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quarta-feira, 28 de maio de 2014

Clécio Luís: “Eu não fui para o PSOL construir o PSTU do B”

Política

Entrevista

Clécio Luís: “Eu não fui para o PSOL construir o PSTU do B”

Em Macapá, o primeiro prefeito do partido elogia programas federais e faz parceria com empresas. A CartaCapital, ele conta os limites de um socialista na prefeitura e reivindica o legado petista
Em 2010, o sindicalista Clécio Luis foi eleito prefeito de Macapá e se tornou o primeiro militante do partido a comandar o poder Executivo em uma capital. Um ano e meio depois, o prefeito recebeu a reportagem deCartaCapital para discutir como está sendo a experiência do partido. Leia abaixo trechos da entrevista:
Clécio Luís
Clécio Luis é o primeiro militante do partido a chegar em uma  prefeitura

CartaCapital: O senhor ganhou a eleição em Macapá sofrendo críticas de militantes do seu partido por ter recebido o apoio de legendas como o PTB e doações de empresas. Mas tornou-se o primeiro prefeito eleito em uma capital no país. Ao que atribui essas críticas? Existe uma diferença entre o cenário que o senhor encontra na cidade e o enfrentado pelo PSOL nacionalmente?
Clécio Luís: O PSOL tem que entender as diferenças regionais, entender os “Brasis” para se auto-afirmar como um partido nacional. Não há uma receita pronta para a militância que se aplique da mesma forma em São Paulo e no Amapá. Seria muito ruim que a gente tivesse um discurso aqui que debatesse apenas grandes temas brasileiros e esquecesse da nossa realidade, como o esquerdismo quer fazer. Por exemplo: você vai numa reunião em Pracuúba, o menor município do Estado. As pessoas estão de pé no chão, descalças. Lá, tudo é muito mais difícil, o dia a dia é o que importa. Se você chegar lá e fizer um discurso da dívida externa, você fala em uma frequência que o povo não te ouve. Ou seja, nós ficamos atentos a essas peculiaridades e por isso há um nível maior de sucesso no diálogo com o povo.
CC: Sua postura na prefeitura entra em contradição com bandeiras do partido. O PSOL, por exemplo, é crítico à Lei de Responsabilidade Fiscal. Mas o senhor teve de fazer cortes orçamentários para cumpri-la. Isso seria uma das peculiaridades que o senhor se refere?
CL: Isso é um debate nacional que tem de continuar, e o PSOL tem legitimidade para mudar e criticar a LRF. Agora, eu não posso fazer isso como prefeito. Não sou o prefeito do PSOL, sou um prefeito que foi eleito dentro dos marcos legais vigentes. Posso questioná-los, mas se eu não cumpri-los vou ser condenado igual a prefeito de direita. E depois de condenado, não faz diferença se eu sou de direita ou de esquerda.
CC: Isso é um argumento igual ao que o senhor usou ao
receber doações de empresas durante a sua campanha eleitoral. Uma das bandeiras do PSOL é o financiamento público de campanha....
CL: Olha, aqui nós temos um bom diálogo com o empresariado local. Mas é um empresariado pequeno. O empresariado grande daqui é o pequeno do Brasil inteiro. Então, se aplica a mesma questão da LRF: esse é um debate que tem que continuar, mas nós aceitamos as pequenas doações de empresários e isso foi muito importante aqui para nos elegermos.
CC: Mesmo em um partido socialista, o senhor manteve uma Parceria Público-Privada para fazer o mapeamento de lotes fundiários na cidade, entregando este serviço a uma empresa privada. Por quê?
CL: É um negócio que nós levaríamos muitos anos para fazer, não teríamos recursos próprios. Então nós dissemos ‘toca a PPP, vamos pagar o desgaste, vamos continuar.’ Porque a gente não teria condição de fazer esse trabalho e depois legitimar os mapas. Eu sou muito acusado por causa disso, mas acho que está valendo a pena.
CC: O senhor usou o argumento de que, como a prefeitura não dá conta de uma atividade, ela deve ser entregue à iniciativa privada. Isso não é o mesmo argumento para defender, por exemplo, o leilão do pré-sal nos Campos de Libra ou mesmo as privatizações em geral?
CL: A diferença é que o petróleo não é um serviço, é um patrimônio, é um ativo de um setor estratégico. Uma coisa é você entregar o petróleo à iniciativa privada, outra coisa é você fazer uma PPP e dar um percentual para uma empresa oferecer um serviço que a prefeitura não conseguia oferecer. Não estou pegando meus ativos e colocando na mão da iniciativa privada.
CC: No caso da habitação, mais de três mil unidades do Minha Casa Minha Vida devem ser entregues na cidade até o final do seu mandato. O programa foi criticado inclusive por militantes do PT, por entregar a construção à iniciativa privada. O senhor apoia o programa?
CL: O Brasil testou muitas metodologias fracassadas de programas habitacionais. O modelo do Minha Casa Minha Vida é bom para municípios pequenos e pobres. Com nosso orçamento, não teríamos a menor condição de construir habitação popular, nós não teríamos marco jurídico eficiente para fazê-lo. Então, por isso, nós corremos atrás. O programa é do governo federal, é da Dilma, mas eu fiz festa aqui. Para cidades como Macapá, é um programa muito bom.
CC: O senhor faz parcerias com a iniciativa privada e usa diversos programas federais criticados pelo seu partido.  Então, no que a sua administração é diferente de um governo petista?
CL: Primeiro, eu não fui para o PSOL negar a minha história, jogar no lixo a minha militância no PT ou construir o PSTU do B. Nós reivindicamos a nossa herança para trás, que foi no PT. A nossa divergência interna não permitiu mais o convívio interno partidário. Eu queria abordar de outra forma: o que nós não faremos igual ao PT é nos submetermos totalmente à ordem vigente. Nós não vamos esquecer aquelas bandeiras que são princípios, que não podem ser abandonadas.
CC: Quais bandeiras?
CL: A luta contra corrupção é uma delas. Tinha um slogan do PT, na década de 1990, que dizia: combater a corrupção e melhorar a vida do povo. Também há o Congresso do Povo, que é um aperfeiçoamento do que era o orçamento participativo. É a experiência que o PT teve em prefeituras como Belém e Porto Alegre, mas melhorada. Fizemos um amplo processo de mobilização e nivelamento de informação. O que é a prefeitura? Qual é o seu papel? Como funciona o orçamento? Basicão, o bê-á-bá. O resultado foi extraordinário. E depois colocamos o povo para fiscalizar a administarção.
CC: Mas este mecanismo de participação popular, dentro do atual sistema partidário, não esbarra no processo legislativo? O senhor tem governado com a maioria, com partidos como o PROS e o PR. Como o senhor consegue aprovar projetos?
CL: O principal fator é pressão popular. Nós mandamos poucos projetos para a Câmara. Mas nós só mandamos quando tinha algum nível de debate e consenso popular. Também existem particularidades do Amapá. Alguém do PSOL dificilmente cruza com o seu opositor do DEM nos lugares onde vai em um estado como São Paulo. Aqui, a gente cruza com todo mundo no boteco, no supermercado, na quermesse. Essa relação cria essas peculiaridades. Falo muito isso dentro do PSOL: o ativista orgânico de direita do DEM em SP não é o mesmo do filiado do DEM lá no interior de Tartarugalzinho [cidade no interior do Estado]. O daqui não tem essa convicção de direita, conservadora. Eu procuro usar isso a meu favor.
CC: Mas o senador Randolfe Rodrigues, do Amapá, está tentando ser candidato à presidência. Como se governa em um lugar maior desta forma?
CL: Criou-se um conceito artificial de governabilidade. O PT abriu mão de governar com pressão popular, movimentos sociais, mobilização permanente. Então, acho que é possível governar com um processo permanente de mobilização. O Congresso do Povo é permanente, por exemplo. Além disso, quero que o PSOL seja um partido radical, firme, com lado na sociedade. Mas também precisa ser um partido do diálogo. Isso não pode ser confundido com fisiologismo e entreguismo. Mas é claro, não vai ser um passeio. Se você ordena um orçamento invertendo prioridades, aqueles que se beneficiavam dele não vão ficar rindo.
CC: O senhor se considera socialista e tem esbarrado nas possibilidades da prefeitura, feito concessões, governado com apoio de empresas. Diante dessas restrições, ainda acha que a via institucional é a melhor para causar mudanças?
CL: A via institucional não pode ser a única, tem que ter movimento social, sindicato, outras frentes. Mas a via institucional, especialmente os mandatos, são fundamentais, porque nós estamos disputando poder. Estamos disputando orçamento público. Não tem mais guerrilha no Brasil, a via armada não foi bem sucedida e teve um momento histórico para isso. Mesmo que você combata pontos da institucionalidade, ela é a via importante.
 

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