Sexo sem consentimento e estupro são a mesma coisa
Violência sexual
Explicações de Marco Feliciano no Twitter foram show de desrespeito à mulher. Por Nádia Lapa, do blog Feminismo para quê?
Na quinta-feira 1º foi sancionada a lei que obriga os hospitais a oferecerem "atendimento
imediato e multidisciplinar para o controle e tratamento dos impactos
físicos e emocionais causados pelo estupro". A lei prevê, entre outras
medidas, a administração da pílula do dia seguinte; com a medicação, a
possibilidade de gravidez decorrente do estupro diminui.
Essa parte da lei desagradou
algumas entidades e políticos antiescolha, que aparentemente ignoram o
fato de que a pílula já é ministrada nos hospitais de referência, assim
como pode ser adquirida em qualquer farmácia.
Parece surreal que políticos e entidades sejam contrários ao
atendimento multidisciplinar de vítimas de um crime bárbaro como o
estupro. É surreal, na verdade. Como alguém pode ser contrário à
orientação correta e segura para salvaguardar a saúde física e mental de
uma vítima de tamanha agressão?
O deputado federal Marco Feliciano é uma dessas pessoas, e
tentou explicar no Twitter na noite da quinta-feira 1º o seu
posicionamento. O que vimos foi um show de desrespeito à mulher,
conforme as mensagens abaixo, copiadas da rede social do deputado.
1) O Palácio do Planalto esta
desorientado ou muito mal intencionado. Lamento q a Pres. Dilma acabou
sancionando integralmente o PLC 3/2013
(...)
8) Esse projeto alem de ser
p/vitima de estupro, tbem fala de sexo sem consentimento, profilaxia da
gravidez, como se gravidez fosse doença.
9) Uma mulher gravida
de 2 meses dizendo ao médico q o marido fez sexo a força, ou ela ñ qria
pq estava com dor de cabeça? Aborto feito!
10) não há como comprovar q o sexo foi sem consentimento... É a palavra da mulher que engravidou e pronto. Não há como provar.
11) No estupro há! Houve violência. Foi feito a denuncia imediatamente. A lei ja protege a mulher vitima de estupro. Ja há lei!
12) se estupro e sexo sem consentimento é a mesma coisa, porque o texto do projeto fala de um e outro separadamente? Engodo!
13)
a lei brasileira ja contempla o aborto em caso de estupro. Eu não
concordo, mas é lei. Agora ampliam para sexo sem consentimento.
Eu tive muita dificuldade de entender o que o deputado estava
falando, confesso. Não me passaria pela cabeça que hoje em dia alguém
defenderia publicamente a ideia de que sexo sem consentimento é
diferente de estupro. Ora, esta é exatamente a definição de estupro!
Se uma das pessoas envolvidas não está conscientemente engajada na
relação sexual, dando permissão para o (s) parceiro (s), ela está sendo
violentada. Sexo requer consentimento. Se ele não existe, é estupro. É
violência.
Feliciano fala como se o "sexo sem consentimento" fosse aquele em que
não há provas da violência. O senso comum entende que a vítima de um
crime sexual terá, necessariamente, de apresentar marcas de defesa pelo
corpo. O estupro só é aceito como verdade se a pessoa agredida for o que
chamamos de "vítima perfeita":
deve ser "de família", não beber, ser atacada por um estranho (armado,
forte), vestir-se da cabeça aos pés, reagir gritando e batendo no
agressor, denunciar o crime imediatamente.
Caso algum desses itens esteja faltando, a veracidade da agressão
será questionada. Falam como se fosse fácil para uma vítima de estupro
procurar as autoridades competentes. Mesmo quando a vítima procura uma
Delegacia de Atendimento à Mulher (Deam), criada justamente para casos
delicados e de violência de gênero, seu caso pode ser tratado de maneira
falha. Foi o que aconteceu em Niterói em março deste ano. Uma mulher
registrou ocorrência de estupro ocorrido numa van, mas não houve
investigação. Duas semanas depois, os mesmo estupradores atacaram uma
turista americana no Rio de Janeiro. Dessa vez, com a denúncia da
imprensa e a pressão popular, conseguiram prendê-los. A delegada da Deam
de Niterói, Marta Dominguez, foi exonerada.
Feliciano e os que repetem seu discurso defendem que há mulheres que
denunciam estupro sem terem sido estupradas, como se ir à delegacia
fosse tão agradável quanto um passeio pela orla de Ipanema, água de coco
na mão, com o sol se ponto atrás do Morro Dois Irmãos. Não é. Além da
burocracia que todos nós conhecemos ao usar qualquer serviço público, a
vítima terá de fazer exames no IML, passando pelo imenso constrangimento
de tirar a roupa na frente de um estranho, em ambiente frio e cinza,
deixando que outra pessoa toque um corpo já machucado (ainda que tais
feridas não sejam tão aparentes assim para quem só observa sem empatia).
E este é só o começo de um procedimento longo e doloroso.
Definitivamente não é um passeio.
Houve quem entendesse que Feliciano defendeu, em suas postagens, que
um marido não poderia estuprar a esposa, como se o consentimento
estivesse explícito numa relação marital. Não seria surpreendente -
muita gente acha isso mesmo. Mas, por ora, preferi entrar na minha
máquina do tempo e adiantar para algum ano em que a mulher não é
considerada propriedade do marido. Volto depois contando como é.
Fonte: http://www.cartacapital.com.br/blogs
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