A obra mais enrolada do Brasil é o Comperj
Como a construção do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro, o Comperj, virou um roteiro acabado dos males que travam a infraestrutura brasileira
Vista aérea do Comperj: muita ambição, muitos discursos e, por ora, pouco resultado
Rio de Janeiro - Em junho de 2006, o então presidente Luiz Inácio Lula
da Silva visitou a cidade de Itaboraí, na região metropolitana da
capital fluminense, para lançar a pedra fundamental do maior
empreendimento da história da Petrobras, o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro, mais conhecido como Comperj.
Lá, seriam investidos 6,5 bilhões de dólares numa refinaria inovadora,
que transformaria óleo pesado em produtos petroquímicos. Em março de
2008, Lula voltou à cidade para dar início à obra de terraplenagem, que
se tornou a maior já feita no país. Itaboraí e os municípios vizinhos
entraram em polvorosa com o anúncio de que o Comperj geraria 200 000
empregos diretos e indiretos.
Em março de 2010, quatro anos após o lançamento da pedra fundamental,
Lula voltou a Itaboraí pela terceira vez. Foi participar da assinatura
dos contratos que, finalmente, permitiriam o início da construção. Até
então, nenhum tijolo havia sido assentado no local.
Sete anos se passaram desde a primeira visita de Lula ao Comperj. Pelo
plano inicial, o complexo já deveria estar funcionando. Não está. Apenas
metade da obra foi executada — 53%, segundo a estatal. Nesse período,
quase tudo mudou. Em vez de uma refinaria, serão construídas duas.
Em vez de produzir petroquímicos, elas fabricarão combustíveis. Em vez
de consumir 6,5 bilhões de dólares, só a primeira demandará 13,5
bilhões. Em vez de ser uma obra tocada em sociedade com o setor privado,
ela virou 100% estatal. Por fim, em vez de ser inaugurada em 2012, a
obra ficou para o final de 2015, segundo a Petrobras — os fornecedores
dizem que só haverá inauguração em 2016.
Também não se sabe se o Comperj algum dia será realmente um complexo
petroquímico — a Braskem, empresa do setor interessada em se instalar no
empreendimento, ainda analisa a viabilidade econômica do projeto. O que
já se sabe é que a construção enfrenta tantos problemas que o Comperj
disputa o título de obra mais enrolada do país.
Um dos problemas que mais atrasaram o empreendimento é de ordem
ambiental. A empresa não consegue transportar um conjunto de
equipamentos encomendados na Itália que chegaram ao porto do Rio há um
ano e meio. São torres que pesam 1 100 toneladas cada uma e, por causa
do peso, não podem trafegar por estradas convencionais nem sobre a ponte
Rio-Niterói.
A solução seria levar as torres em uma barcaça pela baía de Guanabara
até um rio, o Guaxindiba. Esse rio, que recebe boa parte do esgoto do
município de São Gonçalo, dá acesso ao píer de uma cimenteira nas
proximidades do Comperj. A barcaça teria apenas 80 centímetros de calado
para não encalhar nas águas rasas da região. Ainda assim, seria
necessário dragar áreas assoreadas pelo acúmulo de dejetos no rio.
A princípio, o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) aprovou a solução,
e a Petrobras chegou a marcar o primeiro transporte para 24 de janeiro
de 2011. A situação desandou quando se constatou que o tal rio passa por
uma área de proteção ambiental, cuja responsabilidade é do órgão
federal Instituto Chico Mendes.
Consultado, o instituto vetou a operação, alegando que a dragagem
poderia espalhar materiais tóxicos no mangue da região. Resultado: a
Petrobras terá de construir um píer em São Gonçalo e uma estrada
especial de 19 quilômetros para transportar cargas ultrapesadas. As duas
obras devem ficar prontas em algum momento de 2014, e o aluguel pela
armazenagem dos equipamentos no porto do Rio será pago por pelo menos
três anos.
Olho do dono
Era de esperar que um projeto como o Comperj passasse por um rigoroso
processo de licenciamento ambiental. Além das unidades de processamento
de petróleo, o empreendimento depende de várias obras de infraestrutura, entre elas um gasoduto, um oleoduto, uma usina de geração de energia e um emissário de efluentes.
Por esse motivo, o Comperj será obrigado a adotar padrões muito
rigorosos — o tratamento dos efluentes do complexo, por exemplo, será
cinco vezes mais restritivo do que o definido por lei. A estatal também
arcará com 1 bilhão de reais em compensações ambientais.
Entre elas a recuperação de 4 800 hectares de mata Atlântica da região,
devastados no século 19, que receberão 7 milhões de árvores nativas.
Outra obrigação assumida é levar o serviço de saneamento básico a 78 000
pessoas em Itaboraí.
Mesmo assim, em maio, a Justiça paralisou a obra por dois dias com base
numa ação aberta em 2008 pelo Ministério Público. Na época, o MP alegou
que o licenciamento não deveria ser feito pelo Inea, um órgão estadual,
mas pelo Ibama, que é federal. O surpreendente é que o próprio Ibama
considera que a competência do licenciamento é do Inea.
“É lamentável que um magistrado tome uma decisão dessas no caso de um
empreendimento com um licenciamento tão rigoroso, enquanto não faltam
crimes ambientais no Brasil”, afirma Marilene Ramos, presidente do Inea.
A Petrobras conseguiu reverter a sentença, mas terá de conviver com a
insegurança jurídica até o mérito da ação ser julgado em última
instância.
As paralisações estão longe de ser exceção no Comperj. Até agora, cinco
greves de trabalhadores interromperam o trabalho por nada menos que 100
dias. O Tribunal de Contas da União é outra fonte de preocupação.
Durante as fiscalizações, o órgão encontrou vários indícios de
irregularidades, como indicações de superfaturamento que somam mais de
780 milhões de reais.
Por enquanto, nenhum processo foi encerrado, cabendo recurso por parte
da Petrobras. Em uma das decisões, o TCU recomendou a paralisação da
obra, que foi acatada pelo Congresso. O ex-presidente Lula peitou o TCU
e o Legislativo e capitalizou o episódio na visita à obra, em 2010,
durante a pré-campanha eleitoral.
Ao lado de Dilma Rousseff, Lula afirmou: “É o olho do dono que engorda o
porco. Se eu não estivesse atento, 27 000 trabalhadores estariam
desempregados”.
Em meio a essa epopeia, a obra ainda foi atingida no ano passado pela
perda de um dos principais fornecedores, a Delta Construção, acusada de
envolvimento com o bicheiro Carlinhos Cachoeira. A Delta participava de
dois consórcios, cujos contratos somavam 843 milhões de reais. Um deles
ainda está em fase de licitação.
A Petrobras afirma que o episódio não atrasou a obra, mas funcionários e
fornecedores dizem o contrário: uma unidade depende da outra e a
integração dos módulos da refinaria está prejudicada.
Muitos dos problemas enfrentados na obra do Comperj não dependem da
Petrobras e poderiam atingir qualquer empreendimento do país. Mas há
sinais de que a companhia não estava preparada para tocar um
empreendimento desse tamanho. A estatal não construía uma nova refinaria
havia 32 anos.
De 2007 a 2010, ainda na gestão de José Sérgio Gabrielli, decidiu
construir quatro: a Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco — que também
passa por maus bocados e um atraso de cinco anos —, o Comperj e as
refinarias do Maranhão e do Ceará, ambas em fase de projeto e em marcha
lenta.
Aumentar a capacidade de refino é uma necessidade da Petrobras e
do país. O consumo de combustíveis subiu muito no Brasil nos últimos
anos. O que deveria fazer a alegria de uma petroleira se tornou um
pesadelo, já que a Petrobras tem de importar óleo diesel e gasolina a
preços mais altos do que o governo lhe permite vender ao consumidor.
O problema é que faltam braços e cérebros para tanto trabalho. E,
assim, as obras não avançam. As falhas de gestão ficam evidentes no
relato do prefeito de Itaboraí, Helil Cardozo. Em novembro, antes de
assumir a prefeitura, Cardozo foi recebido pela presidente da Petrobras,
Maria das Graças Foster.
Ouviu dela que os prefeitos da região não estavam se empenhando
em desapropriar as áreas para a construção da estrada que ligará o píer
de São Gonçalo ao Comperj. “Já se passaram seis meses e a Petrobras
ainda não entregou o projeto da estrada”, diz Cardozo. “A construtora já
me procurou pedindo a licença para começar a trabalhar. Mas como vou
autorizar se nem sabemos onde a estrada vai passar?”
Há, por fim, outro drama: a falta de dinheiro para levar o Comperj
adiante. Segundo o presidente de uma construtora que participa das
obras, a ordem dentro do Comperj é “tirar o pé”. A EXAME, a empresa
declarou por escrito que a estatal não tem problema de caixa.
Entretanto, sob a condição de não ser identificado, um funcionário
graduado da companhia afirmou: “A Petrobras não tem dinheiro para nada.
Acabamos de captar 11 bilhões de dólares, mas a maior parte foi para
pagar dívida”. E, assim, o que foi anunciado como uma revolução na
petroquímica do país virou um roteiro acabado dos nós que seguram a
infraestrutura brasileira. O Comperj virou, por assim dizer, uma aula de
Brasil.
Fonte: http://exame.abril.com.br/revista-exame/edicoes/1044
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