Por trás das batalhas de Kiev
Trandalov/CC
Oposição alimenta a revolta e a extrema-direita enfurece os manifestantes na capital ucraniana
29/01/2014
Achille Lollo
de Roma (Itália)
Na
capital, Kiev, o ex-campeão do mundo de boxe, Vitalj Klitcho, tentou
assumir a liderança do movimento de oposição, empurrando os
manifestantes contra as forças policiais para pedir a renúncia do
presidente Yanukovich. Foi nesse âmbito que os grupos paramilitares da
extrema-direita desfraldaram na Praça Maidan as bandeiras nazistas. Um
fato que todos viram, menos a mídia europeia.
O que está
acontecendo na Ucrânia parece um roteiro de um filme de ficção política,
onde cada acontecimento é teleguiado por diferentes grupos de
excelência, cujo objetivo é conseguir uma reação violenta da polícia de
choque que há quase dois meses está atenta em não cair nesta armadilha
política.
De fato, se a polícia reagisse disparando e matando
manifestantes – tal como está acontecendo no Egito – todos os
chanceleres da União Europeia e o próprio Obama subiriam nos palanques
para defender “a revolução laranja”, pedindo a renúncia do atual
governo, chefiado por Mykola Azarov e, antes de tudo, a renúncia do
presidente Yanukovich.
Diferentemente do que muitos esperavam em
Bruxelas, em Londres e em Washington, a polícia limitou-se a manter o
controle nas ruas em volta dos ministérios e enquanto ocorriam as
manifestações, o exército ficou de
prontidão em torno das 23 centrais
nucleares. Uma medida tomada, no domingo (26), pelo ministro do Interior
, Vitalj Zakharchenko, visto que no sábado os grupos paramilitares
instigavam os manifestantes a ocupar o ministério da Energia e invadir o
Departamento de Operações e Controles para fechar os gasodutos que
permitem a Rússia exportar o gás na direção dos países da União
Europeia. A desastrada tentativa de invasão foi repelida pelo próprio
Ministro da Energia que alertou os manifestantes, explicando que
qualquer danificação no sistema operacional do referido Departamento
podia provocar o blackout em todo o país.
É evidente que
a tentativa de provocar um desastre energético não foi casual. Essa foi
uma das tantas iniciativas eversivas que os grupos paramilitares – na
sua maioria neofascistas e neonazistas – estão tentando ativar para
obrigar a União Europeia a impor sanções ao governo da Ucrânia,
obrigando o presidente Yanukovich a pedir as demissões.
Neste
contexto, a extrema-direita e os três partidos da oposição conseguiram
sublevar somente a parte da Ucrânia “etnicamente europeia”, realizando
imponentes manifestações na capital Kiev e, a seguir, nas cidades de
Sumy, Cernivci, Vinnycja, Rivne, Lutsk, Ternopil, Leopoli e Chernivitsi.
Porém, permanecem fiéis ao presidente Yanukovich as cidade do sul e do
centro-sul “etnicamente eslavas”; nomeadamente: Odessa, Sebastopoli,
Marhanets, Doneck, Kharkiv, Zitomir e Dnipropetrovsk. Um contexto que
surpreendeu as excelências da eversão (destruição), visto que a revolta,
aparentemente, implodiu na capital Kiev, porque o primeiro ministro,
Mykola Azarov, havia rejeitado o protocolo de adesão à União Europeia.
Extrema-direita
O
principal objetivo dos grupos paramilitares foi alcançado nas últimas
duas semanas transformando as grandes ruas da capital Kiev em um campo
de guerra, onde os simpatizantes dos três partidos da oposição logo
apoiaram as tentativas dos grupos neonazistas em recorrer à violência
para provocar a queda do governo. “Uma posição que, na realidade, vem
contrariando o teor político dos debates realizados na Praça Maidan, que
não previam uma ruptura política violenta, mas, sim, um acordo para
reformular as” leis anti-motim” que o presidente Yanukovich havia
introduzido na Constituição e as medidas negacionistas do
primeiro-ministro Mykola Azarov, em relação a adesão à União Europeia.
De
fato, o presidente Yanukovich, na sexta-feira, havia, praticamente,
aceitado as reivindicações formuladas pelos três líderes da oposição e
oferecido a Arsenij Yatsenjuk – ex-ministro da Energia e líder do
partido da milionária Yiulia Tymoshenko, atualmente presa por fraude à
receita – de chefiar o novo governo.
Porém, para evitar esse
acordo, na tarde do sábado (25), os grupos paramilitares se apoderaram
da Praça Maidan e assumiram a liderança autoproclamando- se “Guardiões
da Praça da Revolução” . Por outro lado, no centro da capital, na Rua
Kresahatyk, o boxeador Vitalj Klitcho desfrutava seu poder midiático,
por ter sido campeão do mundo, para empurrar os manifestantes contra o
Parlamento e o prédio do Conselho dos Ministros pedindo a imediata
renúncia do presidente Yanukovich e a realização de novas eleições.
Duas
ações, praticamente combinadas que inviabilizaram o acordo com
Yanukovich, obrigando os três líderes da oposição a se afastar da mesa
das negociações, além de dever aceitar em silêncio o desenrolar das
bandeiras nazistas por parte dos “Guardiões” na Praça Maidan. Um
contexto complicado para a mídia europeia que somente agora se deu conta
que no momento em que enfatizava a queda de Yanukovich por ter
rejeitado a adesão à União Europeia e por não respeitar os direitos
humanos, na realidade, estava legitimando a formação de uma oposição
virtualmente ligada aos grupos paramilitares neofascistas e neonazistas.
De fato, é evidente que quem está financiando as atividades dos
“Guardiões” neofascistas e neonazistas, é o mesmo que em novembro
financiou as manifestações para a adesão a União Europeia. Isto é, os
agentes da milionária Yiulia Tymoshenko, que poderá sair da prisão
somente com a queda do presidente Yanukovich.
Incerteza
Diante
da baderna provocada pelos “Guardiões” neonazistas na capital Kiev e,
sobretudo, diante da incapacidade do líder da oposição, Arsenij
Yatsenjuk, em controlar a oposição e direcionar os acontecimento em
direção de uma mudança não violenta, a incerteza política tomou conta do
Parlamento Europeu, inclusive porque a simples questão da adesão
econômica à UE, agora se transformou em um grave problema geopolítico
que, como aos tempos da guerra fria, mexe com a geoestratégia da Rússia e
da Bielorússia.
Um contexto político que pode explodir a
qualquer momento dividindo a Ucrânia em dois, além de criar um grave
problema energético para alguns países europeus, visto que as forçadas
demissões do presidente Yanukovich podem inviabilizar os recentes
acordos que este assinou com o presidente da Rússia, Vladimir Putim,
nomeadamente: o desconto sobre o preço do gás fornecido o empréstimo de
15 bilhões de dólares à taxas reduzidas que o Banco Central da Rússia
entregou a seu homólogo ucraniano.
Apesar disso tudo, entre as
lideranças da União Europeia prevaleceu a tendência de impor ao governo
da Ucrânia sanções caso o presidente Yanukovich continuar no poder em
função da sustentação política da Rússia. Foi, portanto, nesse contexto
que o alemão Martin Schulz, presidente do Parlamento Europeu, tomou a
iniciativa em atacar Yanukovich e inverter os acontecimento ao dizer:
“Quem avança com a violência provoca a perda da confiança e por isso não
devemos excluir a adoção de sanções da UE contra a Ucrânia.” Também o
presidente do Conselho Europeu, o belga Herman Van Rompuy, admitiu no
sábado “a possibilidade da UE decretar sanções econômicas contra a
Ucrânia, caso o governo não aceite dialogar com a oposição.”
O
problema é que hoje há uma oposição, manipulada pelos neofascistas e os
neonazistas, que faz de tudo para que não haja nenhum tipo de diálogo ou
de negociação com o governo. Uma oposição que excluiu do diálogo aquela
outra metade da Ucrânia que disse não a União Europeia e que votou em
Yanukovich.
Posições que revelam o desenho geoestratégico da União
Europeia, com base no qual tudo o que está acontecendo na Ucrânia, na
realidade, faz parte do longo processo de desagregação política,
econômica, diplomática e sobretudo geoestratégica que a OTAN empreendeu
na Ucrânia e na Bielorússia com o objetivo de enfraquecer a Rússia e
reduzir, assim, sua influência na região.
De fato, o Comissário
para a ampliação da UE, Fuele e a própria ministra das Relações
Exteriores da União Europeia, Catherine Ashton, não disseram uma única
palavra sobre as 15 execuções de policiais que os manifestantes
realizaram durante e após as manifestações de sábado. Aliás, o próprio
Comissário Fuele que esteve em Kiev, nada disse sobre a presença dos
grupos neonazistas e o planejamento de destruição que os líderes desses
grupos fizeram para provocar a polícia com armas da fogo, além dos
tradicionais coquetéis molotov.
Um conceito belicista que
ficou mais evidente na segunda-feira (27), nos debates realizados no
âmbito da cúpula Espanha-Itália, onde dois os primeiros ministros
reafirmaram a retórica de Martin Schulz dizendo que “a União Europeia
não aceita a repressão, motivo pela qual vai usar as sanções econômicas
para impedir sua realização”
Fonte: Brasil de Fatos
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