Desafios da democracia
Luciana Taddeo
Do Opera Mundi
Os
venezuelanos assistiram, na noite de uma quarta-feira (18), uma cena
imaginada por poucos há oito meses, quando a vitória de Nicolás Maduro
por 1,5% dos votos na eleição presidencial não foi reconhecida pelo
candidato opositor Henrique Capriles. Governadores e prefeitos da
oposição, alguns deles com histórica trajetória antichavista, foram
recebidos no palácio de Mirafl ores para uma reunião de quase cinco
horas com o chefe de Estado venezuelano.
Transmitida ao vivo e
sem cortes pela televisão estatal, que não costuma dar espaço a vozes
críticas ao governo, os líderes opositores fi zeram diversos
questionamentos sobre a situação das administrações locais e
reivindicaram recursos governamentais. Todos cantaram o hino nacional
venezuelano acompanhados pela voz de Hugo Chávez, em uma versão
utilizada em quase todos os atos governamentais desde a morte do líder. O
diálogo, no entanto, manteve tom de
cordialidade e contou com sorrisos e
agradecimentos ao presidente pela iniciativa.
“Vocês têm sua
posição política e eu respeito, respeito cada um de vocês em sua posição
política, em sua postura ideológica”, disse Maduro, afi rmando que o
objetivo da reunião não era convenceros líderes opositores
ideologicamente, mas que ambos os lados se escutem para “selar uma
vontade coletiva de paz” e “abrir uma nova etapa” na vida política do
país. O presidente venezuelano mostrou descontração, fez comentários bem
humorados e anotou pontos de cada intervenção dos presentes, mas foi
enfático, no entanto, em pedir que os opositores não tomem “atalhos fora
da constituição”, como no golpe contra Chávez em 2002.
O grande
ausente da reunião foi Capriles que, segundo a imprensa local, afi rmou
que recebeu uma chamada de convite para o evento, mas que não iria
porque a reunião inicialmente foi planejada para prefeitos e que a
instância que corresponde a governadores é o Conselho Federal de
governo. A ausência foi criticada por líderes chavistas e até mesmo por
apoiadores da oposição nas redes sociais. Durante a reunião, Capriles se
manifestou no Twitter, afi rmando que o país “clama” pelo diálogo e que a oposição se sentia representada pelos prefeitos presentes.
Primeiro
a discursar, o prefeito metropolitano de Caracas, Antonio Ledezma, afi
rmou que a oposição participava do evento sem intenção de duelar ou de
responder a insultos, e que não levava “camisas de força ideológicas”.
“Diálogo não signifi ca claudicar com nossos princípios” expressou,
dizendo que não quer converter a reunião em uma aula do verbo
“reconhecer”, mas sim resolver a “crise de governabilidade” do país.
“Para nos reconhecer temos que nos respeitar (...) eu me sentiria um
farsante se viesse assumir aqui um discurso diferente do que defendemos
na rua”, manifestou, afi rmando que o canal estatal foi utilizado contra
os opositores durante a campanha eleitoral.
Ledezma fez uma
exigência de diversos opositores durante a reunião: que o governo
chavista devolva as competências e os recursos às prefeituras,
eliminando estruturas paralelas de gestão lideradas por seguidores do
governo em localidades onde a oposição obteve triunfo eleitoral. Maduro,
que ao fi nal da reunião anunciou a criação de uma comissão para
abordar as reivindicações feitas e os problemas apontados pelos
opositores, afi rmou que estas estruturas foram criadas como resultado
de problemas de administrações locais, mas que está aberto à busca de
“novas circunstâncias”.
“Vou lhe confessar que sentia temor em
vir, porque não sabia o que ia encontrar. Mas com todo respeito, quero
agradecer em nome da minha cidade, em nome do meu povo, o trato que nos
deram”, disse Evelyn Trejo, prefeita de Maracaibo, capital do Estado
petrolífero de Zulia, reeleita nas eleições municipais de 8 de dezembro.
“Aplaudo essa convocatória, essa conversa. Sabe por que, presidente?
Toda
a Venezuela tem os olhos postos nessa reunião, tinha expectativa em
saber o que aconteceria com os prefeitos e governadores de oposição”,
continuou, ao iniciar sua intervenção. Trejo manifestou desejo de
trabalhar com o governo venezuelano para a resolução de problemas da
capital que administra e afi rmou que se dirigiu a Mirafl ores para
reivindicar o que corresponde à sua cidade. “Se tenho que falar com o
diabo, vou fazê-lo”, disse ela, provocando risos na sala, antes de se
desculpar e afi rmar que não se referia ao chefe de Estado. “Reitero que
nós viemos muito assustados”.
“Não posso lhes pedir que não me
subestimem ou que não me menosprezem, mas lhes peço me respeitem, que eu
os respeitarei”, disse Maduro, que chegou a abraçar um líder opositor.
Edgar José Miranda, prefeito de San Rafael de Onoto, município do estado
de Portuguesa, solicitou o gesto como “símbolo da democracia e respeito
às ideologias”. Maduro respondeu: “Quem me abraça, eu abraço. Quem
quiser paz, terá paz e cada um com sua visão, e quando haja eleição, nos
medimos”. Outro dos prefeitos, por sua vez, afi rmou que é “muito belo”
poder falar pela primeira vez com um presidente.
Um dos poucos
momentos de tensão do encontro foi quando o prefeito de San Cristóbal do
Estado de Táchira, Daniel Ceballos, fez comentários sobre os
colombianos na fronteira com a Venezuela. O presidente classifi cou a
declaração como “polêmica” e afi rmou que a xenofobia foi promovida
pelos opositores quando o acusaram de ter nascido no país vizinho. “Eu
teria orgulho de ter nascido em Cúcuta ou em Bogotá. Nasci em Caracas e
muito anti-colombianismo foi propagado e continua sendo”, disse o
presidente venezuelano.
Maduro afi rmou que o debate sobre temas
nacionais com governantes opositores continuará, apesar das diferentes
posturas ideológicas. “Acho que é um êxito para toda a Venezuela o fato
de termos sentado cara a cara para conversar esta noite”, expressou,
dizendo que a paz não signifi ca a ausência de confl itos.
“Interpretemos corretamente o que o país quer. Nós vamos continuar
fazendo revolução, acreditamos no socialismo profundamente”,
complementou ele, ao esclarecer que o governo não deixará de criticar, e
pediu que os opositores fi zessem o mesmo. “Com mais respeito”,
complementou, após a intervenção de um dos presentes.
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