60 anos do golpe da CIA na Guatemala
“A
memória individual e coletiva dos guatemaltecos é demasiado curta; a
violência política e os meios de ideologização institucional e de
comunicação apontam até a sua destruição, bem como da subjetividade,
para torná-los altamente vulneráveis ao consumo compulsivo e às
políticas do capital financeiro que se ocultam por trás da chamada
globalização“.
Com este alerta, o livro “Guatemala: História de
uma década”, de Gustavo Lapola (Editorial Estudiantil Fênix, 2006),
analisa a revolução de 1944-1954 no país centro-americano como um
valioso processo que, por meio da reforma agrária e de incentivos à
industrialização, enfrentou as “oligarquias tradicionais, parasitárias e
racistas” a serviço do imperialismo estadunidense.
A reflexão é
mais do que oportuna para lembrar o 27 de junho, data em que a Guatemala
recorda os 60 anos do golpe de Estado. Naquele dia, para defender os
interesses da United Fruit Company (UFCO), um exército de mercenários
treinado e armado pelos EUA derrubou o presidente constitucional, Jacobo
Árbenz, inaugurando um ciclo de terrorismo de Estado com mais de 250
mil mortos e desaparecidos.
Reunindo diversos autores, o livro
traz uma importante denúncia sobre a relação incestuosa entre o governo
estadunidense e as
corporações que sangravam o país maia como a UFCO, a
International Railway of Central America (IRCA) e a Empresa Elétrica de
Guatemala, Sociedade Anônima (EEGSA) – subsidiária da Electric Bond and
Share.
Denunciando a campanha difamatória dos meios de difusão,
“prostituídos e convertidos em instrumento de mentira e calúnia” para
justificar a invasão imperialista, o livro reproduz o discurso do
chanceler guatemalteco Guillermo Toriello Garrido, em que demonstrava as
raízes dos ataques. “As respostas são simples e evidentes: o plano de
libertação nacional que está realizando com firmeza meu governo teve de
afetar os privilégios das empresas estrangeiras que estavam freando o
progresso e o desenvolvimento econômico do país. Com a rodovia do
Atlântico, além de comunicar as zonas importantes de produção que
atravessa, estamos rompendo o monopólio do transporte interior até os
portos que agora têm as Ferrovias Internacionais de Centro América
(empresa controlada pela UFCO). Facilitaremos assim à nação acrescentar e
diversificar seu comércio exterior através do uso de mais transportes
marítimos distintos da Frota Branca, também pertencente à United Fruit
que, pelo momento, controla este instrumento essencial de nossas
relações comerciais internacionais. Com a realização do plano de
eletrificação nacional, colocaremos fim ao monopólio estrangeiro da
energia elétrica, força indispensável para nosso desenvolvimento
industrial, detido pela carestia, a escassez e as deficiências
distributivas desta importante linha de produção. Com a reforma agrária,
estamos liquidando os latifúndios, inclusive os da mesma United Fruit
Company. Numa política de dignidade, nos negamos a ampliar as concessões
desta companhia. A condicionamos ao respeito a nossas leis, aos
investimentos e temos recobrado e mantido uma absoluta independência em
nossa política exterior”.
Quando a ocasião requeria, a UFCO
simplesmente suspendia os serviços marítimos e as escalas nos portos da
Guatemala, como medida de “coação” para ganhar posição no “mercado”.
“Depois das 20 horas, toda Guatemala, inclusive o governo, ficava
privado de comunicação telefônica internacional, porque assim
determinava a empresa. A EEGSA podia impor ao seu prazer as tarifas
preferenciais, violando as disposições legais que o proibiam”, esclarece
Toriello Garrido, demonstrando a que nível chegava a submissão dos
governos títeres.
Assim, a promulgação da Constituição de 1945,
do Código de Trabalho e da Lei de Segurança Social representaram ações
de enfrentamento do governo de Árbenz contra os que violavam
costumeiramente as leis do país. Imensas zonas de plantação de banana da
UFCO vinham sendo subtraídas da soberania da Guatemala, nas que exercia
“poder de polícia e justiça particulares”, explica Alfonso Solórzano,
sempre “combinando a pressão diplomática e a ameaça militar com a
corrupção e a repartição de alguns benefícios marginais”.
Diferentemente
dos governos serviçais, Árbenz fez cumprir a lei de reforma agrária,
que determinava que deveria ser pago em compensação pelas terras ociosas
expropriadas o mesmo valor que seus proprietários haviam declarado ao
fisco. Desta forma, ainda que não fosse esta a sua finalidade, a
aplicação da lei também se convertia numa justa sanção, numa bomba no
colo da UFCO. Prontamente o governo dos EUA lançou uma nota alertando
que tal decisão tornaria “impossível a continuidade das operações da
United Fruit Company”.
Para se ter uma ideia da importância desta
lei e de seu impacto na melhoria da qualidade de vida da população, o
censo agropecuário de 1950 aponta que os pequenos camponeses com
extensões menores de 3,5 hectares – a maioria deles na qualidade de
simples arrendatários – representavam 72% da soma dos produtores
agrícolas, possuindo em seu conjunto somente 9% da superfície total das
terras. Por outro lado, 2% dos proprietários concentravam 78% das
terras. Um ano e meio após a aplicação da reforma agrária, um quarto das
terras já havia sido distribuída conforme os critérios de “função
social” da propriedade, começando a virar a página da “dependência
semicolonial e semifeudal”.
Toriello Garrido frisa que em janeiro
de 1953 a administração dos Estados Unidos sofreu uma transformação que
resultou “catastrófica” para o conjunto dos nossos países: “a temida
ascensão do Partido Republicano, símbolo da ‘má vizinhança’, expressa,
em detrimento da América, em múltiplos atropelos e intervenções
constantes, e sintetizada na política de big stick (grande porrete) e na
‘diplomacia do dólar’, característica da ação insolente e obscena do
imperialismo”. “As cabeças visíveis da nova administração republicana
foram: o presidente general Dwight Eisenhower; o vice-presidente,
Richard Nixon; o secretário de Estado, John Foster Dulles, e o chefe da
CIA, seu irmão, Allan Dulles. Os dois poderosos irmãos Dulles eram
membros da firma de advogados Sullivan & Cronwell há muitíssimos
anos. O próprio John Foster Dulles havia redigido os contratos de 1930 e
1936 entre a United Fruit Corporation e o regime de Ubico. Para a
subsecretaria de Assuntos Interamericanos foi nomeado John Moore Cabot.
Como chefe da delegação permanente dos Estados Unidos ante as Nações
Unidas, foi designado seu primo Henry Cabot Lodge, ambos membros dos
Cabot, de Boston, onde está a sede do império da banana, e a família
Cabot tem estado desde há muitíssimo tempo ligada intimamente aos
interesses da UFCO. Em Boston, há um ditado popular a propósito destas
famílias: ‘Os Lodge somente falam com os Cabot e os Cabot somente com
Deus’. A este respeito não seria para nós nenhum enigma perguntar-nos
com quem falariam agora os Cabot Lodge; naturalmente, com a UFCO”.
Em
tempo de “fundos abutres”, de drones e financeirização à escala
planetária, soa mais do que atual o questionamento feito há seis décadas
por Toriello: “Quem é o árbitro que pode determinar quando a
intervenção é justa e se realiza sobre princípios morais e jurídicos
inquestionáveis e quando, pelo contrário, persegue propósitos
imperialistas?...Frequentemente se esquece que alguns ‘investidores‘ são
a principal causa do atraso em que alguns países se encontram”.
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