Adeus, jornais impressos
Caí de amores pela Folha de S.Paulo aos 17 anos, em 1984, quando
entrei na faculdade e o jornal apoiou a campanha pelas Diretas-Já. Até
então, menina do interior da Bahia, não conhecia bem a grande imprensa. O
jornal que estampava em sua primeira página o desejo de todos nós,
brasileiros, de votar para presidente, me cativou. Como para vários da
minha geração, trabalhar na Folha se tornou um sonho para mim.
E de fato trabalhei no jornal, entre idas e vindas, quase 10 anos.
Tive espaço, ótimas oportunidades, conheci de perto figuras incríveis:
Ulysses Guimarães, Darcy Ribeiro, Florestan Fernandes, Leonel Brizola,
Lula. E principalmente: na Folha escrevi como quis –ninguém nunca mudou
meu texto e jamais adicionaram nem uma frase sequer que eu não tenha
apurado, ao contrário do que viveria nos
oito meses que passei na Veja
(leia aqui).
Em 2009 meu respeito pela Folha morreu. Naquele ano, o jornal publicou um artigo absolutamente execrável
acusando Lula de ter tentado estuprar um companheiro de cela, um certo
“menino do MEP” (antiga organização de esquerda), quando esteve preso,
em 1980. Qualquer pessoa que lê o texto percebe que Lula fez uma
brincadeira (de mau gosto, ok), mas o autor do artigo não só levou a
sério, ou fez de conta que levou a sério, como convenceu o jornal a
publicar aquele lixo.
Como eleitora de Lula, aquilo me incomodou. Por que nunca fizeram
algo parecido com outro político? Por que o jornal jamais desceu tão
baixo com ninguém? Apontar erros, incoerências, fazer oposição ao
governo, vá lá. Dizer que Lula estuprou uma pessoa! Por favor. Me
pareceu que alguém na direção do jornal estava sob surto psicótico ao
permitir que algo assim fosse impresso. Vários amigos da Folha me
confidenciaram vergonha e indignação com o texto.
Continuei a ler o jornal nestes últimos quatro anos mais por hábito
do que por outra coisa. Quando veio o editorial em que a ditadura foi
chamada de “ditabranda” não fiquei surpresa. Quando a Folha publicou a
ficha falsa da candidata Dilma Rousseff no DOPS quando atuou na luta
armada, tampouco. A minha própria ficha já tinha caído, lá atrás. O
jornal a favor das Diretas-Já deixara de existir –ou será que nunca
existiu? Afinal, antes disso a Folha havia apoiado o golpe militar.
Terei eu caído num golpe –de marketing?
Hoje, 24 de outubro de 2013, tomei a iniciativa de cancelar minha
assinatura da Folha de S.Paulo. O jornal acaba de contratar dois dos
maiores reacionários do País para serem seus “novos” colunistas. Não faz
sentido, para mim, seguir assinando um jornal com o qual não tenho mais
absolutamente nenhuma identificação. Pouco importa que minha saída não
faça diferença para o jornal: é minha grana, trabalho para ganhá-la, não
vou gastá-la em coisas que não valem a pena. O mundo não é capitalista?
Pois não quero, com meu dinheiro, ajudar a pagar gente que me causa
vontade de vomitar.
O mais triste é que, ao deixar de assinar a Folha, deixo também de
ler jornais impressos. Nenhum deles me representa. Esta é literalmente
uma página que viro, dá a sensação que perdi um amigo querido. Mas a
vida é assim mesmo: às vezes amigos tomam rumos diferentes. Sem
rancores.
Publicado em 24 de outubro de 2013
Fonte:http://socialistamorena.cartacapital.com.br
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