Qual será o futuro da TIM?
Caso assuma o controle da Telecom Italia, a Telefónica será dona da Vivo e da TIM, em uma união que concentra o mercado de telefonia celular, desagrada ao governo, incomoda os competidores e preocupa os consumidores.
Confira a entrevista com o editor de negócios, Ralphe Manzoni Jr.
O escritor irlandês George Bernard Shaw (1856-1950) disse certa vez
que “a ciência nunca resolve um problema sem criar pelo menos outros
dez”. Nada mais apropriado para definir o acordo anunciado na
terça-feira 24, no qual a Telefónica aumentava sua participação na
Telco, a holding que controla a Telecom Italia. O grupo espanhol
solucionou o problema de seus sócios italianos. Os bancos Mediobanca e
Intesa Sanpaolo e a seguradora Generali queriam deixar a Telco e
levantar dinheiro para pagar suas dívidas. Por outro lado, a negociação
criou diversas dificuldades mais à frente. Explica-se: em uma transação
complexa, a Telefónica pode assumir o controle da empresa de telefonia
italiana a partir de 2014.
Se isso se concretizar, ela será dona da Vivo e da TIM no Brasil,
passando a deter uma fatia de 55% do mercado brasileiro de telefonia
celular. Na Argentina, onde ambas também mantêm operações, a
concentração é ainda maior. As duas somam 95,6% dos telefones fixos e
60,2% das linhas celulares. Os obstáculos para resolver esse imbróglio
não são pequenos. A primeira barreira da Telefónica será convencer os
órgãos antitruste a darem a bênção a esse casamento. A Lei Geral de
Telecomunicações brasileira não proíbe a união, desde que ocorra a
devolução do espectro e das licenças da TIM. Caso isso aconteça, pode
inviabilizar a operação por questões técnicas.
A alta concentração em telefonia celular, no entanto, pode gerar
restrições do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que já
havia imposto condições à Telefónica em 2007, quando da compra da
primeira fatia do capital da Telco, que lhe permitiu participar do bloco
de controle da Telecom Italia. Um complicador não menos importante no
caminho da aprovação da transferência de controle da Telecom Italia para
a Telefónica é que o setor de telecomunicações também é sensível a
questões políticas e a pressões nacionalistas. O ministro da economia da
Itália, Fabrizio Saccomanni, chegou a ameaçar a utilização de uma
“golden share” pelo governo, caso seja necessário defender ativos
estratégicos, como a Telecom Italia. Os concorrentes brasileiros, por
sua vez, se preparam para questionar a fusão e fazer de tudo para que
ela não se viabilize por aqui.
César alierta: o chefão da Telefónica encontrou-se com Dilma Rousseff
nos EUA. Primeiro passo para aprovar a fusão
Eles pretendem convencer as autoridades de que a união de Vivo e TIM é nociva à concorrência. “Vamos
ao Cade, à Justiça e conversar com o ministro para impedir o acordo”,
disse à DINHEIRO o presidente de uma operadora, que não quis se
identificar. Órgãos de defesa do consumidor também se opuseram.
A Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Proteste) alega que o
acordo celebrado na Itália traz riscos aos usuários no País. No centro
desse debate está o futuro da TIM, controlada pela Telecom Italia, cujos
garotos-propaganda são os homens de cara azul do Blue Man Group. O
destino da vice-líder do mercado brasileiro de telefonia celular tem
potencial de redesenhar o setor de telecomunicações. Há vários desfechos
possíveis, todos ainda no campo da especulação (veja uma análise " O
que pode acontecer").
Entre as hipóteses, chegou-se a cogitar a divisão dos ativos da TIM
entre Vivo, Claro e Oi. Essa solução recebeu uma resposta dura de Mario
Girasole, vice-presidente de assuntos institucionais da operadora. “A
TIM não é linguiça para ser fatiada”, disse o executivo na quarta-feira
25, em um evento em São Paulo. Procuradas, TIM e Vivo não deram
entrevistas. Ambas alegam que o acordo não afeta, no momento, as
operações locais. “Tudo continua como está”, afirma uma fonte da
Telefónica/Vivo. “Não muda nada.” Será? A verdade é que, a despeito
dessa estratégia de despiste, já estão em curso intensas negociações
para resolver o futuro da TIM. O CEO da Telecom Italia, Franco Bernabè,
disse que trabalha com duas opções para reduzir a dívida da operadora
italiana e assim evitar o rebaixamento de sua nota de crédito.
Franco Bernabè: o CEO da Telecom Italia não quer vender a TIM no Brasil. "Nosso lucro cairia"
“A primeira é nos livrar, em processo competitivo, de todos os
ativos na América Latina”, afirmou Bernabè, perante uma comissão do
Parlamento italiano, na quarta-feira 25, quando foi chamado a explicar a
transação. “A outra é a capitalização.” Mas fez a ressalva de que
vender a TIM não é sua alternativa favorita. “Reduziria imensamente o
lucro da Telecom Italia no Exterior e suas perspectivas de crescimento”,
disse o executivo. A América Latina representa 40% da receita de E 29,5
bilhões da operadora. Fonte da alta cúpula da TIM, citada pelo jornal
Valor, confirmou que não há nenhuma intenção de sair da empresa.
O objetivo seria atrair investidores internacionais para diluir a
participação da Telco na operadora italiana. O bilionário egípcio Naguib
Sawiris, dono da Orascom, um dos maiores grupos de telecomunicações do
Oriente Médio, e a holding de investimento chinesa Hutchison Whampoa são
citados por fontes do mercado como potenciais interessados no negócio
(leia quadro abaixo "Quem pode comprar a TIM"). Com essa estratégia, a
companhia do Blue Man Group espera reduzir a pressão sobre o Cade e a
Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). “A análise regulatória
deve durar mais de um ano”, afirma Eduardo Tude, presidente da
consultoria Teleco, especializada no setor.
LIGAÇÕES PERIGOSAS A fusão de Vivo e TIM criaria
uma operadora gigante. Unidas, elas teriam mais de 160 milhões de
clientes e mais da metade do mercado de telefonia celular no País. Suas
receitas somadas foram de R$ 52,7 bilhões em 2012, um pouco menos que o
dobro do faturamento da mexicana América Móvil, dona da Claro, Embratel e
NET, e do da luso-brasileira Oi. “No mercado de telefonia celular
ninguém tem mais de 30% de participação”, diz Juarez Quadros, sócio da
consultoria Orion e ex-ministro das Comunicações. “Com a união, a
competição ficaria desequilibrada.”
Dos diversos ângulos pelos quais a união Vivo e TIM pode ser
analisada, dois merecem uma reflexão. Para o mercado, a concentração
elevaria a rentabilidade das empresas de telefonia, tanto que as ações
de ambas subiram após o anúncio da transação. Boa notícia? Para as
operadoras, com certeza. Mas não para os consumidores, que podem sentir o
efeito dessa concentração exagerada em suas contas telefônicas. Quando
se trata de operadoras, ao contrário do que diz o ditado, três não é
demais. É pouco, muito pouco. “Não haverá competição, o que levará ao
aumento das tarifas”, afirma Maria Inês Dolci, coordenadora do
Proteste.
Boca fechada: o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, posicionou-se contra a fusão,
mas foi desautorizado por Dilma Rousseff
É uma má notícia, em especial para um setor que tradicionalmente
lidera o ranking de reclamações dos consumidores. “O mercado de celular
já enfrenta dificuldades com a qualidade”, diz uma fonte do setor de
telecomunicações. “Imagina com menos competição?” O governo brasileiro
emitiu sinais contraditórios sobre o assunto. Em um primeiro momento, o
ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, posicionou-se, de forma
enfática, contrário à fusão de Vivo e TIM. “Do ponto de vista da
legislação brasileira, no nosso entendimento, um grupo não pode ser
controlador de outro e manter duas empresas aqui”, disse Bernardo, na
quarta-feira 25. O ministro lembrou também que a decisão do Cade sobre a
compra da participação da Telefónica na Telco, em 2007, já prevê
ressalvas ao aumento do controle na subsidiária brasileira.
No dia seguinte, Bernardo foi desautorizado com todas as letras pela presidenta Dilma Rousseff. “O
governo ainda não se manifestou”, afirmou Dilma, de Nova York. “Houve
uma opinião do ministro Paulo Bernardo, não é a opinião oficial do
governo.” A declaração de Dilma aconteceu depois de um encontro
com o presidente mundial da Telefónica, César Alierta, na noite de
terça-feira 24, no Hotel Saint Regis, em Manhattan, onde ela ficou
hospedada, em sua recente estada em Nova York. A reunião, segundo fontes
do Palácio do Planalto, estava marcada desde a sexta-feira anterior.
Oficialmente, os dois conversaram sobre investimentos do grupo espanhol
no Brasil.
Analistas ouvidos pela DINHEIRO avaliaram a afirmação de Dilma como
positiva para a Telefónica, um indicativo de que o governo federal será
técnico na análise da fusão. O presidente de uma empresa de telefonia
interpretou nas entrelinhas do pronunciamento de Dilma que os órgãos
concorrenciais podem ser menos rigorosos na avaliação da transação. “Em
2008, me diziam que não haveria a fusão de Brasil Telecom e Telemar,
porque a legislação não permitia”, diz ele. “Mudaram a lei e a união
ocorreu.” E concluiu: “Desde então, acredito que tudo é possível.” A
Telefónica deve jogar todos os seus recursos no esforço para aprovar a
fusão.
É provável que use argumentos de que não se intrometerá na TIM, que
a manterá independente e que não terá acesso a informações
privilegiadas sobre a operação brasileira “Não será só um problema de
troca de informação, mas também de gestão”, afirma Arthur Barrionuevo,
professor da Escola de Administração da FGV-SP, especialista em
concorrência e regulação e ex-conselheiro do Cade. “Como a Telefónica
poderia não participar e não ser informada do que acontece no Brasil se
ela for majoritária?” A tomada de controle da Telecom Italia faz todo
sentido do ponto de vista dos negócios para a Telefónica. Os espanhóis
reforçam sua posição no Brasil, um país estratégico para Alierta.
Ao mesmo tempo, o controle da Telco representa um movimento
defensivo para o grupo espanhol. Na Europa, a Telefónica impede que um
competidor adquira a fatia que estava nas mãos dos bancos italianos. “O
que eles queriam era mandar na Telecom Italia, sem precisar comprá-la”,
afirma uma fonte ligada a uma operadora. De fato, com pouco menos de E
500 milhões, a empresa de Alierta pode ser majoritária no conselho de
administração da companhia italiana, que hoje vale E 11,5 bilhões. E tão
importante quanto, caso tenha de vender a TIM, a Telefónica pode
influenciar quem será o futuro comprador, escolhendo um competidor que
não a ameace no mercado brasileiro. Quando chegou ao Brasil, em 1998, no
leilão de privatização da Telebras, a Telefónica ficou com a joia da
coroa: a Telesp, estatal que atuava no Estado de São Paulo, dona da
maior e mais lucrativa rede fixa de telefones.
Fazia sentido para a época. A telefonia fixa era o motor de
expansão do setor de telecomunicações. Em 2001, no entanto, associou-se à
Portugal Telecom e uniu 20 operações móveis para criar a Vivo, hoje a
maior operadora de telefonia celular do País. Em 2010, envolveu-se numa
batalha pública para comprar a fatia de seus sócios portugueses. Começou
oferecendo E 5,7 bilhões e fechou o negócio em E 7,5 bilhões, depois de
uma desgastante negociação que envolveu os governos de Brasil, Portugal
e Espanha. Agora, a companhia pode dar um passo ainda mais ousado para
consolidar sua operação e dominar, definitivamente, o mercado brasileiro
de telefonia. Resumindo: pode ser bom para o grupo espanhol, mas não
será para o Brasil e muito menos para os competidores e consumidores.
Fonte: http://www.istoedinheiro.com.br
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