
 
Uma auditoria realizada pela Controladoria-Geral da União (CGU), 
órgão vinculado à Presidência da República, aponta que,  em 2012, a 
Caixa Econômica Federal promoveu uma espécie de confisco secreto de 
milhares de cadernetas de poupança. Em um minucioso relatório composto 
por 87 páginas, os auditores da CGU revelam os detalhes da operação 
definida como ?sem respaldo legal?, que envolveu o encerramento de 
525.527 contas sem movimentação por até três anos e com valores entre R$
 100 e R$ 5 mil. Os documentos obtidos por ISTOÉ mostram que o saldo 
dessas contas foi lançado, também de forma irregular, como lucro no 
balanço anual da Caixa, à revelia dos correntistas e do órgão regulador 
do sistema financeiro. No total, segundo o relatório da CGU, o 
?confisco? soma R$ 719 milhões. O documento foi remetido à Assessoria 
Especial de Controle Interno do Ministério da Fazenda e ao Banco Central
 e desde novembro auditores do BC se debruçam sobre a contabilidade da 
Caixa para apurar as responsabilidades. ISTOÉ também teve acesso a cinco
 pareceres do Banco Central que
 foram produzidos após as constatações 
feitas pela CGU. Em todos eles os técnicos concluem que a operação 
promovida em 2012 foi ilegal. No documento redigido em 4 de novembro do 
ano passado, o Departamento de Normas do BC (Denor) adverte que a 
operação examinada consiste em ?potencial risco de imagem para todo o 
Sistema Financeiro Nacional?.

 
Nos cálculos feitos pelos auditores da CGU, os R$ 719 milhões obtidos
 com essa espécie de confisco representaram nada menos que 12% do lucro 
do banco naquele ano, engordando o pagamento de bônus a acionistas. 
?Essa é uma forma de turbinar o lucro do banco, mas é crime contra o 
Sistema Financeiro Nacional?, disse à reportagem um dos auditores que 
investigam a operação.  O dado que despertou a atenção dos auditores em 
uma rotineira prestação de contas foi um crescimento de 195% na rubrica 
?Outras Receitas Operacionais? em apenas um ano. A Caixa, então, foi 
convocada a detalhar a contabilidade, identificando as fontes de todos 
os recursos. No relatório, os técnicos da CGU registram que houve 
resistência em fornecer as explicações, mas a CEF acabou mostrando todas
 as planilhas. A CGU descobriu, então, que foram selecionadas para 
encerramento 525.527 contas de poupança, praticamente todas elas 
pertencentes a pes-soas físicas. Essas contas foram escolhidas a partir 
do saldo e do período em que permaneceram sem movimentação. Foram 
encerradas as poupanças com saldos de até R$ 100 e sem movimentação 
havia mais de um ano; até R$ 1 mil e inativas por dois anos; e até R$ 5 
mil sem movimento por três anos. Essa rotina foi implantada em janeiro e
 finalizada em agosto. Ao final do semestre, os valores remanescentes na
 conta ?Credores Diversos? eram transferidos para a subconta de 
resultado ?Outras Receitas Operacionais?. Para a CGU, não há lei ou 
regulamento que determine que o saldo de uma conta encerrada deva ser 
incorporado ao resultado e, posteriormente, ao patrimônio de um banco. 
Além disso, a legislação determina o prazo prescricional de 25 anos para
 a devolução dos saldos de contas encerradas, com recolhimento ao 
Tesouro. Não sendo reclamados ao final de mais cinco anos, podem somente
 então ser incorporados ao patrimônio da União.

 
Aos auditores da CGU e ao Banco Central, a Caixa argumentou que para 
encerrar as contas se amparou em resolução do Conselho Monetário 
Nacional (2025/1993), numa circular do Banco Central (3006/2000) e no 
ma-nual normativo da própria instituição. Alegou que as contas 
encerradas continham falhas cadastrais e, por isso, deviam ser fechadas.
 Ocorre que, segundo os técnicos da CGU e os analistas do Banco Central,
 as normas citadas não se aplicam no caso de encerramento de poupanças, 
muito menos prevê a apropriação dos valores pelo banco.
A Resolução 2025 de 1993 trata na verdade, segundo os auditores, do 
encerramento de contas abertas ?com documentação fraudulenta?, quando há
 indícios de crime contra a administração pública. E para promover o 
encerramento é necessária autorização judicial. Ou seja, para que a 
Caixa pudesse fechar as 525.527 poupanças precisaria comunicar cada um 
dos casos à Polícia Federal e só depois de confirmados os indícios de 
fraude é que as contas poderiam ser encerradas. Da mesma forma, de 
acordo com os auditores, a Circular 3006 de 2000 prevê autorização do 
cliente para encerramento da conta. Na operação de 2012, a Caixa não 
procurou os titulares das poupanças previamente, não identificou os 
indícios de fraude e nem sequer consultou o Banco Central, segundo os 
relatórios obtidos por ISTOÉ. Na semana passada, a direção da CEF 
encaminhou nota à revista reafirmando ter consultado os correntistas 
(leia a versão da CEF na pág. 49).

 
Ainda segundo o relatório da CGU, os auditores tiveram acesso a um 
parecer anexado ao voto no conselho diretor pelo setor jurídico da 
Caixa. Nesse parecer era recomendado que antes de finalizar a operação 
fosse feita uma consulta ao BC. Além disso, no mesmo documento o setor 
jurídico da Caixa alertava para os riscos de dano à imagem do banco, 
além de enquadramento civil por ?enriquecimento sem causa? (art.884 a 
886 do Código Civil) e criminal, por apropriação indébita (art. 168 do 
Código Penal). Em parecer enviado à CGU, o Banco Central aponta a 
completa ausência de respaldo legal para o encerramento das contas, 
especialmente as de poupança. ?A regulamentação não prevê a 
possibilidade de encerramento de contas que não tenham sido 
movimentadas. Não é possível se apropriar de um patrimônio que não é de 
sua propriedade?, afirma o documento. O BC ressalta ainda que a Caixa, 
antes da baixa das contas classificadas como inativas, procedeu à 
reclassificação de seus saldos para uma conta de natureza diversa da de 
poupança. O voto do conselho diretor que aprovou o encerramento das 
contas consideradas inativas também autorizou a transferência de seus 
saldos para a rubrica ?Credores Diversos?, em uma subconta denominada 
?Contas Encerradas ? RE. BACEN 2025/93?. ?A mudança na conta de registro
 desrespeita a essência econômica (depósito) da operação e, ainda, 
compromete a sua devida evidenciação?, acrescenta o parecer do Banco 
Central. Segundo os técnicos do BC, ?o procedimento visa a afastar a 
transparência?.

 
Um dos anexos do relatório da CGU é o chamado ?Certificado de 
Auditoria Anual de Contas?, assinado pelo coordenador-geral da área 
fazendária, Antonio Carlos Bezerra Leonel. Ele identifica como 
responsáveis diretos pela operação os vice-presidentes da Caixa Raphael 
Rezende Neto, da área de controle e risco, e Fabio Lenza, que cuida das 
contas de pessoa física. ?Um dos vice-presidentes foi responsável pela 
execução do procedimento sem adequada transparência nas demonstrações 
contábeis e consulta ao Banco Central, o outro era responsável pela área
 finalística de onde mais de 99,70% dos recursos eram oriundos. Cabe 
ressaltar que o procedimento foi aprovado pelo conselho diretor da Caixa
 em 2010, mas não havia nenhuma explicação de que os recursos obtidos 
pelo procedimento seriam retirados do passivo para o resultado do 
banco?, escreve Leonel, que recomenda a aprovação com ressalva das 
contas dos dois dirigentes. O voto é reiterado pela diretora de 
auditoria econômica da CGU, Renilda de Almeida Moura, que o encaminha ao
 ministro-chefe da Controladoria-Geral, Jorge Hage, e ao Tribunal de 
Contas da União.

 
O Banco Central já enviou para a CGU a conclusão final da inspeção 
feita nas contas da Caixa. Também emitiu ofício à CEF determinando a 
cessação imediata da prática adotada e a correção dos lançamentos 
contábeis na prestação de contas de 2013. Isso significa que o lucro 
inflado irregularmente em 2012 pela apropriação irregular das poupanças 
deverá ser descontado do lucro que será divulgado pela Caixa até março. A
 CEF  também foi obrigada a emitir uma nota explicativa do caso e a 
ressarcir os correntistas que tenham sido prejudicados. Até novembro do 
ano passado, mais de 6,4 mil clientes já procuraram a Caixa preocupados 
com o desaparecimento de seus depósitos, num total de R$ 20,6 milhões. O
 banco diz que está restituindo cada centavo corrigido.
FISCALIZAÇÃO
Auditores da Controladoria-Geral da União fizeram relatório com 87 páginas  
Fotos: ROBERTO CASTRO/AG. ISTOÉ; Gustavo Moreno/CB/D.A Press; Luludi/LUZ
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Fonte: isto e 
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