Criticar o governo, sim. O capitalismo, nunca
A tarefa da mídia parece ser separar o povo do povo. De um lado, as nossas ideias, do outro, os vândalos
por Nirlando Beirão
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publicado
05/08/2013 09:19
Dá para notar que os protestos de rua estão
perdendo a mística, o encanto, para quem está do lado de lá deles –
digo, a mídia oligárquica e, por extensão, aquela facção ameba, mais
influenciável, da chamada opinião pública. Mais do que perder o
fascínio, as manifestações começam a provocar descrença e irritação,
como se a explosão espontânea e legítima das massas estivesse sendo
agora apropriada por uns grupelhos descabelados de radicais e
arruaceiros.
Não tenho mais idade para me regozijar com cenas de depredação, mas
me irrita a hipocrisia dos que aplaudiam antes e agora criticam. Tenho
até um pequeno, descompromissado palpite, a respeito desse divórcio que
se deu entre o momento em que o protesto era uma beleza e o momento em
que o protesto passou a ser um horror. Nada melhor, aliás, para balizar
essa reviravolta, do que a cobertura, sempre tão isenta, sempre tão
imparcial, do jornalismo eletromagnético da Globo e a dos dinossauros de
papel.
Meu palpite me diz: enquanto a raiva se voltava contra o governo e os
governantes, “essa infâmia de políticos corruptos”, “a dona Dilma”, “a
turma do mensalão”, aí o partido da mídia se deliciava. As multidões
ululantes vociferavam, justificadamente, contra a péssima qualidade dos
serviços públicos, primeiro os transportes, depois a saúde, e a
educação, e a segurança, e tudo o mais, se é por aí, ok, perfeito,
abaixo os podres poderes, o Estado é o mal maior.
De repente, a agenda parece ter se ampliado. Se é para discutir a
indigente situação dos serviços públicos no Brasil, por que não se
ocupar tambêm da sofrível – para dizer o mínimo – prestação de serviços
privados?
Existe tão grande diferença assim entre o malfalado SUS e certos
hospitais particulares onde o paciente é obrigado a pagar fortunas?
As universidades particulares, com suas mensalidades que pesam uma
tonelada no bolso, são exemplos da excelência pedagógica de Harvard e de
Cambridge?
E os serviços de telefonia, fixa e móvel?
E as filas dos bancos, aquilo lá é um exemplo de respeito ao cidadão?
E as companhias aéreas, com seu sistemático desrespeito ao viajante,
sem falar dos golpezinhos que costumam dar em seus sites de
contravenção?
Penso na indústria nacional, obsoleta, atrasada, sem nenhuma
musculatura física ou criatividade mental para competir no mundo,
indústria cujos produtos são um lixo (ressalvo os aviões da Embraer e as
sandálias havaianas), incapaz de inovar tecnologicamente (que inveja da
Coreia!), sempre queixosa, abúlica, pondo da culpa nos impostos e na
infraestrutura.
Ah, e há o espinho que mais dói. Os rebeldes da rua – os que ainda
estão aí – insistem em debater também a péssima qualidade da informação
que se produz e se veicula no Brasil. Por isso as emblemáticas
manifestações à porta da Globo, por isso a saudável insistência em
desconfiar do viés partidário e, mais uma vez, eleitoreiro dos veículos
que dizem falar em nome do povo.
Nesse Brasil de frases feitas e ideias curtas, o culpado é, tem de
ser, sempre o governo e os políticos, mesmo que eles sejam eleitos por
nós e mesmo sabendo-se que sem política não há democracia.
A mídia oligárquica nunca foi muito chegada à democracia. Menos ainda
ao povo. A tarefa dela, agora, é tentar dizer que há povo e povo.
Aquele que manifesta com as ideias das quais a gente gosta deve ser
respeitado. Aquele de quem a gente discorda não passa de um bando de
vândalos.
Fonte: http://www.cartacapital.com.br/blogs/qi
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