Paulo Moreira Leite
Diretor da Sucursal da ISTOÉ em
Brasília, é autor de "A Outra História do Mensalão". Foi correspondente
em Paris e Washington e ocupou postos de direção na VEJA e na Época.
Também escreveu "A Mulher que Era o Outro General da Casa"
O mensalão PSDB-MG é lindo
Num país onde os três poderes devem conviver em harmonia, gostaríamos que o STF fosse dotado de forças especiais?
O mensalão do PSDB-MG é mesmo um caso especial.
Criado em 1998 para ajudar a campanha de Eduardo Azeredo ao governo de Minas, até hoje o julgamento não ocorreu.
A primeira e única condenação acaba de sair. Atingiu um banqueiro do
Rural, condenado a 9 anos. Mas a lei lhe confere o direito de pedir
recurso, o que quer dizer que tem 50% de chances matemáticas de provar
sua inocência em segunda instância. Ninguém ficou indignado com isso,
nem achou que seria uma ameaça às instituições ou
um estímulo a
criminalidade.
Tudo em paz, ao contrário do que ocorreu com os petistas, que não têm
direito a apresentar um recurso pleno, equivalente a um segundo
julgamento. Mesmo assim, fez-se um escândalo contra os embargos
infringentes.
Leio hoje um artigo que classifica a decisão sobre os embargos como
um “segundo roubo.” Um historiador diz nos jornais, hoje, que os
embargos infringentes ameaçam transformar o STF numa instituição igual
ao Legislativo e ao Executivo.
A pergunta é saber se, num país onde os três poderes devem conviver
em harmonia, gostaríamos que o STF fosse dotado de forças especiais, um
anacrônico Poder Moderador, no estilo de Pedro I durante no império, ou
das Forças Armadas em tantas ditaduras, que se consideravam auto
destinadas a resolver impasses políticos às costas do eleitorado.
Respeito o direito de todos a opinião mas acho que estamos a caminho de formar uma escola de cinismo à brasileira.
Isso acontece quando se impõem tratamentos diferentes para situações
iguais. Os dois lados sabem que estão diante de uma mentira, na qual
fingem acreditar. Um lado, porque lhe convém. O outro, porque não tem
força para assegurar que a falsidade seja desmascarada.
Os réus do mensalão PSDB-MG tiveram direito ao desmembramento, que
não foi oferecido aos petistas. Só isso seria suficiente para definir um
abismo – mas não é só. Sua apuração é tão vagarosa que acaba de ser
anunciado, oficialmente, que o caso deve ser julgado em 2015. Então fica
combinado: um crime quatro anos mais velho será julgado três anos mais
tarde.
Enquanto os réus do STF já poderão estar atrás das grades, como
querem nossos indignados de plantão, os mineiros estarão ouvindo
depoimento, fazendo sua defesa – e ganhando tempo para prescrições.
Ninguém conhece muitos detalhes do mensalão PSDB-MG por um bom
punhado de razões. Uma boa apuração levaria a nomes e pessoas que
ninguém tem interesse de colocar sob os holofotes. Quem? Homens de
confiança do PSDB instalados no Banco do Brasil. Quem mais? Figurões do
PSDB em atividade política, tanto os responsáveis por nomeações no Banco
do Brasil como os beneficiários do dinheiro recebido.
Lucas Figueiredo diz, no livro O Operador, que a conta do mensalão PSDB-MG foi de R$ 40 milhões.
Pergunto: além de Eduardo Azeredo, derrotado em 1998, quem mais foi ouvido a respeito, como aconteceu com Lula?
A fábula do mensalão petista diz que o dinheiro para “comprar deputados” saiu da empresa Visanet e, de lá, foi desviado para Delúbio Soares e Marcos Valério. É assim que se procura provar a tese – falsa, na minha opinião – de que houve desvio de dinheiro público.
A fábula do mensalão petista diz que o dinheiro para “comprar deputados” saiu da empresa Visanet e, de lá, foi desviado para Delúbio Soares e Marcos Valério. É assim que se procura provar a tese – falsa, na minha opinião – de que houve desvio de dinheiro público.
Como é inevitável numa fábula, havia um vilão necessário no centro
desta operação, Henrique Pizzolato, petista histórico, diretor do Banco
do Brasil. Ele foi condenado como responsável pelos pagamentos. Mas
essa visão só pode ser sustentada quando se deixa o mensalão PSDB-MG de
lado.
Pizzolato nunca foi o principal responsável pelos pagamentos as
agências de Valério. Sequer tomou, solitariamente, qualquer decisão que
poderia beneficiar a DNA. Nem estava autorizado a isso. Uma auditoria
interna demonstrou que outro diretor, chamado Leo Batista, sem qualquer
ligação com o PT, é que tinha a responsabilidade legal de fazer os
pagamentos. Se era o caso de acusar alguém sozinho, teria de ser ele. Se
era para acusar meia dúzia, deveria estar no meio. Nem era preciso
invocar a teoria do domínio do fato. Seu nome está lá, nos papéis
oficiais, com atribuições e assinaturas correspondentes. Mas não se fez
uma coisa nem outra.
O problema é que Leo Batista e os colegas de diretoria eram, todos,
remanescentes do governo anterior, de Fernando Henrique Cardoso, quando o
PSDB nomeava cargos de confiança no Banco do Brasil. Esse fato foi
descoberto por um auditoria feita pelo banco, logo depois que o
escândalo estourou.
Os diretores foram ouvidos e investigados. Mas, curiosamente, o
inquérito que apura suas responsabilidades foi mantido em segredo.
Sequer foi levado em tempo hábil ao conhecimento dos advogados de
Pizzolato, embora pudesse ter sido útil para sua defesa. O próprio
Pizzolato só tomou conhecimento da existência do inquérito secreto
quando o julgamento estava em curso, em condições extremamente
desfavoráveis.
Claro que você tem todo direito de perguntar o que esses diretores faziam por ali, naqueles anos todos. Abasteciam as agências de Marcos Valério com recursos do Visanet para ajudar a pagar as contas da campanha de 1998 do PSDB. Está lá, na CPMI dos Correios, para quem o esquema tucano levantou R$ 200 milhões.
Imagine, então, o que teria acontecido se todos os réus, acusados do mesmo crime, tivessem sido julgados no mesmo tribunal, com base numa mesma denúncia. O STF seria obrigado a condenar petistas e tucanos pela mesma melodia, decisão que teria coerência com os fatos e provas reconhecidas pelos ministros – mas teria o inconveniente de esvaziar qualquer esforço para criminalizar o PT e o governo Lula.
Claro que você tem todo direito de perguntar o que esses diretores faziam por ali, naqueles anos todos. Abasteciam as agências de Marcos Valério com recursos do Visanet para ajudar a pagar as contas da campanha de 1998 do PSDB. Está lá, na CPMI dos Correios, para quem o esquema tucano levantou R$ 200 milhões.
Imagine, então, o que teria acontecido se todos os réus, acusados do mesmo crime, tivessem sido julgados no mesmo tribunal, com base numa mesma denúncia. O STF seria obrigado a condenar petistas e tucanos pela mesma melodia, decisão que teria coerência com os fatos e provas reconhecidas pelos ministros – mas teria o inconveniente de esvaziar qualquer esforço para criminalizar o PT e o governo Lula.
Em vez de fazer piadinhas e comentários altamente politizados sobre o
“maior escândalo de corrupção da história”, nossos ministros teriam de
dizer a mesma coisa sobre os tucanos.
Imagine se Marcos Valério resolvesse colaborar e tentar uma delação premiada para alcançar o PSDB? Quais histórias poderia contar após tantos anos de convívio? Quais casos poderia relatar?
Do ponto de vista da investigação policial, o mensalão mineiro seria pura delícia. É que coube ao candidato vitorioso na campanha mineira de 1998, Itamar Franco, receber boa parte dos pagamentos devidos a DNA. Itamar morreu sem falar publicamente sobre o assunto. Mas seu governo nada tinha a ver com o esquema. Eu já ouvi de um secretario de Itamar um relato consistente sobre tentativas de convencer Itamar, rompido com o PSDB, a honrar compromissos deixados pelos tucanos. Imagine se ele fosse ouvido. Seria um depoimento melhor que o de Roberto Jefferson, podem acreditar.
Imagine se Marcos Valério resolvesse colaborar e tentar uma delação premiada para alcançar o PSDB? Quais histórias poderia contar após tantos anos de convívio? Quais casos poderia relatar?
Do ponto de vista da investigação policial, o mensalão mineiro seria pura delícia. É que coube ao candidato vitorioso na campanha mineira de 1998, Itamar Franco, receber boa parte dos pagamentos devidos a DNA. Itamar morreu sem falar publicamente sobre o assunto. Mas seu governo nada tinha a ver com o esquema. Eu já ouvi de um secretario de Itamar um relato consistente sobre tentativas de convencer Itamar, rompido com o PSDB, a honrar compromissos deixados pelos tucanos. Imagine se ele fosse ouvido. Seria um depoimento melhor que o de Roberto Jefferson, podem acreditar.
Mas vamos seguindo a história para chegar ao final. Com início
diferente e tratamento diferente, o mensalão PSDB-MG irá terminar,
certamente, com outro final. As penas duríssimas da ação penal 470
dificilmente irão se repetir. Varias razões contribuem para isso. Se
hoje um número crescente de advogados de primeira linha já questiona as
condenações, imagine o que irá ocorrer com o passar do tempo. O saldo
político dos embargos infringentes não é favorável a novos linchamentos
exemplares.
Quem conhece as relações entre os meios de comunicação de Minas
Gerais e o governo de Estado, butim da campanha de 1998, sabe que não
se pode esperar nada igual ao que se viu durante o julgamento da ação
penal 470.
No julgamento dos petistas, os meios de comunicação assumiram a
dianteira da denúncia e colocaram o STF atrás. Preste atenção: em certa
medida, não foi o Supremo que assumiu o protagonismo neste episódio.
Isso é o que dizem os jornais e a TV. Na verdade, foram eles, os meios
de comunicação, que assumiram um papel central em todo o processo,
levando o STF atrás de si.
Os jornalistas nunca tiveram dúvida sobre a culpa dos réus e, do
ponto de vista legal, nem seriam obrigados a tê-las, já que não são
juízes. Com base no veredito de seus “repórteres investigativos” jornais
e revistas cobraram punições exemplares. Quando ficou claro que não
havia provas objetivas, deram sustentação a teoria do domínio do fato.
Empurrou o tribunal no caminho de condenações pesadas sob ameaça de
acusar todo mundo de fazer pizza. O STF veio atrás, como o presidente
Ayres Britto deixou claro ao prefaciar o livro de um jornalista que
simbolizou essa postura duríssima dos meios de comunicação.
É curioso notar que apenas no julgamento dos embargos infringentes a
Corte demonstrou uma postura diversa daquela assumida pelos meios de
comunicação.Em mais de 60 sessões, foi a primeira decisão divergente.
Tanto a pancadaria a que foi submetido Celso de Mello, como o esforço de
outros ministros para dizer que não se fez nada demais são duas faces
de uma mesma moeda. É um aperitivo para o que deve ocorrer caso os
embargos possam beneficiar os réus.
Imagine se teremos a mesma indignação no mensalão PSDB-MG.
Meus leitores sabem que estou convencido de que as principais denúncias do mensalão não foram provadas nem demonstradas. Advogados de cultura jurídica muito maior, como Celso Antônio Bandeira de Mello, Yves Gandra Martins, para citar polos ideologicamente opostos do Direito brasileiro, pensam da mesma forma.
Imagine se teremos a mesma indignação no mensalão PSDB-MG.
Meus leitores sabem que estou convencido de que as principais denúncias do mensalão não foram provadas nem demonstradas. Advogados de cultura jurídica muito maior, como Celso Antônio Bandeira de Mello, Yves Gandra Martins, para citar polos ideologicamente opostos do Direito brasileiro, pensam da mesma forma.
Tenho a mesma visão sobre o mensalão PSDB-MG. Temos verbas de
campanhas, que se constituem crime de caixa 2, mas condenações menores.
Eu acredito que o interesse político em criminalizar Lula e o PT
permitiram uma condenação sem provas. Mas será possível fazer a mesma
coisa quando esse interesse político não existir?
É claro que não. E é por isso que o mensalão PSDB-MG deve ficar para longe, bem longe.
Fonte: http://www.istoe.com.br/colunas
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