Juiz barra reintegração de posse na USP e acusa postura antidemocrática da reitoria
- Estados do Brasil:
Magistrado pondera que motivo que levou à ocupação – a
democratização – trará mais benefícios à universidade do que os
prejuízos causados pelo funcionamento parcial do prédio
A
Justiça de São Paulo indeferiu nessa quarta-feira (9) pedido de
reintegração de posse da reitoria da USP, cuja sede está ocupada desde
terça-feira (1º) por estudantes e funcionários alijados das discussões
sobre a democratização da universidade. Em seu despacho, o juiz Adriano
Marcos Laroca, da 12ª Vara da Fazenda Pública, afirma que uma medida
violenta – como a desocupação pela
Polícia Militar, já vista em 2011 –
causaria custos à imagem da instituição e à integridade física dos
estudantes, e que esses custos são maiores que o prejuízo causado à
administração universitária pela ocupação.
“Certamente,
é muito mais prejudicial à imagem da USP, sendo a universidade mais
importante da América Latina, a desocupação de estudantes de um de seus
prédios com o uso da tropa de choque, sem contar possíveis danos à
integridade física dos estudantes, ratificando, mais uma vez, a tradição
marcadamente autoritária da sociedade brasileira e de suas
instituições, que, não reconhecendo conflitos sociais e de interesses,
ao invés de resolvê-los pelo debate democrático, lançam mão da repressão
ou da desmoralização do interlocutor”, escreve o magistrado. “Aqui, não
se olvide que sequer escapa desse 'pensamento único', infelizmente, a
maioria da mídia e da própria sociedade, amalgamada, por longos anos,
nessa tradição de pensamento autoritário.”
A
decisão foi divulgada no momento em que estudantes da USP realizavam
protesto em São Paulo. Eles saíram do vão livre do Masp, na Avenida
Paulista, e caminharam até a Assembleia Legislativa para participar de
audiência pública sobre a democratização das universidades estaduais
paulistas. Essa é nossa primeira vitória porque foi reconhecido hoje
pela Justiça que nosso movimento é legítimo e democrático", comemorou o
estudante de Ciências Sociais Pedro Serrano, diretor do Diretório
Central dos Estudantes (DCE) "Isso tem de ser respeitado pela USP e pelo
governo do estado, que devem negociar e debater as pautas que os
estudantes estão reivindicando."
Laroca justifica
suas ponderações ao lembrar que a reitoria da USP entrou com ação de
reintegração de posse antes mesmo de tentar um diálogo com os ocupantes
do prédio sobre suas propostas para “melhorar” a universidade. Entre
essas propostas, lembra o juiz, está a eleição direta para reitor –
antigo pleito de estudantes e funcionários. Atualmente, a administração
da USP é eleita da seguinte maneira: o Conselho Universitário, formado
majoritariamente por professores, escolhe uma lista tríplice. Apenas
docentes com trajetória na universidade podem se candidatar.
Após
serem definidos, os três nomes são enviados para o governador de São
Paulo. É ele quem define quem será o reitor, respeitando ou não as
preferências da comunidade uspiana. Quem ocupa a reitoria da USP desde
janeiro de 2010 é o ex-diretor da Faculdade de Direito do Largo São
Francisco João Grandino Rodas. O professor não venceu a eleição dentro
do Conselho Universitário – ficou em segundo lugar –, mas acabou sendo
escolhido pelo governador José Serra (PSDB) e tomou posse. É a terceira
vez que Rodas entra com pedido de reintegração de posse pela força.
Antes, havia tomado a mesma atitude para reprimir ocupações na Faculdade
de Direito e na mesma reitoria. Desta vez, por enquanto, não teve
sucesso.
“O próprio Poder Judiciário do Estado de
São Paulo sofre as agruras de normas editadas em regime de exceção,
absolutamente antidemocráticas, para a eleição de sua cúpula
administrativa”, continua o magistrado, lembrando que o sistema de
eleição dos reitores da USP, assim como outras normas que regem a
administração do campus, foi definido durante a ditadura. Diante dessa
tradição autoritária, Laroca frisa que a ocupação do prédio faz parte da
democracia. “A ocupação de bem público, como forma de luta democrática,
para deixar de ter legitimidade, precisa causar mais ônus do que
benefícios à universidade e, em última instância, à sociedade. Nenhuma
luta social que não cause qualquer transtorno, alteração da normalidade,
não tem força de pressão e, portanto, sequer poderia se caracterizar
como tal.”
A ocupação da reitoria foi promovida
depois que o Conselho Universitário decidiu promover uma pequena
alteração na forma de escolha da direção da USP. Grupos de alunos cobram
há décadas por uma mudança, que enfim parecia mais próxima de ocorrer
quando Rodas convocou um processo de debates interno que culminou, no
entanto, em frustração para integrantes da comunidade universitária.
Além
da ocupação, algumas unidades da USP e da Unicamp decidiram entrar em
greve. O diretor do DCE Mateus Trevisan, aluno de Ciências Sociais,
entende que a democratização deve envolver o acesso à faculdade, a
garantia de permanência e a independência das instituições do poder
privado, mantendo o caráter de ensino e pesquisa voltados ao interesse
da população. Na Assembleia Legislativa, a audiência que seria realizada
por parlamentares foi cancelada porque as universidades estaduais não
enviaram representante. "Mesmo não sendo recebidos, isso faz com que o
movimento entre em outro patamar, com apoio de parlamentares e com voz
da sociedade."
Na decisão desta quarta-feira, o
juiz lembra que a democratização das universidades é uma das
recomendações da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN),
elaborada pelo Ministério da Educação em 1996. De acordo com Laroca,
sendo a democratização a pauta principal dos estudantes e funcionários
que ocupam a Reitoria, o benefício que o movimento trará à universidade,
caso seja vitorioso, é “muito superior” à interdição do prédio e aos
“danos de pequena monta ao seu patrimônio”.
“Pode-se
dizer que a Reitoria, sem iniciar qualquer diálogo com os estudantes,
ao judicializar tal ocupação política, fez uma opção clara pelo uso da
força, ao invés do debate democrático”, conclui, sublinhando que o
Judiciário não deve continuar se imiscuindo nos conflitos provocados
pela postura antidemocrática dos demais poderes. “Não se pode nem alegar
que os estudantes ao ocuparem o prédio também assim agiram, pois, como
vimos, aparentemente, foi a ausência de diálogo o motivo preponderante
da ocupação, medida custosa à USP e aos estudantes, porém, ainda assim,
em menor grau do que a manutenção de normas eletivas de cunho
autoritário, a meu ver.”
Foto: Marcelo Camargo/ABr
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