O rádio completa 90 anos no Brasil, mas não há nada que comemorar
O rádio nasceu comunitário.
Depois de 90 anos, a tecnologia evoluiu e a cidadania avançou, mas a
democracia continua longe da comunicação eletrônica de massa.
Há nove décadas, a radiodifusão
começava no país. Desde lá, a tecnologia evoluiu e a cidadania avançou,
mas a democracia continua longe da comunicação eletrônica de massa.
O rádio nasceu
comunitário. Pessoas ligadas à Academia Brasileira de Ciências, como
Henrique Morize e Edgar Roquette-Pinto, reuniram-se para criar uma
emissora com finalidades educativas e culturais. Após 90 anos, umas das
lei que regula a comunicação só entende comunidade como território (de
mil metros). Fica de fora a chamada “comunidade de interesses”, como os
pioneiros da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro faziam.
Depois de doar a
emissora ao Ministério da Educação, Roquette-Pinto lutou para criar uma
TV educativa. Contudo, as TVs educativas acabaram nascendo descoladas de
um projeto de mídia pública. Retrato das comunicações do Brasil: um
amontoado de serviços, definidos por diversas leis, decretos e
portarias, que, apesar da quantidade, não conseguem garantir o mais
importante para a sociedade, que é o direito humano à comunicação.
Aliás, Roquette-Pinto já
anunciava muito do que estamos discutindo em tempos de convergência.
Ele usava diversas mídias com o objetivo de educar. Cinema e rádio foram
as principais plataformas disponíveis à época para explorar o potencial
transformador da comunicação.
Hoje, as empresas
ainda engatinham na comunicação multiplataforma. Até mesmo grupos de
natureza convergente, como a EBC, aproveitam pouco sua potencialidade.
Por falar nela, a Empresa Brasil de Comunicação perdeu a oportunidade de
celebrar o feito de Roquette-Pinto e companhia. Os 90 anos da Rádio
Sociedade (atual MEC AM) foram ignorados pela diretoria da estatal,
atualmente responsável pelas MEC AM e FM, Rádios Nacional do Rio,
Brasília, Amazônia e Alto Solimões, além de TV Brasil (antiga TVE), NBR e
Agência Brasil.
A EBC tem se
aproximado cada vez mais da velha estatal Radiobrás e de sua ‘Voz do
Brasil’, do que da Rádio Sociedade de Roquette-Pinto, da TVE do Rio ou
da Rádio Nacional da Era do Rádio. É preciso que se torne atrativa, mais
pública e menos estatal. Pode fazer isso começando a aumentar a
participação da sociedade na gestão da empresa e garantindo
financiamento independente de verbas governamentais. E também
experimentando mais, fugindo da tentação de copiar fórmulas batidas de
jornalismo e produção, só que com menos dinheiro.
Comunicação colaborativa
É bom lembrar que o
rádio era interativo em seu princípio. Com potencial de ecoar a voz de
muitos, limitou-se a Rádioamador, abrindo espaço para um rádio
unidirecional, onde apenas um fala e o restante escuta. Essa foi uma
imposição da sociedade e não da tecnologia. Ótima recordação para
aqueles que não dão importância para os debates sobre regulação de novos
serviços, como o Marco Civil da Internet.
A tecnologia, por si só,
não define o uso do rádio, da internet, do jornal e da televisão. As
leis que regulamentam a Comunicação estabelecem como será a mídia de um
país. E as diferenças são muitas. Em boa parte da Europa, por exemplo, a
maioria das emissoras são públicas. No Brasil, entre os canais de TV 2 a
13, UHF 14 a 69 e do FM 88 a 108 MHz, é possível contar nos dedos de
uma mão as estações do campo público: quase todas são privadas com fins
lucrativos.
Por aqui o quadro ainda é
pior, já que o velho modelo de financiamento copiado dos Estados Unidos
está em crise. Com a concorrência de outros meios, a audiência da
radiodifusão diminuiu, reduzindo também as verbas publicitárias. Por
isso, quase todas as rádios e TVs alugam suas programações para
religiões e lojas de varejo que passam o dia inteiro em pregações ou
mostrando tapetes, relógios e anéis. Com isso, ficam sem espaço os
produtores independentes e a mídia alternativa.
Convergência e Rádio Digital
A evolução
tecnológica permite a convergência entre o rádio e outros serviços no
chamado rádio digital. Os padrões disponíveis permitem que as atuais
estações melhorem a qualidade do áudio e carreguem novas funcionalidades
como vídeos de baixa resolução, fotos e notícias.
Seria a realização do
sonho multimídia de Roquette-Pinto. Porém, hoje, a mentalidade dos
empresários do rádio é mais atrasada daquela dos pioneiros de 1923. Eles
parecem não querer o rádio digital, mas apenas a migração das emissoras
AM para novas frequências de FM. Isso sem falar nas rádios
comunitárias. Mesmo sendo a maioria das atuais estações, continuam
sofrendo os ataques de uma lei criada pelos donos das rádios comerciais.
Lei da Mídia Democrática é solução imediata
Muita coisa
precisa mudar na comunicação de massa que completa 90 anos no Brasil. As
ruas pedem pressa, por isso uma das saídas imediatas é a aprovação do
Projeto de Lei da Mídia Democrática, organizado por diversos movimentos
sociais ligados à Campanha Para Expressar a Liberdade, promovida pelo FNDC (Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação).
Essa lei, se aprovada,
regulamenta importantes artigos da Constituição de 1988, garantindo a
democracia na Comunicação em benefício do cidadão e para que os próximos
90 anos da radiodifusão no Brasil sejam de comemoração.
*Arthur William integra o Conselho Diretor do Intervozes.
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