Política
Ajuste Fiscal
Imposto sobre grandes fortunas aguarda votação há 15 anos
Prevista na Constituição, a taxação esbarra na falta de vontade política
dos governos e dos congressistas, que seriam atingidos pelo novo
imposto
por Renan Truffi
Fernando Frazão/ Agência Brasil
Ex-presidente, FHC é autor de um projeto que taxa a
riqueza, mas não o colocou em votação quando estava no cargo. PT faz o
mesmo há 13 anos
Em 1989, o então senador Fernando Henrique Cardoso (PSDB) propôs
a regulamentação de um tributo federal previsto na Constituição. O
projeto era o imposto sobre grandes fortunas.
De lá para cá, mais de 26 anos depois, a mesma pauta foi apresentada no
Congresso Nacional por pelo menos dez parlamentares, de diferentes
partidos: PT, PSOL, PV, PCdoB, PPS, além do próprio PSDB. O imposto, no
entanto, nunca chegou a ser votado. Agora, diante da necessidade de um ajuste fiscal para equilibrar as contas, o governo federal cogita ressuscitar a proposta. Mas será que, desta vez, o imposto avança?
“Eu pago para ver”, ironiza a ex-deputada federal Luciana Genro
(PSOL-RS). A ex-parlamentar, candidata à Presidência em 2014, é autora,
ao
lado dos deputados Chico Alencar (PSOL-RJ) e Ivan Valente (PSOL-SP),
de um projeto de lei de 2008 que trata da taxação de patrimônios. “Acho
realmente muito difícil que isso [aprovação do imposto] aconteça. Se
acontecer, vou aplaudir, mas acho muito difícil que o governo tenha
vontade política para levar isso adiante”.
A falta de vontade política atribuída por Luciana Genro ao governo é
baseada na quantidade de vezes em que o a gestão petista teve
oportunidade de negociar a entrada da pauta em votação. Depois de quase
ser colocado em votação em 2010, o projeto de Genro foi arquivado em
2011. No ano seguinte, acabou desarquivado e ficou pronto para votação
em plenário novamente, o que não aconteceu. “Hoje a lógica é de proteger
o grande capital e sacrificar o assalariado. A maior parte da
tributação é sobre salário e consumo. E a tributação sobre a riqueza é
muito pequena”, explica ex-deputada sobre a importância do projeto.
Atualmente o projeto do PSOL tramita com outras oito propostas iguais
apensadas. Várias delas são do PT, uma indicação de que o governo,
mesmo discordando dos valores propostos pelo PSOL, poderia ter levado o
tema adiante com um texto do próprio partido. Uma das propostas foi
elaborada em conjunto por nove deputados petistas e apresentada em 2012.
O próprio líder do projeto, deputado Paulo Teixeira (PT-SP), admite que
o assunto é “tabu”. Segundo ele, a explicação para o tema não ter se
tornado uma bandeira da legenda nos últimos anos era a situação
econômica do País.
“Esse modelo que tínhamos antes dava para todos ganharem.
Ganhavam os pobres, ganhavam os ricos. Nesse modelo que temos agora, na
minha opinião, precisamos buscar mais justiça social”, afirma o
deputado.
A falta de vontade política antecede em muito a chegada do PT ao
poder. O caso mais emblemático é o do projeto de FHC. A proposta do
ex-presidente está pronta para ser votada há 15 anos. Ele próprio teve
oportunidade de fazer acordos para votar a proposta quando ainda estava
no Palácio do Planalto. Recentemente, questionado sobre o assunto, o
tucano culpou o Ministério da Fazenda pelo fato da proposta ter ficado
estacionada. “No meu período, as confusões eram muito grandes, havia
muita dívida dos estados e qualquer medida que se tomasse nesse sentido
podia levar a uma fuga de capitais. Além do mais, a Fazenda sempre se
opôs à proposta por seu aspecto confiscatório”, minimizou em entrevista
ao jornal O Estado de S.Paulo.
Mas para Amir Khair, mestre em Finanças Públicas e especialista no
assunto, o impeditivo que explica a pouca vontade da maioria dos
parlamentares é na verdade o próprio perfil econômico do Congresso.
“Por que o Congresso não aprova? Porque os congressistas quase sem
exceção seriam atingidos por essa tributação. Eles não aprovam nenhuma
mudança tributária que os atinja. Essa é a razão central pelo fato de,
ao longo de todos esses anos, não ter sido regulamentado o imposto sobre
grandes fortunas”, opina.
O que é de fato uma grande fortuna?
Ainda que tenha vontade política para debater o imposto sobre grande
fortunas, o governo deverá enfrentar também resistência na questão das
valores patrimoniais que seriam taxadas em uma eventual aprovação do
tributo. O projeto do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, por
exemplo, estabelece a taxação sobre patrimônios de, pelo menos, 2
milhões de cruzados novos. Em valores atualizados, a proposta atingiria
pessoas com pouco mais de um milhão de reais em bens. Mas, assim como
não levou o projeto para frente, o tucano também recuou, recentemente,
dos valores estipulados por ele mesmo. “Este imposto, do jeito que está,
prejudicaria somente a classe média que não tem meios de escapar do
Fisco”.
Amir Khair discorda. “Com patrimônios de cerca de um milhão de reais
você já tira dessa tributação 95% ou 98% da população brasileira. Então
essa tributação vai incidir em 2% ou 5% da população”, afirma segundo os
resultados de seus cálculos. “Ao estabelecer essa tributação, você não
precisa colocar alíquotas elevadas. Essas alíquotas podem ficar no nível
de 1% no máximo e ter, ainda assim, esse potencial de arrecadação que
eu falei, com 100 bilhões de reais/ano”, defende.
Se o governo usar como base o projeto de seus próprios deputados, o
imposto deve atingir bem menos milionários do que os contabilizados nas
contas do especialista. Na proposta que tem como líder o deputado Paulo
Teixeira, por exemplo, os petistas sugerem que a tributação deva incidir
apenas sobre pessoas cuja a riqueza seja avaliada em pelo menos 12
milhões de reais. O resultado desse recorte resultaria, nas estimativas
dos parlamentares, em uma arrecadação de 6 bilhões de reais por ano.
Para Luciana Genro, os valores não importam tanto quanto a
necessidade do imposto sobre grandes fortunas ser aprovado junto de uma
mudança na estrutura tributária brasileira. “A proposta de imposto sobre
grandes fortunas está no bojo de outras mudanças tributárias. O imposto
sobre grandes fortunas é muito importante e simbólico, e pode trazer de
fato uma arrecadação importante, mas não é digamos assim a solução para
todos males. Ele é parte dessa, digamos assim, revolução da estrutura
tributária que precisa ser feita para realmente fazermos justiça
fiscal.”
Fonte: http://www.cartacapital.com.br/politica/imposto-sobre-grandes-fortunas-aguarda-votacao-ha-15-anos-7332.html
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