotivados com a pro­posta do Compromisso Histórico.
Tal posicionamento se manteve tam­bém quando o PCI se transformou em PDS e depois em PD, visto que o Estatuto dos Trabalhadores não foi uma “regalia” oferecida pelo Estado. Foi, sim, resultan­te de um período de lutas que se transfor­mou em lei somente quando os trabalha­dores italianos ganharam a batalha polí­tica após terem desafiado o capitalismo italiano durante dois longos anos de lu­tas, com greves, manifestações e, sobre­tudo, com ocupações das fábricas e das universidades.
É necessário dizer que foram tam­bém dois anos de dura repressão por parte de um Estado cada vez mais con­trolado pelos grupos da Democracia Cristã para manter a Itália dentro da lógica da dependência imperialista, se­ja ela tanto estratégica quanto econô­mica e financeira.
Por outro lado é necessário lembrar que foi nesses dois anos que os grupos que monopolizavam os palácios do po­der abriram as portas aos clãs mafiosos para garantir ao governo um “assenso majoritário no sul da Itália”, enquanto na capital e nas grandes metrópoles das regiões industriais do norte e do centro, os serviços de inteligências foram au­torizados a materializar um “Plano B”, com uma série de operações planejadas para quebrar o avanço das esquerdas e, em particular, a afirmação da “autono­mia da classe operária” em todas as fá­bricas do norte e do centro norte.
Um “Plano B” que apresentava mui­tas vertentes, do tradicional e truculento golpe de Estado com a participação das organizações neofascistas, à sofisticada cooptação midiática e política de sindica­listas e de deputados de centro-esquer­da em oposição ao “nascente esquerdis­mo”. Uma cooptação que depois da men­sagem política do golpe do Chile evolui­ria no PCI, com o chamado “Compromis­so Histórico”, de Enrico Berlinguer.
Por conta do peso político e pelo fato de mexer com a vida de milhões de tra­balhadores, o PD nunca se atreveu em pôr em discussão o Art. 18. De fato, acei­tar as propostas do empresariado teria significado perder a confiança e o voto dos trabalhadores que nos últimos dez anos começaram a desertar a militân­cia, mantendo, apenas, o vínculo eleito­ral com o PD.
Por isso, a chamada “velha guarda”, li­derada por Massimo D’Alema, Pierlui­gi Bersani, Giuseppe Civiati e pelo jovem Stefano Fassina, foi duramente atacada por Matteo Renzi e consequentemente desqualificada por toda a mídia por ame­açar não votar no Parlamento a abolição do Art. 18.
É evidente que essa questão foi a gota que fez entornar o copo no seio do PD, já que os contrastes políticos e, também, ideológicos não são poucos. Trata-se, en­fim, de uma confrontação política entre os “liberais de Matteo Renzi” e a dita “ve­lha guarda social-democrata” que, agora, personifica duas concepções políticas di­ferentes, que, na realidade, podem che­gar ao surgimento de dois novos parti­dos. Aliás, alguém afirma que esses dois partidos já existem em “off” disputando o “aparelho” do próprio PD.
De olho nos EUA
Enquanto na Itália multiplicam-se os opositores a uma Reforma do Trabalho que vai acabar com o Art. 18 do Estatu­to dos Trabalhadores, o primeiro-mi­nistro Matteo Renzi foi aos EUA para se conciliar, por um lado, com os republica­nos (George Shultz e Condoleezza Rice) e, por outro, com os democratas (Bill e Hillary Clinton), além de tornar público o “namoro político” com o administrador delegado da FIAT-Chrysler, Sergio Mar­chionne, que foi quem desafiou a legisla­ção trabalhista italiana, desempregando apenas os sindicalistas e os delegados de fábricas da FIOM-CGIL, além de intro­duzir o “contrato de trabalho FIAT”, que desqualifica o tradicional contrato nacio­nal dos metalúrgicos.
A sequência de encontros que Renzi manteve, em San Francisco, com os em­presários do Silicon Valley e depois em Detroit com Marchionne e os principais banqueiros (ou seria melhor dizer espe­culadores) de Wall Street, na realidade, foi uma artimanha do marketing político que há dois anos construiu o sucesso mi­diático de Renzi, fortalecendo sua ima­gem política.
De fato, ter dialogado, ao mesmo tem­po, com Shultz e Rice e depois com Bill e Hillary Clinton, antes de ir à Assembleia da ONU, para contar a fábula que os ita­lianos escutam desde fevereiro, foi uma jogada de mestre, visto que a mídia es­tadunidense homenageou bastante Ren­zi – não por ser um líder inovador mas, simplesmente, por se ajoelhar ao Impé­rio e reverenciar todos os seus líderes.
Enfim, algo que foi feito não para im­pressionar os estadunidenses, mas para convencer os italianos de que ele é bem protegido e, por isso, agora, é ele que manda. É claro com o apoio de Berlus­coni, sem o qual o governo Renzi já te­ria caído.
É evidente que uma agenda desse tipo não foi improvisada na véspera de em­barcar para Nova York. Houve contatos e um planejamento por parte do “gru­po oculto do PD” que escolheu datas, lo­cais e participantes para obter na Itália o chamado “efeito espelho”, no preciso momento em que começava o debate so­bre a abolição do Artigo 18 e, sobretudo, quando explodia o conflito com a CGIL e os trabalhadores em geral.
Para muitos comentaristas, essa via­gem de Renzi aos EUA foi a última que ele fez como líder de um PD unificado, visto que a declarada efusão de inten­tos e de projetos com Sergio Marchion­ne enterraram, de vez, a aparente unida­de que poderá explodir de forma definiti­va quando a situação deficitária e a reces­são obrigarão o governo a pedir a inter­venção da Tríade (FMI, Banco Mundial e Banco Central Europeu),com as conse­quências que todo o mundo conhece.
De fato, Mario Draghi, presidente do Banco Central Europeu, alertou Ren­zi ao lembrá-lo que a dívida pública no­vamente extrapolou os níveis, enquan­to o crescimento econômico permanece no nível “0”.
Achille Lollo é jornalista italiano, correspon­dente do Brasil de Fato na Itália e editor do programa TV “Quadrante Informativo”.

Fonte:http://www.brasildefato.com.br/node/29930

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