Medo de inflação e meta fiscal limitam concessões às ruas
Guido Mantega promete que não haverá cortes de investimentos
De um lado, o mercado financeiro
cobra do governo o cumprimento de metas fiscais e mais rigidez no
controle da inflação. Do outro, milhares de pessoas ocupam as ruas para
pedir melhores serviços de saúde e educação e exigir uma redução das
tarifas de transporte público.
Para especialistas ouvidos pela BBC Brasil, o
resultado é um intrincado dilema econômico que será um dos grandes
desafios do governo Dilma Rousseff no caminho até as eleições de 2014.
"Temos pressões que a princípio são
contraditórias sobre a questão fiscal, embora haja uma convergência na
demanda pelo controle da inflação", diz Enestor dos Santos,
economista-chefe para mercados emergentes do banco BBVA na Espanha.
"A pressão para um enxugamento dos gastos do
governo e temores de uma aceleração dos preços de fato limitam as
concessões que o governo pode fazer no curto prazo. No médio e longo
prazos, uma solução seria avançar em reformas que economizariam recursos
para serem usados em educação e saúde, como a reforma previdenciária ou
uma ampliação das parcerias com o setor privado em algumas áreas",
opina.
Santos lembra que os protestos ocorrem em um
momento delicado para a economia brasileira em função não apenas da
recente desaceleração do PIB e do avanço da inflação, mas também de
condições externas.
Com os EUA sinalizando que devem desacelerar seu
programa de incentivo monetário, fluxos de capitais de curto prazo que
nos últimos anos inundaram mercados emergentes começaram a voltar "para
casa", o que tem desvalorizado as moedas desses países - entre elas o
Real.
Recentemente, a agência de classificação de
risco Standard & Poor's também ameaçou rebaixar o rating (nota) da
dívida brasileira, alegando perda de credibilidade e piora das contas
fiscais do governo.
Medidas
Em meio a tais pressões, encontrar uma maneira
de responder às manifestações tornou-se ainda mais complicado. O governo
Dilma prometeu destinar R$ 50 bilhões para obras na área de mobilidade
urbana, além de fazer melhorias nos sistemas de saúde e educação.
A Câmara dos Deputados aprovou a destinação de
100% dos royalties do pré-sal para esses setores. Mas mesmo que o
projeto passe pelo Senado, tais recursos só são esperados para o longo
prazo - enquanto as demandas por melhorias parecem ser urgentes.
No início do mês, preocupado como impacto da
alta das tarifas de transporte no orçamento das famílias de baixa renda,
o governo já havia editado a Medida Provisória 617, que zera o
pagamento do Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o
Financiamento da Seguridade Social (Cofins) sobre a receita de empresas
de transporte coletivo urbano.
"Isso vale para todas as demandas: consideramos
que as desonerações estão de bom tamanho. Se porventura alguma outra
desoneração chegar a ser feita, (como) a do diesel, qualquer renúncia
será acompanhada de um corte de despesa ou de uma outra tributação para
compensar", disse o ministro da Fazenda, Guido Mantega, para o jornal O Globo.
Protesto em Brasília: governo entre as pressões das ruas e dos mercados
Em meio às manifestações, porém, a Comissão de
Assuntos Econômicos (CAE) do Senado aprovou um projeto de lei criando o
Regime Especial de Incentivos para o Transporte Coletivo Urbano e
Metropolitano de Passageiros (Reitup), que expande tal isenção para a
aquisição de insumos usados por essas empresas, como óleo diesel,
veículos, carrocerias e pneus.
De acordo com o relator do projeto, Lindbergh
Farias (PT), se o Reitup for aprovado no plenário, só em tributos
federais a renúncia fiscal seria de R$ 4,2 bilhões em 2014 e R$ 4,7
bilhões em 2015.
Não está claro como seriam custeadas tais
isenções, mas segundo Mantega, quando necessário o governo preferirá
cortar gastos de "custeio da máquina" - e não investimentos. "Há um mês e
meio atrás, fizemos um ajuste de 10% no custeio de todos os
ministérios. Como não entrou Saúde nem Educação, em outros ministérios o
corte foi maior. Aqui (na Fazenda), por exemplo, foi de 20%. E haverá
ainda mais cortes em gastos de custeio", disse o ministro.
Solidez
Para Fabiano Bastos, do Banco Inter-Americano de
Desenvolvimento, não há dúvidas de que o compromisso do governo com
suas metas fiscais ainda é sólido.
"O perigo de que haja um descontrole das contas
públicos não existe", diz Bastos, lembrando que a 'responsabilidade
fiscal' foi um dos cinco pontos com os quais Dilma se comprometeu em seu
primeiro discurso sobre os protestos.
"Essa não deixará de ser uma prioridade, mas no
médio e longo prazo o governo certamente terá de avaliar quais serão
suas opções para atender as demandas das manifestações com uma situação
fiscal de menor folga."
Para Álvaro Martim Guedes, especialista em
Administração Pública da Unesp, ao menos na área de educação, melhorias
importantes podem ser feitas com ganhos de eficiência e projetos para
aprimorar a gestão de recursos.
"Mas o mesmo não pode ser dito na área de saúde,
que ainda não se recuperou totalmente da perda de recursos causada pelo
fim da CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira,
extinta em 2008). E o problema é que orçamento de governo é igual
cobertor curto: se você cobre a cabeça, aparece o pé", diz Guedes.
Segundo o especialista, para investir nessa área
o governo provavelmente precisará de novas fontes de recursos. "Por que
não avançar, por exemplo, no projeto de impostos sobre grandes
fortunas?", defende.
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