“O povo está decidido a fazer valer seus direitos”, diz Roberto Amaral
No
lançamento da Frente Brasil Popular, o Brasil de Fato entrevistou o
ex-presidente do PSB, Roberto Amaral, que comenta o contexto político e o
governo federal, e aponta os desafios da frente política que ajuda a
criar.
Por Joana Tavares,
De Belo Horizonte (MG)
Roberto Amaral | Foto: Johann Arispe
Amaral, que foi militante do Partido Comunista
Brasileiro (PCB) antes do golpe militar, do Partido Comunista Brasileiro
Revolucionário (PCBR) durante a Ditadura e ajudou a refundar o Partido
Socialista Brasileiro (PSB) em 1985, saiu da presidência deste partido
em 2014, após discordar do apoio ao PSDB, em um processo que classifica
como “pragmatismo cínico”.Militante das causas populares desde os tempos
de estudante secundarista no Ceará, Roberto Amaral chega aos 76 anos
mantendo a coerência de defesa dos interesses do povo. E também
demonstra coragem ao admitir que todos os dirigentes sociais – incluindo
ele mesmo – precisam fazer uma autocrítica para entender como foi
construída essa crise de legitimidade dos partidos de esquerda
atualmente.
No último dia 5 de setembro, ele foi
um dos milhares de
militantes que participaram do lançamento da Frente
Brasil Popular, articulação que pretende construir uma saída à esquerda
para a crise política do país.
Na ocasião, o
Brasil de Fato entrevistou o dirigente, que afirmou “aprendemos pouco
com 1964, e temo que se aprenda pouco com 2014. Temos que rever tudo,
nossas organizações, nossos programas, nossas formas de luta, nossas
formas de dialogar com a sociedade.”
Brasil de Fato - Como o senhor avalia esse contexto de crise em várias esferas: política, ideológica e econômica?
Roberto Amaral -
É um momento muito grave. Do ponto de vista político/institucional, é o
mais grave desde a redemocratização. Do meu ponto de vista, a crise
política é anterior à crise econômica. A crise econômica deriva de erros
da política. E isso se torna vasos comunicantes: uma crise acentua a
outra, porque implica nas contradições da sociedade brasileira. O
governo federal faz uma administração econômica neoliberal, que atende
aos interesses do capital financeiro. Mas depende do apoio das classes
trabalhadoras e não tem o apoio de quem se beneficia de sua política.
Isso coloca um desafio muito grande para a esquerda brasileira.
Estamos
atuando numa linha muito tênue. Não podemos renunciar à defesa dos
direitos dos trabalhadores e, ao mesmo tempo, não podemos aceitar o
golpismo, o conservadorismo. Por azar nosso, essa crise – e eu não sei
quem é o ovo e quem é a galinha – se dá num momento de fragilidade das
estruturas partidárias de esquerda. A começar pela fragilidade política e
ética do PT, a qual atinge coletivamente todo o campo da esquerda. Eu
recomendaria aos companheiros do nosso campo que acham que vão se
beneficiar da crise do PT, que pensem duas vezes.
O que é e quais os desafios da Frente Popular de Esquerda?
Em
face de tudo isso, a história está apontando um novo caminho, que é o
caminho da unidade popular, nascida da sociedade, dos meios sociais, do
movimento sindical. Pela primeira vez, temos uma frente que não foi
idealizada na cúpula, não foi idealizada por partidos, mas pela
sociedade civil. A sociedade civil tomou consciência da gravidade do
momento que estamos vivendo. Nosso manifesto cita vários desafios, vou
me ater a dois.
Um é o golpismo. O golpismo hoje
está nas folhas, está no Congresso, está nas declarações do
vice-presidente da República, que é ex-coordenador político do governo e
presidente do PMDB, partido que tem a metade do governo sob seu
comando, que tem o presidente da Câmara dos Deputados e do Senado
Federal. Ignorar isso é suicídio. Alguns políticos podem se suicidar,
mas o povo não quer suicídio.
Vencida essa
tarefa, permanecerá outra: a necessidade de fazermos frente à onda
conservadora, que está aí percorrendo todos os escaninhos da sociedade
brasileira. A frente, ousadamente, se propõe a enfrentar isso, tendo
como ponto de partida a unidade. A expectativa é que essa frente produza
inumeráveis frentes, que esse movimento se estenda por todos os
estados, por todos os municípios. Ela não tem dono.
Como
o senhor avalia a postura dos partidos políticos e em especial do PSB,
de cuja presidência o senhor saiu após discordar da decisão de apoiar o
Aécio Neves (PSDB)?
Há uma crise nos
partidos políticos. E essa crise não beneficia ninguém. E ela será muito
grave se nós a ignorarmos. Mas ela pode ser muito salutar, se nós
pararmos para refletir, se cada dirigente partidário fizer sua
autocrítica, dos erros que cometemos, porque somos todos, coletivamente,
responsáveis, pela crise que estamos vivendo. Em relação ao Partido
Socialista Brasileiro (PSB) e seus dirigentes de momento, avalio que foi
cometido um erro muito grave.
Mobilizados por
oportunismo, porque apostavam na vitória do Aécio, [esses dirigentes]
rasgaram a história do partido, a biografia dos seus fundadores e
daqueles que trouxeram o partido de 1985 até aqui. Era um partido de
centro-esquerda e é hoje um partido com expectativa de avançar do centro
para a direita. É um partido sem unidade ideológica e que perdeu uma
grande oportunidade, de prestar um grande serviço à política brasileira.
Poderia
ter se conservado íntegro e seria hoje um repositório, um canal, o
espaço para o qual fluiriam as forças de esquerda que estão descontentes
com seus partidos. Mas optou por apoiar a direita, uma direita raivosa,
golpista, e adotar o princípio do pragmatismo cínico, que destrói
qualquer partido, que é a conquista de votos e quadros a qualquer preço,
sem saber quem está trazendo para dentro de seu seio.
O
senhor disse que a crise pode ter uma faceta salutar. Na sua avaliação,
pode se abrir caminho para o avanço de um projeto popular no Brasil?
A
crise pode ter uma saída salutar, mas não é automática, ela tem que ser
buscada. Aprendemos pouco com 1964, e temo que se aprenda pouco com
2014. Temos que rever tudo, nossas organizações, nossos programas,
nossas formas de luta, nossas formas de dialogar com a sociedade.
Perdemos a classe média. Estamos travando a guerra – não é luta, é
guerra ideológica – com a sociedade? Estamos enfrentando a direita?
Estamos debatendo? O que estamos fazendo?
Nós, o
povo, as organizações populares que não têm projetos pessoais,
eleitorais, que estamos pensando na construção da sociedade, nos
interesses do campo popular, nós temos que fazer o caminho. Não vai vir
um salvador de cima pra baixo e dizer ‘esse é o caminho’. O povo está
sentindo isso. Começamos a discutir essa frente em uma reunião com
poucas pessoas. Agora estamos aqui com mais de 2 mil. Foram realizadas
plenárias massivas em vários estados. O povo está decidido a fazer valer
os seus direitos.
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