Protestos
“Não há violência no Black Bloc. Há performance”
Manifestante anarquista, que participou das ações
diretas em São Paulo, fala com CartaCapital sobre os protestos e a
depredação de bancos e concessionárias
Quebrar bancos não é violência, é performance. Esta é
opinião de uma manifestante dos black blocs, tática que vem ganhando
adeptos no Brasil. Participante dos protestos em São Paulo na última
semana, que resultaram na quebra de bancos e concessionárias, Roberto
(nome fictício), de 26 anos, falou com a CartaCapital por e-mail
sobre as ações. Ele explicou sua insatisfação com partidos, e os motivos
que o leva às ruas para depredar símbolos capitalistas. Leia a
entrevista abaixo:
CartaCapital: O que o motiva a fazer
parte de um black bloc? São insatisfações com o sistema político, com
partidos, com o capitalismo e o tipo de democracia que vivemos? Ou são
outras razões mais específicas?
Roberto: O Black Bloc foi uma estratégia nascida em
seio anarquista. Portanto, o que nos motiva é uma insatisfação com o
sistema político e econômico em que vivemos. Para mim, as duas coisas
são indissociáveis e têm problemas com raízes muito mais profundas do
que partido X ou partido Y.
CC: De quantos protestos já participou, fazendo black bloc? Qual o primeiro?
Roberto: Fazendo Black Bloc, já foram três
protestos. O primeiro foi o ato pela democratização da mídia, do dia 11
de julho. Mas antes já tinha participado de outras ações diretas, sem
necessariamente a identificação com o Black Bloc. Por exemplo, os dois
últimos atos pela redução da tarifa do transporte público, com a ação de
queimar bandeiras do Brasil.
CC: Por que decidiu ir aos protestos e fazer parte do Black Bloc?
Roberto: Decidi ir porque considero a ação direta
uma estratégia tão importante quanto a não-direta. Nossa sociedade vive
permeada por símbolos, e saber usa-los é essencial em qualquer demanda,
seja ela política ou cultural. Participar de um Black Bloc é fazer uso
desses símbolos para quebrar pré-conceitos e condicionamentos. Não só do
alvo atacado, mas até da própria ideia de vandalismo.
A sociedade tende a considerar a depredação como algo “errado” por
natureza. Mas se nós sabemos e admitimos que os alvos atacados, em sua
maioria agências bancárias até o momento, não foram realmente
prejudicados – ou seja, os danos financeiros são irrisórios – qual é o
real dano de uma estratégia Black Bloc? Por que deveria ser considerada
errada a priori?
Não há violência no Black Bloc. Há performance.
CC: Não tem medo de ser preso ou de ser violentado pela polícia? Como lida com isso?
Roberto: Claro que tenho medo. Que ótimo que eu
tenho medo. Existe o medo que paralisa e existe o medo que impulsiona.
Lidamos com nosso medo nos organizando melhor, planejando nossas ações e
debatendo cada estratégia.
Lidamos com nosso medo não sendo pegos.
CC: Você não se sente representado pelos movimentos sociais ou partidos? Por quê?
Roberto: Sinto-me “representado” por diversos
coletivos ligados a movimentos sociais, como o MPL (Movimento Passe
Livre), o DAR (Desentorpecendo A Razão), o CMI (Centro de Mídia
Independente), a Marcha das Vadias etc. Existem outros que apoio
fortemente, apesar de não poder dizer que me sinto representado porque
isso seria hipocrisia: não é o meu perfil que eles querem (e devem)
representar. Como exemplo, o MTST (Movimento dos Trabalhadores
Sem-Teto).
Não me sinto representado por nenhum partido político. Veja que a
conotação de “representação” aqui é outra. Não me sinto representado por
partidos porque não sou a favor de uma democracia representativa, mas
sim de uma democracia direta. A forma como os partidos políticos estão
configurados atualmente serve apenas dentro da lógica da democracia
representativa.
CC: Você lê/estuda sobre anarquismo? Acha importante esse debate no contexto dos black blocs?
Roberto: Sim, estudo tanto autores clássicos quanto
os mais recentes. Acho esse debate importantíssimo. Veja, a estratégia
Black Bloc é uma estratégia performática antes de tudo. E com alto valor
simbólico. Não se trata de depredar pelo simples prazer ou alegria de
quebrar ou pichar coisas. Trata-se de atacar o símbolo que existe
representado naquele local ou objeto físico. A formação política ajuda a
manter esse foco bem-definido. Ajuda a pensarmos quais são os alvos que
valem a pena e quais são os que se tornariam puro ataque gratuito.
Além disso, debater teoria política também nos permite reconhecer
quem é mais afinado com suas ideias e maneira de pensar, dando
oportunidade para outras estratégias, Black Bloc ou não. Todo debate
vale a pena, ele cria desdobramentos.
CC: A imprensa vem tentando fazer uma diferenciação
entre manifestantes pacíficos e violentos. O que acha dessa tentativa de
dividir em duas categorias os que estão nos protestos?
Roberto: Acho ridículo. Primeiro porque essa
diferenciação não é fixa. Existem manifestantes, muitos aliás, que
transitam entre os ditos “pacíficos” e os “violentos” dependendo das
estratégias, do ato, do grupo de afinidade e da situação. Usar de ações
direta não é uma invalidação de outras estratégias. Todas são válidas, e
é essa multiplicidade que nos confere força.
E segundo porque a noção de “Violência” é completamente deturpada. As
ações de vandalismo e depredação não podem ser consideradas violentes
simplesmente porque não são ataques contra pessoas, mas sim contra
coisas. A palavra “violência” carrega uma ideologia de discurso
preconceituosa e irracional e é usada para desqualificar as ações
diretas a priori.
CC: Os movimentos sociais e partidos de esquerda
costumam tentar o diálogo por vias institucionais. A ação direta nas
ruas pode trazer mais mudanças que esses processos? Por quê?
Roberto: As ações diretas não invalidam o diálogo por vias
institucionais. Quando atacamos uma agência bancária, por exemplo, não
somos loucos ou ingênuos de acreditar que estamos ajudando a falir um
banco. Mas nós estamos sim ajudando a tornar evidente o clima de
instabilidade política e a insanidade da nossa sociedade capitalista.
As táticas Black Bloc são uma demonstração do poder que já existe nas
mãos da população, e esse poder é normalmente desconsiderado pela
simples existência das chamadas “vias institucionais”. Quando atuamos
com ação direta, queremos também chamar atenção a isso, a essa
multiplicidade de caminhos para atender as reivindicações sociais e à
ineficiência de se utilizar apenas um, especialmente um que é viciado
pelo próprio sistema onde está inserido. Queremos demonstrar que
política também se faz com as próprias mãos.
Não queremos afirmar que as ações diretas nas ruas podem trazer mais
mudanças que esses processos, mas sim que as ações diretas nas ruas
podem trazer mudanças A esses processos. É mais pressão, mais autonomia.
CC: Quais você acha que devem ser os alvos de ações diretas e por quê?
Roberto: Bancos e outras instituições financeiras
por simbolizarem o capital; algumas sedes administrativas do poder
público, por simbolizarem o Estado; alguns monumentos públicos (a
idolatria aos bandeirantes é fascismo histórico e valorização do
genocídio, por exemplo); relógios públicos (são suporte para a
publicidade e simbolizam a escravidão pelo tempo); concessionárias, por
incentivarem nosso modelo falido de transporte e vida em sociedade.
Fonte: http://www.cartacapital.com.br/sociedade
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