Policiais são condenados a 624 anos de prisão pelo massacre do Carandiru
Cultura de impunidade e surgimento de facções criminosas estariam entre as consequências do massacre
Um caso que chocou o país e foi
notícia em todo o mundo demonstrou esta semana toda a complexidade do
sistema judiciário brasileiro em julgar e condenar acusados de crimes
contra a vida.
Depois de quase 21 anos, foram condenados na
madrugada deste sábado 25 policiais acusados de participação na morte de
52 dos 111 presos do presídio do Carandiru, episódio ocorrido em 2 de
outubro de 1992, em São Paulo.
Os réus receberam ao todo uma pena
de 624 anos de prisão em regime fechado e a perda do cargo público. Eles
ainda têm o direito de recorrer da decisão em liberdade.
O último dos cinco dias de julgamento foi
marcado por 12 horas de argumentações dos advogados de defesa e
promotoria, além da apresentação de vídeos e depoimentos.
Durante os interrogatórios, apenas 5 dos 23 réus
presentes no julgamento prestaram depoimento. Os demais preferiram
ficar em silêncio.
Demora
De acordo com grupos de direitos humanos, o
atraso do julgamento do Carandiru demonstrou como os conflitos na
condução do processo, que envolveram diversas instituições e instâncias
da justiça, protelaram a decisão do caso em mais de duas décadas.
O Tribunal de Justiça de São Paulo atribui a
demora para se dar um desfecho para o caso aos conflitos de competência
entre os ramos militar e comum da Justiça – e também aos diversos
recursos propostos à Corte por advogados de réus.
Organizações internacionais de direitos humanos
ressaltam que os longos anos de espera por um resultado de condenação no
Brasil favorecem a uma cultura de impunidade no país.
O julgamento
- O segundo grupo de25 policiais julgados foram sentenciados pela participação na morte de 52 dos 111 presos. Eles fazem parte de um total de quatro grupos de acusados. Mais dois ainda serão julgados até o final do ano.
- A condenação foi de 624 anos de prisão em regime inicial fechado. Eles têm o direito de recorrer em liberdade.
- O julgamento teve início na segunda-feira, com os depoimentos de quatro testemunhas de acusação: o perito criminal Osvaldo Negrini e três por meio de depoimentos gravados em vídeo, sendo dois presos sobreviventes e um diretor da Detenção.
- No dia seguinte, foram ouvidas seis testemunhas de defesa, sendo duas presenciais, duas por vídeo e duas protegidas.
- A quarta-feira estava reservada para o interrogatório dos réus. Dos 23 réus presentes, 18 preferiram manter-se em silêncio. Defesa e acusação exibiram vídeos de 40 minutos cada um.
- A sexta-feira foi toda ocupada pelos debates, que duraram mais de 12 horas.
- À meia noite o Conselho de Sentença se reuniu na sala secreta.
- Às 4h20 da madrugada de sábado o juiz Rodrigo Tellini de Aguirre Camargo, do 2º Tribunal do Júri, leu a sentença.
Fonte: Tribunal de Justiça de SP
Para Maria Laura Carineu, representante da HRW (Human Rights Watch)
no Brasil, a demora do procedimento "por si só representa a violação de
um direito fundamental constitucionalmente assegurado no Brasil: a
'razoável duração do processo e meios que garantam a celeridade de sua
tramitação'".
O diretor da Anistia Internacional Brasil, Atila
Roque, afirmou que a entidade vê como consequência "direta e perigosa"
da lentidão judicial o fato de grande parte dos réus terem permanecido
tantos anos trabalhando na polícia após o episódio.
Consequências
Ao longo de duas décadas de espera por um
resultado convincente da justiça, as consequências do massacre do
Carandiru tiveram tempo de se desenvolver e seguem presentes nos dias de
hoje.
De acordo com especialista ouvidos pela BBC
Brasil, o massacre de São Paulo foi um episódio decisivo para a fundação
e estabelecimento da facção criminosa que atua dentro e fora do sistema
prisional paulista, o PCC (Primeiro Comando da Capital).
"Antes do massacre, o Estado já extorquia,
torturava e matava os presos. O Carandiru não foi a única causa da
fundação (do PCC), mas colaborou muito para isso", afirmou o padre
Valdir João Silveira, coordenador nacional da Pastoral Carcerária, da
Igreja Católica.
O PCC foi criado por um grupo de presos em 31 de
agosto de 1993 na Casa de Custódia de Taubaté - pouco menos de um ano
depois do massacre do Carandiru.
Os principais objetivos da facção eram combater
os maus tratos no sistema prisional e evitar novos massacres como o de
1992, segundo o jornalista Josmar Jozino, autor de três livros sobre o
PCC, entre eles "Xeque-mate, o Tribunal do Crime e os Letais Boinas
Pretas" (Ed. Letras do Brasil).
"O massacre do Carandiru foi a gota d'água para a
criação do PCC. O episódio está registrado até no estatuto de fundação
da facção", disse ele.
Segundo os especialistas Jozino e Silveira, o
grupo criminoso se espalhou por todo o sistema prisional e impôs regras
de conduta aos presos - como a proibição nas cadeias do uso do crack e
de assassinatos motivados por dívidas de drogas. A ação teria diminuído
os índices de mortalidade nas penitenciárias.
Mais desdobramentos
Com a possibilidade de recorrerem da decisão, os
25 policiais sentenciados ainda podem gerar novos desdobramentos na
justiça até mesmo com outro julgamento.
Esse grupo é o segundo a ser julgado, num processo que foi dividido em quatro etapas.
A primeira ocorreu em abril, quando 23 policiais
foram condenados a 156 anos de prisão por assassinar 13 detentos. Ela
dizia respeito aos crimes ocorridos no primeiro andar do pavilhão nove, o
local do massacre. Eles também receberam o benefício de recorrer da
condenação em liberdade.
Outros dois grupos de acusados ainda serão julgados ao longo do ano.
Fonte: http://www.bbc.co.uk/portuguese
Nenhum comentário:
Postar um comentário