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sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Bashar al-Assad

Bashar al-Assad: O que fazer com ele?

O uso de armas químicas tirou os EUA e os países ocidentais da inércia no conflito sírio. Eles agora querem agir contra o regime de Assad. A dúvida é como tirá-lo do poder – e o que acontecerá se ele cair




TIRANO Assad visita as tropas sírias que massacraram rebeldes em Daraa, um subúrbio da capital, Damasco (Foto: AFP)
A guerra na Síria chegou a um ponto sem volta. Depois de dois anos e meio de conflito, mais de 100 mil mortos e 1,9 milhão de refugiados, a gota de sangue que faltava para fazer a comunidade internacional agir caiu há duas semanas. Armas químicas usadas contra a população de um subúrbio da capital, Damasco, mataram mais de 1.429 pessoas, entre elas 426 crianças. As imagens de meninos e meninas agonizando por causa do contato com um gás neurotóxico e de corpos estendidos no chão de hospitais e escolas rodaram o mundo.

Há um ano, o presidente Barack Obamaalertara o ditador sírio, Bashar al-Assad: se ele usasse armas químicas na Síria, “cruzaria a linha vermelha”. “Há fortes evidências de que o regime de Assad usou armas químicas contra seu próprio povo”, afirmou nesta sexta-feira o secretário de Estado dos EUA,John Kerry. “Sabemos que ele usou seu arsenal várias vezes neste ano.” Assad e seus aliados acusam seus opositores de arquitetar a barbárie para justificar uma intervenção ocidental no país. Mas tudo indica que foi Assad mesmo quem cruzou a “linha vermelha” traçada por Obama. Há duas possíveis razões para o ataque. Há mais de um ano, os Estados Unidos e seus aliados europeus e do Golfo Pérsico treinam opositores sírios na Jordânia, suspeitos de fazer incursões em Damasco. Irritado, Assad decidiu frear as operações. A segunda hipótese inclui um erro estratégico das forças de Assad. Seus aliados são acusados de usar armas químicas em doses homeopáticas, em algumas cidades. Desta vez, um general, à revelia de Assad, é suspeito de ter usado uma carga maior de agentes químicos.

Este é mais um crime de guerra da longa lista de atrocidades perpetradas pelo regime sírio. A matança promovida por Assad é tamanha que ele herdou o apelido que consagrou seu pai, Hafez Assad: Carniceiro de Damasco. A família Assad controla a Síria há mais de 40 anos. Hafez tomou o poder com um golpe militar, em 1971. Bashar al-Assad herdou a Presidência do pai em 2000. Não estava na linha sucessória, mas assumiu porque seu irmão mais velho, Basil, morrera num acidente de carro em 1994. Assad tentou se distanciar do passado brutal do pai. Em 1982, Hafez mandara matar mais de 20 mil pessoas em represália contra uma revolta. Assad chegou ao poder com o lema do “velho versus o novo”. Cultivou a imagem de reformador e, assim, se legitimou perante os sírios e a comunidade internacional. Por um curto período, permitiu aos dissidentes criticar a corrupção abertamente. O apoio da população veio, em parte, por sua imagem jovial e moderna. Na prática, nenhuma reforma saiu do papel.

Assad perdeu parte do prestígio, mas não todo. “Ainda hoje, mesmo diante da carnificina, parte da população síria o apoia”, diz David Lesch, historiador da Universidade Trinity, no Texas. Ele conviveu com Assad por dois anos para escrever uma biografia sobre ele. Isso acontece porque, em 40 anos de poder, os Assads conduziram um regime autoritário, mas a Síria continuou laica, ao contrário de muitos países da região. Os sírios desfrutam uma liberdade social superior à de seus vizinhos. As mulheres podem usar cabelos soltos e a roupa que escolherem, homossexuais não são perseguidos, e a bebida alcoólica não é um problema na maioria das cidades. “Os sírios se orgulhavam disso, gostam das liberdades que têm e temem a formação de um Estado religioso”, afirma Lesch. “Por isso, muitos apoiam Assad.”

Com o aprofundamento do conflito, a divisão entre os diferentes grupos se agravou na Síria. O país tem problemas semelhantes ao de seus vizinhos Líbano e Iraque, que sofreram com guerras nos últimos 30 anos. Embora 90% dos sírios sejam árabes, há importantes minorias, como curdos e drusos. A divisão religiosa é grande. Dos 22,5 milhões de sírios, 74% são sunitas, 10% são cristãos e 12% são alauítas, um braço do islamismo, com laços tênues com o xiismo. Quando deu um golpe e conquistou o poder, Hafez firmou um pacto social para manter um regime laico, com base no arabismo nacionalista e não religioso. Ele montou uma coalizão que incluía o Partido Baath, composto de sunitas, as Forças Armadas, dominada por cristãos e alauítas, e as elites de Damasco e Aleppo, de maioria sunita. Quando assumiu o poder, Assad, alauíta e casado com uma sunita, manteve essa coalizão intacta.

Parte da população que apoia Assad teme que a Síria se torne uma versão século XXI do Iraque. A oposição síria é uma colcha de retalhos ideológica. Apesar de ser 90% sunita, com membros conservadores e religiosos, a Coalizão Nacional Síria da Oposição e das Forças Revolucionárias, o grupo que congrega os opositores de Assad, é composta de mais de 1.000 grupos armados, com várias facções inimigas entre si. Todos têm diferentes agendas e patrocinadores. Os ligados à Irmandade Muçulmana são apoiados pelo Qatar. Facções salafistas contam com o apoio da Arábia Saudita e de parte do Golfo Pérsico. Há também os jihadistas da Frente Nusrah (Jabhat al-Nusra), um braço da al-Qaeda na Síria.

Esse balaio reflete a confusa relação de poderes no Oriente Médio. Assad mantém uma firme aliança com a teocracia xiita do Irã, que não quer perder seu último aliado poderoso na região, depois da ascensão dos regimes sunitas no pós-Primavera Árabe. Os atuais governantes xiitas do Iraque e o movimento xiita libanês Hezbollah (Partido de Deus) também estão ao lado de Assad. Os rebeldes contam com apoio dos petrodólares do Qatar e da Arábia Saudita, monarquias sunitas rivais do Irã, que já forneceram valores estimados em mais de US$ 4 bilhões em armamentos à oposição. Há ainda os interesses de Israel. O governo Assad mantinha com Israel uma relação de ódio, mas era considerado um inimigo previsível pelos israelenses. Israel não teria motivos para desejar a queda do secular Assad, ainda mais diante do risco de ele ser substituído por islamistas. A guerra mudou isso. A possibilidade de enfraquecer o Hezbollah, com a queda de Assad, é vista como uma chance de ouro pelos israelenses.

Foi esse imbróglio que manteve a inação das potências ocidentais diante da catástrofe de mais de 100 mil mortos no conflito da Síria. Agora, o jogo mudou. Mesmo sem o aval do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), onde Rússia e China se opõem à intervenção militar, a Otan, a aliança ocidental, não quer deixar o ataque com armas químicas sem resposta. Numa votação às pressas, o Parlamento britânico vetou a participação do Reino Unido na ação, contrariando as expectativas do premiê David Cameron. Obama tem oapoio da França e parece disposto a atacar a Síria sozinho, mesmo sem um parecer dos inspetores da ONU que investigam o uso de armas químicas em Damasco.

Não há mesmo muitas opções para Obama. Uma delas é continuar a fazer o que o governo americano tem feito: nada. A administração Obama considera ruins os dois lados envolvidos na guerra, pois Assad é aliado do Irã, e os grupos da oposição são ligados à al-Qaeda. Cruzar os braços, porém, tem um custo humanitário e político. Assad pode se sentir livre para usar armas químicas com mais frequência. A segunda opção é uma intervenção militar nos moldes da feita na Líbia, em março de 2011, com a criação de uma zona de exclusão aérea e bombardeios em pontos-chave das forças do regime. A maioria da população americana é contra uma ação militar prolongada dos Estados Unidos, ainda mais diante do recente atoleiro da Guerra do Iraque.

A opção preferida de Obama, que estava prestes a ser levada a cabo, é um bombardeio punitivo. Nesse caso, as Forças Armadas americanas lançam mísseis Tomahawk contra instalações militares do regime sírio. Tal intervenção seria um recado para Assad não voltar a usar armas químicas. Seria também uma mensagem ao Irã, patrono da Síria e preocupação estratégica dos EUA devido a seu programa nuclear. Dar uma lição em Assad desse jeito pode até apaziguar os clamores por uma ação humanitária, mas tem eficácia duvidosa. “Ações táticas sem objetivos estratégicos são inúteis e contraproducentes”, afirma Chris Harmer, analista do Instituto para o Estudo da Guerra. Em julho, Harmer preparou um estudo mostrando que os EUA poderiam infligir amplos danos a importantes instalações militares sírias. Esse estudo foi usado pelo senador republicano John McCain para defender uma intervenção rápida na Síria. “Uma ação punitiva é a mais idiota de todas, porque não produzirá um efeito dissuasivo e fará com que Assad distribua seu arsenal químico entre as forças aliadas.”

A história mostra também que ataques como este raramente atingem objetivos políticos duradouros. Com frequência, produzem mais custos ou consequências colaterais não planejadas do que benefícios. Os últimos cinco presidentes americanos recorreram a ataques limitados desse tipo, com resultados inócuos. Há 30 anos, o presidente republicano Ronald Reagan determinou que fuzileiros navais americanos abrissem fogo contra uma milícia islâmica em Beirute. Semanas mais tarde, um ataque do grupo Jihad Islâmica a quartéis das forças militares americanas e francesas deixou 299 mortos. Em 1998, o presidente democrata Bill Clinton bombardeou o Iraque por quatro dias, na Operação Raposa do Deserto, porque o regime de Saddam Hussein se recusava a cooperar com os inspetores da ONU. Saddam aguentou mais cinco anos no poder – sempre dificultando o trabalho da ONU. “Sem um plano de longo prazo para a Síria, uma ação pontual será ineficaz”, afirma Ed Husain, analista do Council on Foreign Relations. “E, se Obama fizer uma operação limitada, será insuficiente para virar o jogo na guerra civil.”

Os americanos tiveram duras lições no Afeganistão e no Iraque. Nesses países, viram como é difícil sair de certos conflitos. Agora, no território minado da Síria, descobrem que também há guerras em que é difícil entrar. 
 
Os amigos e os inimigos de Assad (Foto: ÉPOCA)




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