Os "Black Blocs", para quem servem?
Sem compromisso com qualquer ideologia, grupo serve como massa de manobra para o governo
As cenas de vandalismo que tomaram as ruas das principais capitais nacionais desde as manifestações de junho, praticadas por grupos autointitulados "Black Blocs", tinham como propósito criticar a administração pública estadual, mas os seus efeitos foram contrários e acabaram por desacreditar os atos legítimos de categorias sociais e profissionais que revindicavam por melhores condições de vida e trabalho. Mais do que em outros estados, no Rio de Janeiro as depredações que marcaram os desfechos dos protestos, abriram uma porta para as violentas ações policiais autorizadas pelo governo de Sérgio Cabral e levaram a violência urbana para o eixo dos manifestos populares. O cenário foi favorável somente ao governo do Estado, que procurava uma forma de desmoralizar as manifestações às vésperas de grandes eventos internacionais, além da proximidade do período eleitoral.
Na sua pesquisa Movimentos Londres / Paris, com o
perfil de grandes protestos em massa mundiais, o especialista e
professor de História Moderna e Contemporânea da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ), Francisco Carlos Teixeira, identifica a tática
black bloc no Brasil, que teve a sua primeira aparição no dia 19 de
março de 2011, durante o protesto contra a visita do presidente
norte-americano Barack Obama ao Rio de Janeiro. Um pequeno grupo de
manifestantes atirou uma bomba contra a embaixada americana na cidade.
Analisando as manifestações que estão acontecendo atualmente na cidade,
Teixeira chama a atenção para um processo que ele classifica de
"Criminalização do Movimento Social", que consiste no sufocamento das
reivindicações populares pelos atos violentos cometidos por uma minoria.
"É o que está acontecendo neste momento com os atos promovidos pelos
professores. As demandas da Educação não podem ser menos expressivas do
que os atos de vandalismo. Mas a opinião pública e, principalmente o
governo, estão colocando a violência em primeiro plano e não dando a
necessária importância às revindicações das classes sociais. Isso é
grave!", destacou Teixeira.
Na avaliação do sociólogo, a dimensão que a tática black bloc tomou
no Rio de Janeiro teve duas molas propulsoras: os destaques midiáticos e
um planejamento do governo estadual para deslegitimar os crescentes
protestos populares. Para Teixeira houve uma manipulação dos governos
estadual e municipal, em ação conjunta, para esvaziar as manifestações e
retirar de centro das discussões os assuntos que realmente são
relevantes para toda a população. "Na manifestação realizada no dia 10
de outubro pelos professores, a Polícia Militar montou barreiras
impedindo que as pessoas se aproximassem do Palácio Laranjeiras, sendo
que o ato seguia pacífico. Por que em outras manifestações essa postura
não foi adotada? Porque o governador pretendia de forma velada
deslegitimar o ato dos professores", destacou ele.
A postura do
prefeito da cidade, Eduardo Paes, quanto às revindicações das categorias
também tem estimulado a violência nos atos, segundo Teixeira. "Ele se
pronuncia de forma debochada, desafiando as pessoas. Ele expõe dados e
situações para confundir a opinião pública, depois volta na sua
colocação e até pede desculpas, mas a revolta popular já foi
alimentada", explica o sociólogo, que também citou o fato do prefeito
não defender de forma mais clara a ação violenta da PM contra
manifestantes pacíficos.
Francisco Teixeira acredita que a tática
black bloc chegou para ficar por um bom tempo e, por esse motivo, a
população deve ter a percepção para não cair na armadilha da
"criminalização do movimento social". "A mídia tem uma parcela de culpa
na valorização desse movimento de black bloc. Um ato público onde
milhares de pessoas expressam os seus anseios e sinalizam para as
autoridades sobre o que é melhor para o coletivo, como pode a imprensa
dar mais destaque aos atos de uma minoria de umas 150 pessoas?",
questionou Teixeira. Ele explicou que a inversão desses valores
demonstra uma sociedade conservadora, que dá mais atenção à ordem
pública do que à Justiça. No seu estudo, ele admite que os "mascarados"
servem como massa de manipulação do governo, mas não os considera
vítimas, pelo fato deles atingirem uma meta importante para o grupo, a
visibilidade tão sonhada há anos de anonimato. "Eles querem a imagem do
grupo em destaque na mídia e representar a alma de um movimento",
explica.
Um caminho apontado pelo sociólogo para minimizar as
cenas de violência que a sociedade carioca está presenciando nos últimos
meses é uma revisão da postura da Polícia Militar e, especialmente, o
seu aperfeiçoamento nas operações de segurança em manifestações. "Ficou
evidente um ressentimento da PM nos atos dos profissionais de educação. E
o governo tem muita culpa nisso também. Por exemplo, o Cabral criou uma
comissão para investigar os atos de violência em protestos, mas só
tinham atenção os casos em que os manifestantes se excediam e nunca os
atos truculentos da PM com relação aos manifestantes. Essa cultura tem
que mudar. Além desse fato, a polícia do Estado se mostrou despreparada,
violenta e sem uma orientação protocolar", destacou.
A
manipulação articulada pelo poder público do Rio somado à força das
redes sociais contribuíram com a popularidade dos chamados "Black
Blocs", que tiveram adesão de outros grupos, como os moradores de rua e
torcida organizadas, que participaram dos "quebra-quebra" sem qualquer
objetivo social, apenas pelo ato de vandalismo. Sem compromisso com as
ideologias anarquistas, os "Black Blocs" tomaram posse do nome da
própria tática revolucionária e ainda criaram um perfil estético para se
apresentar nas manifestações. "Eles adotaram um estilo fashion nas
redes sociais e levaram a cor preta a um modismo momentâneo", disse
Teixeira.
Em uma pesquisa acadêmica sobre as manifestações, o
sociólogo e cientista político da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ), Paulo Baía, mapeou os grupos que foram identificados praticando
atos violentos. Ele os dividiu em três categorias: aqueles que seguem
uma política ideológica, os de natureza sociocultural e indivíduos que
trabalham para o crime organizado. No total, Baía encontrou 18 grupos
que "acreditam na violência", entre eles até policiais e políticos
infiltrados. O "teatro" é sempre o mesmo, caracterizado por pessoas
vestidas de preto e que usam o próprio corpo como arma, além de objetos
que encontram pelo seu caminho, que fica marcado por um rastro de
destruição. Baía concorda com os estudos de Francisco Teixeira e afirma
que a tática black bloc tomou a proporção necessária para sufocar as
reais revindicações das classes sociais e, inclusive, banalizou os
ideais anarquistas que deram origem à ação revolucionária.
Fonte: Jornal do Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário