Pré-sal brasileiro é ouro em pó
Em entrevista, o economista Carlos Lessa estima que o
campo de Libra renda “algo em torno de quatro trilhões de reais em
vinte anos de produção”
O
governo federal brasileiro optou por leiloar o campo de Libra, a maior
reserva petrolífera brasileira, por duas razões: “uma delas é
geopolítica, ou seja, o país quer aparecer ao capital financeiro mundial
como bem comportado. Para quê? Para atrair mais capital de curto prazo
para o Brasil. A segunda razão é manter a política do tripé que foi
instalada pelos tucanos e preservada pelos governos Lula e Dilma”,
avalia o economista Carlos Lessa em entrevista concedida à IHU On-Line
por telefone.
Lessa questiona o argumento da
presidência da Petrobras, de que a empresa não tem capital financeiro
para explorar o campo de Libra. “A Petrobras foi sendo espremida pelo
governo nos últimos anos. O caixa da empresa era próximo a 70 bilhões de
reais; hoje está reduzido a seis ou sete bilhões. (...) Mais do que
isso: o Tesouro Nacional não queria construir o trem bala? Quer
construir essa obra e não tem recurso para tocar para frente um campo de
petróleo, que irá dobrar as reservas brasileiras? Nenhum país do mundo
faz partilha de um campo já conhecido”. E dispara: “O argumento da Graça
(Graça Silva Foster) é sem graça. É uma desgraça. Não consigo entender
como isso está acontecendo se a presidente Dilma disse, em discurso
quando candidata à presidência da República, que não iria privatizar o
pré-sal”.
De acordo com o economista, a venda
financiada de automóveis financia o consumo da gasolina no país, porque a
Petrobras tem prejuízo com a venda nacional. Apesar disso, enfatiza, o
governo não
irá alterar o valor do produto. “Se mexer nisso perde a
eleição, porque todas as famílias se endividaram comprando automóvel, e
se o preço da gasolina pular para cima, Dilma não se reelege. Então, o
governo tem de estabilizar a economia de qualquer jeito, mesmo que
tenham que entregar a herança, ou seja, o pré-sal”.
Carlos
Lessa é formado em Ciências Econômicas pela antiga Universidade do
Brasil e doutor em Ciências Humanas pelo Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas da Universidade de Campinas (Unicamp). Em 2002, foi
reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ e, em 2003,
assumiu a presidência do BNDES.
IHU
On-Line - Economicamente, o que as reservas do pré-sal representam para
o Brasil, especialmente o campo de Libra? Qual é o valor econômico
desses poços?
Carlos Lessa - Foto: Aepet |
Carlos Lessa –
Se o preço do barril de petróleo extraído continuar sendo o do padrão
da Organização dos Países Exportadores de Petróleo – OPEP, de cem
dólares, no campo de Libra teremos algo em torno de quatro trilhões de
reais em vinte anos de produção. Além disso, o campo de Libra equivale a
60% das reservas que têm as quatro maiores petroleiras do mundo, em
torno de 25 milhões de barris cada uma delas. Espera-se que o campo de
Libra venha a gerar em torno de 14 a 15 milhões de barris de petróleo.
A
Petrobras, no Brasil todo, não chega a ter 14 milhões de barris. Então,
só o campo de Libra dobra as reservas da empresa. Portanto, retirar a
Petrobras desse processo de exploração do campo de Libra é um crime que
lesa a pátria, porque este é um recurso absolutamente estratégico, o
qual converte o Atlântico Sul, do ponto de vista geopolítico, em uma
zona muito delicada, por uma razão muito simples: os EUA consomem, por
ano, 27 a 28% da produção de petróleo do mundo inteiro, porque a
produção petrolífera do país é insignificante. Hoje os EUA são um país
sem petróleo, mas o maior consumidor do produto. Portanto, o petróleo do
Atlântico Sul é a saída para eles. Mas imagina o Brasil entregando a
sua riqueza estratégica maior de uma forma servil? O petróleo que tem no
pré-sal é o melhor tipo de óleo do mundo, enquanto o petróleo da
Venezuela, que é muito abundante, é pesado. Então, o pré-sal brasileiro é
ouro em pó.
Quais são as razões que fizeram o governo optar pelo Leilão de Libra?
As
razões são falta de brasilidade e coragem. Agora, as razões formais
levantadas são outras. A primeira delas é que os 15 bilhões a serem
recebidos dos grupos que participarão da concessão do leilão representam
mais que o dobro das reservas de caixa da Petrobras. A empresa foi
descapitalizada ao longo dos últimos oito anos por conta de uma política
suicida de vender a gasolina dentro do país a um preço menor do que o
preço que o país importa. A Petrobras só se mantém lucrativa porque
descobre poços e reavalia reservas, porque a gasolina dá prejuízo.
A
Petrobras não pode entrar como concorrente na exploração do campo de
Libra, porque quem descobriu o campo foi a própria empresa. Esse campo
já havia sido cedido a uma concessionária estrangeira, que o devolveu
porque não encontrou nada. A Petrobras tem uma vantagem enorme em
relação a todos os outros concorrentes: ela tem a melhor sinergia
possível do Atlântico, tem uma equipe de geólogos altíssima e, por isso
mesmo, é alvo de espionagem sistemática. Essa onda de espionagem
denunciada recentemente tinha duas questões prioritárias: fiscalizar a
Petrobras e também as relações do Brasil com a Bolívia e a Venezuela.
É
óbvio que o Brasil tem como financiar a exploração de Libra, e não
precisa colocar o campo a funcionar imediatamente. O país precisa
aumentar a produção de petróleo, mas não precisa aumentar muito. O fato é
que é um crime a Petrobras descobrir o campo de Libra e ter de
partilhar a exploração. Soube que o Ministro de Minas e Energia, Edison
Lobão, disse que o Brasil tem de fazer partilha, porque 1% das ações da
Petrobras está em mãos de empresas estrangeiras, já que o ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso as vendeu na Bolsa de Nova York. Só que o
contra-argumento é o seguinte: ao entregar Libra, o Brasil está
entregando 100% do petróleo na mão dos estrangeiros. O argumento do
ministro Lobão é maluco. Aí se diz que o Brasil reservou poderes para
fiscalizar a exploração através da Petrosal. Mas quem será o presidente
da Petrosal? Como o Brasil perde o seu futuro econômico sem sequer haver
uma consulta à população?
Mas
o argumento da presidência da Petrobras é de que a empresa não tem
condições financeiras de explorar o campo de Libra. Qual é a situação
financeira da Petrobras?
Não é verdade. O
capital da Petrobras foi sendo espremido pelo governo nos últimos anos.
O caixa da empresa era próximo a 70 bilhões de reais; hoje está
reduzido a seis ou sete bilhões. Mas, apesar disso, o Brasil tem
reservas colossais, como o Banco Central, de 300 milhões de dólares.
Mais do que isso: o Tesouro Nacional não queria construir o trem bala?
Quer construir essa obra e não tem recurso para tocar para frente um
campo de petróleo que irá dobrar as reservas brasileiras? Nenhum país do
mundo faz partilha de um campo já conhecido. O país poderia fazer uma
concessão caso quisesse ser um país petroleiro, mas eu pessoalmente
quero dizer que não há pior destino nacional do que ser exportador de
petróleo. Basta olhar pelo mundo o que acontece com esses países: são
sociedades atrasadas, com desequilíbrios sociais brutais, gastam boa
parte do que ganham com armamento, enfrentam guerras religiosas e são
objeto de intervenção de outros Estados, como Iraque, Líbia.
Então, o que o Brasil deve fazer com essas reservas?
O
Brasil tem que controlar seus recursos estratégicos, independente de
qualquer coisa, e não basta ter controle apenas em cima de uma Petrosal.
O argumento da Graça (Graça Silva Foster) é sem graça. É uma desgraça.
Não consigo entender como isso está acontecendo se a presidente Dilma
disse, em discurso quando candidata à presidência da República, que não
iria privatizar o pré-sal.
Economicamente, a
postura do governo é uma besteira. Nenhum país exportador de petróleo
conseguiu se dar bem na história mundial, com exceção da Noruega. O
Brasil deve explorar essas reservas no ritmo em que a Petrobras consiga
explorar, ou seja, capitalizar a empresa para isso. Como capitalizar? Há
várias maneiras. Deixa eu ser Ministro da Fazenda por um mês para ver
como se capitaliza a Petrobras. Como ela está com uma imensa reserva de
petróleo, devem ter muitos grupos financeiros dispostos a se associarem a
ela.
E a empresa deve buscar alguma parceria financeira?
Não
seria necessário, pelo seguinte: a Petrobras não pode se comprometer a
investir 50 milhões de dólares a mais, considerando os programas que ela
já está executando. Mas se ela começar a encontrar petróleo - e ainda
vai encontrar mais petróleo rapidamente, e Libra deve estar produzindo
muito em dois, três anos -, seu valor será multiplicado. E a Petrobras
não precisa voltar todo o campo de produção imediata, ela precisa ter um
ritmo de extração que corresponda à necessidade brasileira de
desenvolvimento. Ou seja, gerar emprego para todos os brasileiros,
melhorar as condições habitacionais, melhorar o sistema educacional, que
está uma porcaria, fazer a cobertura médica. A realização de todos os
nossos sonhos depende de o nosso país crescer 5, 6, 7% ao ano. Com a
Petrobras, a economia do petróleo e um pouco de competência, o Brasil
cresce sem dificuldade nenhuma.
Voltando
às razões que fizeram o governo optar pelo leilão de Libra, concorda
que motivos econômicos por conta das contas externas foram determinantes
para a decisão?
Este governo opta pelo
leilão por duas razões: uma delas é geopolítica, ou seja, o país quer
aparecer ao capital financeiro mundial como bem comportado. Para quê?
Para atrair mais capital de curto prazo para o Brasil. A segunda razão é
manter a política do tripé que foi instalada pelos tucanos e preservada
pelos governos Lula e Dilma.
Eu e muitos amigos
iremos para a frente do hotel onde será realizado o leilão. Todos
estaremos de terno preto e ficaremos lá, de pé, assistindo. Irei lá
porque os meus netos foram às manifestações de junho reivindicar um país
melhor. Me sinto mal, como idoso, em vender as empresas do Brasil,
porque meus netos serão prejudicados.
Qual
a situação das contas externas do país? Alguns críticos ao Leilão de
Libra dizem que o Leilão servirá para melhorar as contas externas. Como
avalia esse apontamento?
Não os levo a
sério, porque eles querem que o país cresça menos, faça menos obras
públicas e que se paguem mais juros para as aplicações financeiras. Na
verdade, a única coisa que está salvando o governo Dilma são alguns
projetos importantes que ela encaminhou, mas os empurrou com músculos
moles, lentamente.
Hoje, a venda financiada de
automóvel subsidia o consumo da gasolina. Sabe que a Petrobras está
importando o litro da gasolina a R$ 1,72 e está vendendo a R$ 1,42?
Então você acha que o governo vai mexer nisso? Claro que não! Se mexer
nisso perde a eleição, porque todas as famílias se endividaram comprando
automóvel, e se o preço da gasolina pular para cima, Dilma não se
reelege. Então, o governo tem de estabilizar a economia de qualquer
jeito, mesmo que tenham que entregar a herança, ou seja, o pré-sal.
Há
alguns anos havia um entusiasmo em relação aos rumos da economia
brasileira por conta do crescimento de 7% do PIB. Hoje, fala-se em
declínio. O senhor concorda com essa análise? Quais as razões?
Quem
tinha essa expectativa? Eu nunca tive! Eu sempre chamei o crescimento
brasileiro, nos últimos anos, de “voo de galinha”. Nós desperdiçamos a
grande chance das matérias-primas de alimentos terem subido muito de
preço no início dos anos 2000. Nós tivemos uma bonança externa
espetacular, mas ao invés de elevar a taxa de investimento da economia,
desperdiçamos isso de mil e uma formas. Mas agora a sociedade está
mudando.
Olha, não quero ser profeta de
apocalipse, não quero ver as coisas piores do que são; quero apenas
dizer o seguinte: o Brasil tinha que estar colocando as barbas de molho
em relação à crise mundial. Ela está aí, e não se apresentou toda. Eu
estive na Grécia há dez dias e, andando do hotel até o museu, em quatro
quarteirões na principal avenida da Atenas moderna, todas as lojas
estavam fechadas e quebradas. Havia só uma loja aberta, na qual entrei.
Quem me atendeu foi um senhor idoso, dono do estabelecimento. Elogiei a
loja e ele informou que não tinha compradores. Também vi em Roma pessoas
de terno dormindo na rua. A Europa está em uma situação muito ruim.
Para você ter noção, eu vi em Atenas uma reunião de um partido nazista
na rua. Eram 40, 50 pessoas reunidas, propondo a violência como solução:
violência não se sabe contra quem, nem a favor de quem.
E
o Brasil está simplesmente se movendo como se a globalização estivesse
indo bem e pudesse dar sustentabilidade ao país. Vou dizer uma coisa: o
que mais me escandalizou nessa viagem que fiz é a extensão com que se
usa a expressão BRIC - Brasil, Rússia, Índia e China. Não existe isso, o
que existe são quatro países imensos, com problemas muito diferentes e
sem nenhuma possibilidade de atuar juntos. Aliás, eu sempre disse isso
nos últimos meses, e hoje mesmo os jornais estão dizendo que o Brasil
está brigando com a China porque a China está apoiando os Estados Unidos
em uma proposta internacional em relação aos serviços. O Brasil e a
China são contrários, corretamente. Mas a China é parceira dos Estados
Unidos; o que existe no mundo é um G2. Sabe por que o Brasil gosta da
ideia de BRIC? Para dizer “olha como sou grande, como sou forte, como
sou emergente”. É emergente, mas o PIB brasileiro cai sem parar. O país
está desindustrializando.
E a razão desse declínio da economia é a desindustrialização?
Esse
declínio está relacionado ao fato de o Brasil não ter nenhum projeto
nacional, porque adotou a proposta do Consenso de Washington, no período
do Collor de Melo, o qual foi mantido pelos tucanos e petistas. Na
verdade, o Brasil não tem projeto nenhum, a não ser de se integrar à
globalização. Aliás, a sensibilidade financeira brasileira ao que
acontece fora do mundo é assustadora. Ontem, as bolsas de valores do
mundo subiram, porque teve uma conversa inicial boa entre os
republicanos e os democratas. Sabe qual a bolsa que mais subiu? A
Bovespa. É a que mais baixa também quando tem qualquer coisa fora. Sabe
por quê? Porque o Brasil está inteiramente aberto ao jogo financeiro
internacional, e agora vai abrir mão da soberania nacional entregando a
maior riqueza do país, ou seja, o monopólio estatal do petróleo que foi
mantido pela Constituição de 1988 e foi modificado por uma emenda
constitucional, a qual nunca foi submetida a plebiscito popular.
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