Pré-sal e o embate geopolítico estratégico: a maior privatização da história política do Brasil
“É um absurdo que um país, sem saber quanto tem de
petróleo, coloque em leilão um campo com gigantesca dimensão”, declara o
engenheiro Ildo Sauer
do IHU On-Line
“Nenhum
país do mundo faz o que o Brasil está fazendo: leiloar aos poucos o
acesso da produção de petróleo de campos cujo total é desconhecido”,
adverte Ildo Sauer, em entrevista concedida à IHU On-Line, ao comentar o
leilão do Campo de Libra, anunciado para 21 de outubro deste ano. Na
avaliação dele, a iniciativa da Presidência da República é equivocada,
porque “não faz sentido” colocar em leilão o Campo de Libra, que,
“segundo a Agência Nacional do Petróleo – ANP, pode ter entre 8 e 12
bilhões de barris, apesar de haver estimativas de que possa chegar a 15
bilhões de
barris. Se os dados forem esses, trata-se da maior descoberta
do país”. De acordo com ele, o “Brasil não sabe se tem 50 bilhões, 100
bilhões ou 300 bilhões de barris. Se o país tiver 100 bilhões, estará no
grupo de países de grandes reservas, se tiver 300 bilhões, será o dono
da maior reserva do mundo, porque 264 bilhões é o volume de barris da
Arábia Saudita”.
Na entrevista a seguir,
concedida por telefone, Sauer explica como ocorreu o processo de
investigação da camada pré-sal e as razões que levam o Estado brasileiro
a optar pelo leilão, ao invés de contratar a Petrobras para explorar as
novas reservas petrolíferas. “A minha perplexidade e apreensão é de que
o Conselho Nacional de Política Energética, comandado pela Presidência
da República, deliberou colocar esse campo em leilão. Parece-me que essa
decisão é baseada em problemas da macroeconomia, das contas externas e
do déficit público, que tem sofrido uma deterioração considerável nas
contas”, menciona. E dispara: “Até agora, a estratégia brasileira está
completamente equivocada, e Libra é apenas a cabeça de ponte, é o início
de um processo de deterioração e de um papel subalterno que o Brasil
está cumprindo nesse embate global entre os países que detêm reservas e
recursos e aqueles que querem se apropriar deles pagando o mínimo
possível. Petróleo não é pizza, não é boi, não é um negócio qualquer”.
Ex-diretor
executivo da Petrobras, responsável pela Área de Negócios de Gás e
Energia, entre 2003 e 2007, Sauer assegura que, caso a Petrobras fosse
contratada para explorar o Campo de Libra, seria possível pagar o
investimento da exploração em no máximo três anos, garantindo uma
produção de petróleo por 30 anos, com uma “produção um pouco superior a 1
milhão, 1,5 milhão de barris por dia, que daria um excedente
proporcionalmente menor, mas mesmo assim chegaria a algo entre 35, 40
bilhões”.
Ildo Sauer alerta que, quando se trata
de petróleo, “um lucro enorme está em disputa”, e o “governo americano
quer dobrar a espinha dorsal da OPEP, fazer com que haja novamente uma
superprodução de petróleo, que o preço caia e que os benefícios do uso
do petróleo voltem a ser apropriados pelos países consumidores, ou seja,
os países desenvolvidos”. E acentua: “A ação brasileira parece que é
absolutamente ingênua ou destituída de conhecimento do embate
geopolítico estratégico em que está se dando esse teatro de operações em
torno do petróleo”.
Ildo Sauer é graduado em
Engenharia Civil pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS,
mestre em Engenharia Nuclear e Planejamento Energético pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ e doutor em Engenharia
Nuclear pelo Massachusetts Institute of Technology. Atualmente é
professor titular da Universidade de São Paulo – USP.
IHU
On-Line – Como ocorreu o processo de descoberta da camada pré-sal, e
como ficou definida que ocorreria a exploração do petróleo no país?
| Ildo Sauer - Foto: CPFL/CC |
Ildo Sauer –
Há tempo a Petrobras vinha investigando a possibilidade de haver
petróleo na camada pré-sal e, para tal, ela buscou parcerias nacionais e
internacionais, centros de pesquisa, empresas, para trabalhar na área
de elaboração e interpretação das imagens captadas da camada pré-sal.
A
ideia se consolidou em 2005, quando se descobriu que abaixo do Campo de
Parati, que tem uma camada de 300 metros de sal, havia petróleo leve,
ou seja, um pequeno “bolsão” do pré-sal.
Foi isso
que deu confiança à diretoria da Petrobras para, em 2006, autorizar a
reentrada de investigação para averiguar se havia ou não mais poços de
petróleo.
Na primeira tentativa de investigação,
chegou-se ao sal sem encontrar petróleo. Por conta disso, houve uma
longa discussão e avaliação técnica, e a diretoria da Petrobras
autorizou a reentrada da plataforma da TransOcean no Campo — a um custo
de 264 bilhões de dólares —, que perfurou os 3 km de sal e encontrou
petróleo leve. Estava, então, nesse momento, confirmado o modelo
geológico do pré-sal, assim como uma nova realidade muito alvissareira e
auspiciosa para o país.
A notícia foi repassada
ao presidente da República em 2006, mas mesmo assim o governo federal
manteve o leilão de petróleo, o qual posteriormente foi anulado na
Justiça.
Aí há um paradoxo que é importante
sacar: de um lado a Petrobras avançou em suas pesquisas e comunicou ao
presidente da República, à época Luiz Inácio Lula da Silva, e à
presidente do Conselho Nacional de Políticas Energéticas, que naquele
tempo era a Senhora Rousseff, que estávamos tendo um contexto
petrolífero no país, mas o governo decidiu leiloar o petróleo.
Primeiros poços de petróleo
Em
2006, descobriu-se o primeiro poço de petróleo, em seguida, o segundo,
que confirmou e permitiu delimitar a extensão do Campo de Tupi, algo em
torno de cinco a oito bilhões de barris.
Trata-se
de uma descoberta gigantesca para o tipo de campo que se vinha
descobrindo no Brasil, na camada pós-sal. A partir daí começamos a
entender que o pós-sal possivelmente também seria petróleo formado no
pré-sal e que, ao se romper a camada de sal por causa dos movimentos
próximos da costa, o petróleo migrasse para cima e sofresse
transformações, se tornando mais pesado por conta desse processo,
retendo-se em camadas impermeáveis superiores acima do sal, formando
aqueles bolsões de petróleo de menor dimensão, que são do pós-sal, os
quais tinham garantido a efêmera autossuficiência do Brasil em 2006.
Entretanto, tal descoberta foi tão festejada quanto abandonada por causa
da Política Energética Brasileira em relação ao etanol e às políticas
da expansão da frota de veículos. Hoje o Brasil importa petróleo e
derivados, ou seja, há um prejuízo para a Petrobras. De qualquer
maneira, o pós-sal e o pré-sal têm essa relação.
Em
2007, foi construído o segundo poço, o qual permitiu dimensionar o
Campo de Tupi. Em novembro de 2007, foi feita a retirada de 42 blocos do
entorno de Tupi, mas mantido o leilão, apesar de ter sido
desaconselhado pelo Clube de Engenharia, pelos dirigentes da Petrobras e
pelos movimentos sociais. Todos diziam que o governo deveria esperar
para dimensionar as reservas do pré-sal, concluir o processo
exploratório e avaliar o que fazer com tais reservas.
Estratégia
Em
qualquer lugar do mundo, quando se descobre uma nova província
petrolífera ou mineral, se faz um esforço para dimensioná-la. Mas isso
até hoje não foi feito no Brasil, e é um dos primeiros problemas que
temos em relação ao Campo de Libra. Deveria ter sido feita a conclusão
do processo exploratório, que significava simplesmente concluir as
sísmicas. A Petrobras poderia ser contratada para fazer isso. Nenhum
país do mundo faz o que o Brasil está fazendo: leiloar aos poucos o
acesso da produção de petróleo de campos cujo nem o total do pré-sal é
conhecido, nem dos campos individuais. O Campo de Libra está indo a
leilão com apenas um poço, o que não permite delimitar com precisão qual
é o volume de petróleo existente. Ninguém vende uma fazenda cheia de
bois sem contar o número de bois. Quer dizer, não faz sentido colocarmos
em leilão o Campo de Libra, que, segundo a Agência Nacional do Petróleo
– ANP, pode ter entre 8 e 12 bilhões de barris, apesar de haver
estimativas de que possa chegar a 15 bilhões de barris. Se os dados
forem esses, trata-se da maior descoberta do país.
Por que a decisão de leiloar esses campos?
A
decisão é da Senhora Rousseff, que preside o Conselho Nacional de
Políticas Energéticas. Deu na veneta dela reunir o Conselho, composto
pelos ministros a ela subordinados, e presidentes de órgãos pela
presidência nomeados, que estão lá para referendar as vontades do
príncipe, ou nesse caso, da princesa. Então, é um absurdo que um país,
sem saber quanto tem de petróleo, coloque em leilão um campo com essa
gigantesca dimensão de petróleo. O governo nem sequer se deu ao trabalho
de concluir a exploração de Libra, quando deveria ter concluído os
dados do pré-sal como um todo para sabermos se temos os 50 bilhões de
barris mais ou menos já confirmados com a sucessão de descobertas dos
vários campos, desde Parati, Tupi, Libra, Franco e todos os outros que
vieram depois e já foram anunciados.
Ao longo de
60 anos de pós-sal, que se completam no dia 3 de outubro, a Petrobras
descobriu cerca de 20 bilhões de barris de petróleo, produziu cinco
bilhões, está produzindo cerca de 700 milhões de barris por ano nos
últimos tempos – a produção está estagnada nesse patamar de dois milhões
de barris por dia. Hoje a estatal também tem reservas convencionais de
pós-sal da ordem de 15 milhões.
Obviamente,
quando num leilão não há precisão nem certificação do volume de
petróleo, isso é precificado contra quem leiloa. Ninguém vai oferecer
algo ao governo se não tiver certeza do produto que pretende comprar.
Então, nesse sentido, há uma série de movimentos sociais apoiados por
pesquisadores e professores, que estão buscando o caminho das
manifestações políticas e da Justiça para impedir esse leilão, o qual
não convém ao interesse público e nacional.
A
minha perplexidade e apreensão é de que o Conselho Nacional de Política
Energética, comandado pela Presidência da República, deliberou colocar
esse campo em leilão. Parece-me que essa decisão é baseada em problemas
da macroeconomia, das contas externas e do déficit público, que tem
sofrido uma deterioração considerável nas contas. De modo que essa
proposta de pedir 15 milhões de reais de pagamento de bônus para
assinatura é uma coisa que não tem sentido, pois só piora o resultado
final do leilão, na medida em que alguém precisa, de antemão, pagar um
valor tão grande.
Como avalia a modalidade de contrato de partilha de produção?
A
lei da partilha de produção foi sancionada pelo presidente Lula nos
últimos dias de seu governo, se não no último. Ele, ao longo de oito
anos, alegremente exercitou o modelo da concessão, o qual dizia,
enquanto candidato à presidência, combater e alterar, apesar de o manter
intacto e inalterado durante seu governo. De todo modo, acabou criando o
modelo de contrato de partilha. Este modelo tem uma única válvula de
escape que é interessante para a nação, ou seja, uma cláusula que
permite a contratação direta da Petrobras sem licitação. Por que o
governo não está exercitando essa opção? É preciso perguntar. Por que o
governo também não cumpre aquelas cláusulas que são princípios básicos
da administração pública, que exigem impessoalidade, publicidade,
eficiência e moralidade?
O modelo de contrato de
partilha de produção adotado no Brasil prevê o seguinte: o governo pode
contratar diretamente a Petrobras e, de forma transparente, negociar com
ela, ou seja, negociar como se daria a produção, em que ritmo, quais
parceiros a Petrobras poderia ter em razão da dificuldade financeira
pela qual está passando. Essa dificuldade financeira foi criada pelo
próprio governo, ao impor à Petrobras uma espécie de assédio moral, onde
a estatal não está cumprindo a lei, porque a lei manda praticar preços
competitivos. Hoje parte da gasolina, do diesel, do gás natural está
sendo importada a preços superiores aos de venda interna, causando
prejuízo. A Petrobras está descapitalizada por esse longo processo que
vem ocorrendo desde 2008 para cá, e nesse momento a empresa está
comprometida com um plano de investimento estratégico de longo prazo
bastante grande. É nesse contexto que o governo decide fazer o leilão de
Libra.
Leilão do patrimônio público
O
governo não está leiloando somente o Campo de Libra sem saber a sua
dimensão, mas está leiloando outro patrimônio público, que é a
capacitação de a própria Petrobras, que foi construída ao longo de seis
décadas, operar. A empresa pode ter um eventual parceiro, que virá a ser
um mero sócio financeiro, mas que poderá ter até 70% do volume de
petróleo.
Qual é o procedimento que o governo
está adotando? O leilão vai definir qual é a fração do óleo lucro,
depois de deduzir todas as despesas de investimento. Eu estimo que esse
Campo de Libra terá entre 15 e 22 plataformas, ao custo de três a quatro
bilhões de dólares cada uma, e teremos algo entre 60 e 80 bilhões de
dólares, mas poderá entrar no ritmo de produção algo em torno de um a
dois milhões de barris por dia, se for tomada a decisão microeconômica
de produzir o quanto antes mais petróleo, como querem todos aqueles que
operam em razão do regime financeiro, a qual é inadequada para a
exploração desse petróleo.
De qualquer maneira,
exaurindo 15 bilhões de barris em 20 anos, será possível ter uma média
de dois bilhões de barris por dia, que gerariam um excedente econômico
típico, cujo custo está em torno de 15 dólares. Com o custo de capital,
mais operação, mais os 15% de royalties, chegaremos a 30 dólares de
custo. De maneira que o excedente de 70 dólares por barril, a um pouco
mais de 700 milhões de barris por ano, dois milhões por dia, significa
um excedente de 50 bilhões. Portanto, em um ano ou dois, é possível
pagar o investimento com esse ritmo de produção.
Se
o ritmo de produção for mais lento, no caso de estender a produção por
30 anos, teríamos uma produção um pouco superior a um milhão, 1,5 milhão
de barris por dia, que daria um excedente proporcionalmente menor, mas
mesmo assim chegaria a algo entre 35, 40 bilhões, o que novamente
permitiria pagar em dois anos e meio, três anos, todo o investimento. A
partir daí, sim, entra o óleo lucro.
Trata-se,
portanto, da maior privatização da história política do Brasil. O
governo do PT, que foi eleito se contrapondo às privatizações e à
privatária anterior, está agora promovendo o maior leilão da história.
Tendo um excedente econômico de 50 bilhões por ano, ao longo de 20 anos,
isso dá um trilhão de dólares. Esse é um valor extraordinariamente
elevado para ser tratado com a displicência com que o governo está
tratando e com a desinformação junto ao Congresso Nacional, à mídia e à
sociedade. Mas o mais grave é outro problema: a ausência de uma
estratégia para o país se inserir no mercado internacional de petróleo.
Qual é a posição do Brasil no cenário geopolítico? O país está atento ao significado político e econômico da camada pré-sal?
Nossa
proposta é que, primeiro, se delimite o volume de petróleo, de forma
que, sabendo quanto petróleo se tem, é possível fazer uma estratégia
nacional de produção. É preciso lembrar que o conceito de royalties
original é “uma retribuição ao soberano por ele abrir mão de um recurso
natural que não estará mais disponível”. O soberano, de acordo com a
Constituição Federal, é a nação brasileira. O artigo 20 da Constituição
diz que os recursos do subsolo, incluindo aí o petróleo e outros
recursos minerais, pertencem à nação. O artigo 5º da Constituição
garante aos brasileiros direitos sociais, acesso a educação, saúde,
moradia e outros. O governo diz que não consegue cumprir os direitos
sociais porque não possui recursos, mas não considera os recursos que
estão assegurados à Constituição pelo artigo 20. Então, o caminho mais
razoável é delimitar as reservas de petróleo, fazer um plano nacional de
desenvolvimento econômico e social, saber quanto o governo precisa
investir todos os anos em educação pública, saúde pública, reforma
urbana, mobilidade, informatização, proteção ambiental, ciência e
tecnologia, infraestrutura produtiva e, acima de tudo, em um programa
que assegure ao Brasil, à medida que o petróleo for se exaurindo,
capacidade suprir as necessidades energéticas.
Tendo
um plano nacional nessa dimensão, seria possível estimar qual a
produção do petróleo necessário para financiar esse plano. Mas isso é o
contrário do que o governo está fazendo. As denúncias de espionagem dos
Estados Unidos junto à Petrobras e ao governo federal se vincula
diretamente a esse problema geopolítico e estratégico. O governo parece
que não se deu conta da dimensão que isso tem. Fazer o controle do ritmo
de produção é fundamental para manter o preço do produto. E quem tem de
reter essa capacidade de definir o ritmo de produção é o governo
federal. Na medida em que se outorga o contrato de concessão ou de
partilha, que tem cláusulas predefinidas sobre o ritmo de produção, o
consórcio opera segundo a lógica microeconômica e busca retirar, o
quanto antes, o maior volume de recursos financeiros possível daquele
contrato de concessão ou de partilha, que neste caso pode se transformar
num verdadeiro problema internacional.
Petróleo no cenário mundial
Volto
ao ponto fundamental. Até 1960, grande parte dos recursos de petróleo
do mundo estava na mão das companhias de petróleo multinacionais,
comandadas pelas conhecidas sete irmãs: 84% do petróleo estavam na mão
delas; 14%, da União Soviética; e 2%, das empresas nacionais. Em 1960
foi criada a Organização dos Países Exportadores de Petróleo - OPEP, que
fez duas tentativas e transferiu o excedente econômico que ia para as
empresas em direção aos países que detinham as reservas. Hoje, no mundo,
mais de 90% das reservas de petróleo conhecidas estão em mãos de
Estados nacionais, que têm ou empresas 100% estatais, ou empresas
híbridas, como é o caso da Petrobras.
O Brasil
não sabe se tem 50 bilhões, 100 bilhões ou 300 bilhões de barris. Se o
país tiver 100 bilhões, estará no grupo de países de grandes reservas,
se tiver 300 bilhões, será o dono da maior reserva do mundo, porque 264
bilhões é o volume de barris da Arábia Saudita. A Venezuela passa disso,
se formos considerar o petróleo ultrapesado. De petróleo convencional
normal, a Venezuela se encontra no patamar de 80 a 120 bilhões de
barris, onde se encontra a Líbia, o Iraque, o Irã, os Emirados Árabes,
que são os países do segundo bloco.
Experiência russa
A
Rússia passou por um processo semelhante ao que o Brasil está passando
agora. O governo Boris Iéltsin fez um modelo de entrega do petróleo aos
grandes grupos econômicos, como Lula e Dilma tentaram com Eike Batista,
mas não deu muito certo, porque ele encontrou petróleo, mas não soube
produzir. De toda forma, o controle das reservas mundiais e do ritmo de
produção é feito em coordenação da OPEP com a Rússia. A OPEP produz
cerca de 25 milhões de barris e coloca isso no mercado, junto com a
Rússia. Ambas produzem o volume de petróleo necessário para suprir
grande parte da demanda, além da produção autônoma interna de vários
países.
Então, a OPEP conseguiu, no choque de
1963-1969, aumentar o preço do petróleo, mas fracassou, porque a União
Soviética vendia petróleo fora do controle para obter moeda forte e
conseguir superar o bloqueio da Guerra Fria. Além disso, o México também
vendia para outros países, e algumas nações não cumpriam as cotas
determinadas pela OPEP.
Apesar disso, de 2005
para cá, a OPEP, junto com a Rússia, está mantendo o nível de produção
num patamar que tem permitido manter o preço do petróleo acima de 80
dólares, 100 dólares, que seria o preço pelo qual é possível obter um
substituto, que seria, nesse caso, a liquefação do carvão, que custa
muito e polui. Esse preço regulador é mais ou menos compreendido como um
patamar sustentável desde que a OPEP mantenha a coordenação. Se o
Brasil entrar rendendo dois milhões de barris por dia, mais o excedente
que a própria Petrobras está prevendo no plano dela, e o que o senhor
Batista, antes de fracassar, previa, o país estará cumprindo um papel de
desestruturar a coordenação e a redução de preço que, em última
instância, é contra o interesse dos exportadores de petróleo. Aliás, é
isso que está na base do acordo feito pela senhora Rousseff com o senhor
Obama, em março de 2011, e anunciado pela Casa Branca, dentro de um
documento de estratégia para garantir a segurança energética do Premium
Secure Energy Supply.
Entre os pontos acordados
pelos presidentes, nos interessa o ponto em que eles concordaram em
compartilhar o desenvolvimento dos vastos recursos do pré-sal. O mesmo
documento diz que o governo americano também está negociando com o
México a abertura do Golfo do México, na parte mexicana. O governo
americano vai colocar em produção a sua plataforma continental, de forma
que o programa de biocombustíveis, o programa de ciência energética e
mudança do paradigma tecnológico da mobilidade, fazem parte de uma
iniciativa do governo americano com o objetivo final de quebrar a OPEP e
fazer com que a antiga ordem volte a imperar, onde o petróleo tem o
preço bem mais baixo do que tem hoje.
Produção de petróleo
Hoje,
o custo da produção do petróleo no Brasil está em torno de 15 dólares.
Na Arábia Saudita, o custo é menos de um dólar. De maneira que isso está
gerando um excedente econômico da ordem de quase 100 dólares o barril. O
mundo que produz hoje consome cerca de 30 bilhões de barris por ano, ao
ritmo de quase 85 milhões de barris por dia. Isso gera um excedente
econômico entre 2 e 3 trilhões de dólares em um PIB mundial de 65
trilhões. Portanto, um lucro enorme está em disputa. Hoje esse dinheiro
sai dos países que consomem e vai para os países produtores de petróleo.
O governo americano quer dobrar a espinha dorsal da OPEP, fazer com que
haja novamente uma superprodução de petróleo, que o preço caia e que os
benefícios do uso do petróleo voltem a ser apropriados pelos países
consumidores, ou seja, os países desenvolvidos.
Esse
é o quadro geopolítico que nós nos encontramos, e a ação brasileira
parece que é absolutamente ingênua ou destituída de conhecimento do
embate geopolítico estratégico em que está se dando esse teatro de
operações em torno do petróleo.
Brasil na geopolítica mundial
Vejo
com muita preocupação a forma com que o governo vem conduzindo o
problema do Campo de Libra, e a estratégia global do pré-sal brasileiro.
Provavelmente, o cenário que expus sobre o petróleo, o seu papel, a sua
apropriação social no processo produtivo da sociedade urbana e
industrial que nós construímos no último século, prevê que o petróleo
deve ter mais valor daqui para frente, dada a dificuldade de
substituí-lo em comissões de produtividade adequadas por outros
recursos, como o carvão e as renováveis, que têm um preço de produção
bastante elevado, em torno de 80 a 100 dólares por barril. Não havendo
outras possibilidades no momento, é possível que o petróleo mantenha um
preço elevado no futuro, desde que se tenham duas coisas: reservas
certificadas, que nós poderemos ter, e tecnologia e capacidade produtiva
no entorno do complexo da Petrobras. Tendo essas duas coisas, é melhor
produzir apenas para fazer os investimentos naquelas prioridades que
citei antes: educação pública, saúde pública, reforma urbana, reforma
agrária, ciência de tecnologia, proteção ambiental e transição
energética, e fazer parceria com países que dependem de petróleo e que
podem nos ajudar, como a China, a Índia e outros que poderão nos ajudar
no processo de modernização da estrutura produtiva brasileira. Ou seja, é
melhor deixar o petróleo nas reservas de maneira certificada.
Até
agora, a estratégia brasileira está completamente equivocada, e Libra é
apenas a cabeça de ponte, é o início de um processo de deterioração e
de um papel subalterno que o Brasil está cumprindo nesse embate global
entre os países que detêm reservas e recursos e aqueles que querem se
apropriar deles pagando o mínimo possível. Petróleo não é pizza, não é
boi, não é um negócio qualquer. O petróleo cumpriu o seu papel
estratégico no sistema de acumulação em torno da hegemonia do sistema
capitalista ao longo do último século, permitiu avanços extraordinários,
um mundo de 7 bilhões de habitantes com uma estrutura extraordinária de
produção e circulação.
O governo brasileiro
parece não entender a dimensão do problema, ou, por ingenuidade, por
incompetência, está cometendo algo que chamo de crime de
responsabilidade contra o interesse nacional ao iniciar o processo de
leilão; ou seja, a maior privatização da história do país, muito
superior a todas as privatárias dos governos anteriores, em um lance só.
A
presidente da Petrobras alegou que não teria condições financeiras para
explorar sozinha o Campo de Libra. A empresa precisa de uma parceria?
Vamos
falar a verdade. Isso é tudo jogo de cena para criar confusão! Não
falta dinheiro para quem tem reserva de petróleo e tem capacidade
tecnológica. Nenhuma empresa tem dinheiro diretamente. Quem tem dinheiro
são os bancos, o sistema financeiro e a China, que hoje detém reservas
da maior monta do mundo em função do seu processo de produção,
exportação e acumulação, que financia grande parte da dívida americana,
por exemplo. Então, não falta dinheiro no mundo.
O
possível sócio da Petrobras é um mero sócio financeiro, que irá aportar
um montante que for definido no leilão, o qual pode chegar até 70%. É
possível investir em outro modelo. Por isso, propomos definir uma
estratégia brasileira em primeiro lugar, e, posteriormente, quando se
decidir produzir petróleo, chamar a Petrobras, contratá-la, definir seus
eventuais parceiros de maneira aberta e transparente, negociar as
condições, por exemplo, com um parceiro chinês. As empresas chinesas
seriam o parceiro ideal para esse processo, assim como empresas indianas
ou outras mais.
Como disse, Libra, na minha
estimativa, vai custar entre 60 e 80 bilhões de dólares. Além disso, o
governo precisa construir a cadeia produtiva brasileira. Infelizmente o
governo não se planeja, não expande a formação de recursos humanos, a
expansão da capacidade industrial brasileira, das áreas de serviços. Não
adianta criar essa situação que temos hoje: as empresas prometem
conteúdo nacional, não cumprem, a ANP as multa e acabou! Falta
planejamento no país em todos os níveis: educação, saúde,
infraestrutura, nas cadeias produtivas da área de energias, etc. O
Brasil é um país que opera no dia a dia no improviso. E isso ficou claro
com a decisão de tentar queimar o Campo de Libra para resolver um
pequeno problema econômico das contas externas e das dívidas públicas.
De maneira que o problema financeiro é um mito que inventaram; não falta
dinheiro para quem tem reserva de petróleo certificada. O nível de
endividamento da Petrobras é facilmente resolvível mediante um modelo
diferente de negócio, porque a lei permite. A lei não é boa, ela poderia
ser melhor, mas tem suficiente espaço para fazer uma política que
garanta o interesse nacional e o interesse público.
Foto: PAC2/CC
Fonte: http://www.brasildefato.com.br/node/26173
Nenhum comentário:
Postar um comentário