Mau momento para a Rede Globo
da Redação
Quase
50 anos depois do golpe que derrubou João Goulart, a Rede Globo
assumiu, publicamente, ter apoiado a manobra. O reconhecimento veio por
meio de um editorial publicado no site do jornal O Globo em
31 de agosto e lido dois dias depois no Jornal Nacional. “A lembrança é
sempre um incômodo para o jornal, mas não há como refutá-la. É
História”, afirma o texto.
Como justificativa para amparar a
ação dos militares, que culminou com o início da ditadura civil-militar
(1964-1984), a Rede Globo alega “temor de um outro golpe, a ser
desfechado pelo presidente João Goulart, com amplo apoio de sindicatos”.
De acordo com o jornal, “naquele contexto, o golpe, chamado de
‘Revolução’, termo adotado pelo Globo durante muito tempo, era visto
pelo jornal como a única alternativa para manter no Brasil uma
democracia”.
O editorial teve grande repercussão na internet,
sobretudo nas redes sociais. Os internautas, em geral, criticavam a
demora para o reconhecimento do “erro” e questionavam os motivos que
levaram a emissora a assumi-lo.
Para o professor da Escola de
Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), Laurindo
Leal Filho, o Lalo, a intenção da Globo é “limpar” sua imagem junto ao
público. A tarefa, no entanto, não é tão simples. Lalo recorda que o
apoio ao golpe não foi único “tropeço” da emissora ao longo de sua
história.
“Não foi só o golpe que ela [Globo] apoiou. Ela vem
apoiando tudo que é antissocial, antidemocrático e que vai contra os
interesses da população”, resume.
O presidente do Centro de
Estudos de Mídia Alternativa Barão de Itararé, Altamiro Borges, também
faz críticas ao editorial. Ele lembra que a participação da imprensa no
período foi além de um simples apoio.
“[O texto] tenta
justificar o golpe de 1964 com o clamor das massas, quando ela [Globo],
na verdade, ajudou a preparar o golpe. Não teve nada de erro editorial,
foi um crime que eles cometeram”, acusa o jornalista, que ressalta a
participação de outros veículos no episódio. “Com exceção do jornal Última Hora, toda a imprensa – Folha, Estadão, Zero Hora, Estado de Minas – criou o clima e orquestrou para o golpe”, pontua.
O
editorial também gerou manifestações do Clube Militar, que classificou o
pedido de desculpas como “mentira deslavada”. De acordo com uma nota da
entidade, a mudança de posição do grupo ocorre pela facilidade em se
pesquisar o conteúdo publicado em jornais da época. Os militares
rechaçam, ainda, o argumento de que o apoio à ditadura foi um equívoco
momentâneo.
“O apoio ao Movimento de 64 ocorreu antes, durante e
por muito tempo depois da deposição de Jango; em segundo lugar, não se
trata de posição equivocada ‘da redação’, mas de posicionamento político
firmemente defendido por seu proprietário, diretor e redator chefe,
Roberto Marinho, como comprovam as edições da época”.
Crise
O
lançamento do editorial ocorre em um momento difícil para as
Organizações Globo. Depois de décadas produzindo noticiários, nos
últimos tempos a corporação virou, ela própria, tema de reportagens. Sua
imagem foi associada às denúncias de pagamento de propinas envolvendo o
ex-presidente da CBF, Ricardo Teixeira, e da Fifa, João Havelange.
Em
junho a empresa foi alvo das mobilizações que se iniciaram com os
protestos contra o aumento das tarifas de transporte público. Os
protestos contra a emissora continuaram nos meses seguintes. Em 30 de
agosto – um dia antes da publicação do editorial – houve atos em pelo
menos sete cidades.
“A grande mídia se viu em meio a um processo
em que ela nunca esteve antes, que é a sociedade questionando
diretamente a falta de democracia nos meios de comunicação de massa no
país”, analisa o coordenador do Coletivo Intervozes, Pedro Ekman.
Recentemente,
outro episódio colocou a Globo em uma posição incômoda: a suspeita de
sonegação de R$ 183 milhões em impostos referentes à exibição da Copa do
Mundo de 2002. Somados os juros e multas, o valor chega a R$ 615
milhões. Silenciado pela mídia corporativa, o caso só ganhou destaque
devido à pressão na internet. “Se não fosse a blogosfera e as redes
sociais esse assunto nem vinha à tona”, comenta Altamiro Borges.
Queda de audiência
A
queda de audiência é outra preocupação. No ano passado, a emissora
amargou a pior audiência de sua história. Segundo o Ibope, a Globo teve,
em média, 14,7 pontos (cada ponto equivale a 60 mil domicílios) contra
16,3 em 2011. Seu principal programa jornalístico, o Jornal Nacional,
atualmente está na casa dos 26,3 pontos, um recorde negativo. Atrações
outrora poderosas como as novelas e as partidas de futebol também
despencam – essas últimas, nos últimos13 anos, registraram uma baixa de
35% nas transmissões aos domingos e às quartas-feiras.
A fuga de
telespectadores, no entanto, não é um fenômeno exclusivo da Globo.
Canais como Record, SBT e RedeTV também tiveram perdas. Só em 2012, o
número de aparelhos ligados em televisões abertas caiu aproximadamente
5%.
Ruim para todos, pior ainda para a Globo, que vê abalados
seu poder e liderança no mercado. A preocupação maior hoje é com os
“gigantes” da internet, principalmente o Google. Segundo executivos do Projeto Inter-Meios, um levantamento feito pela revista Meio & Mensagem, o site já é o segundo grupo que mais arrecada publicidades no país, perdendo apenas para o conglomerado da família Marinho.
Reposicionando a marca
A
emissora tenta correr atrás do prejuízo. No final de agosto, o
diretor-geral da Globo Carlos Henrique Schroder anunciou mudanças na
estrutura organizacional da emissora. O novo arranjo aproxima a Globo da
Globosat – braço da empresa que comanda os canais por assinatura
ligados ao grupo – e da Globo Filmes. A ideia é investir mais na criação
de conteúdo para TV fechada e internet, dois segmentos em crescimento.
Para
Lalo, a publicação do editorial reconhecendo o apoio ao golpe faz parte
desse novo plano da emissora, que aposta em um reposicionamento de
marca – estratégia que tem como objetivo redefinir a competitividade da
marca no mercado.
“Essa posição procura dar uma face mais suave à
Globo em relação à sociedade e ao governo. É uma tentativa de se
reposicionar para manter o seu espaço comercial”, avalia.
Para o
coordenador do Coletivo Intervozes, o reposicionamento de marca só terá
êxito se a emissora mudar sua linha editorial acerca de vários temas e,
principalmente, se aceitar o debate sobre a regulação dos meios de
comunicação.
“Para ser absolutamente franca com a sociedade, ela
[Globo] precisa abrir o debate sobre o marco regulatório das
comunicações brasileiras, que é um debate que ela ainda se recusa a
fazer”, defende Pedro Ekman.
Fonte: http://www.brasildefato.com.br/node/25887
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