Anistia e HRW dizem que demora em julgamento perpetua impunidade no Brasil
Ativistas dizem que abusos e superlotação nas cadeias estão relacionados a massacre
O atraso de mais de duas décadas
no julgamento do chamado Massacre do Carandiru perpetua e favorece a
cultura da impunidade no Brasil, segundo disseram à BBC Brasil
representantes das organizações internacionais de defesa dos direitos
humanos HRW (Human Rights Watch) e Anistia Internacional.
O julgamento dos acusados começou nesta segunda-feira e deve se desenrolar por mais três sessões até o fim do ano.
De acordo com o Tribunal de Justiça
de São Paulo, o atraso do julgamento se deve a conflitos de competência
entre os ramos militar e comum da Justiça – e também a recursos
propostos à Corte por advogados de réus.
Porém, segundo a especialista em Brasil da HRW,
Maria Laura Canineu, a demora do procedimento "por sí só representa a
violação de um direito fundamental constitucionalmente assegurado no
Brasil: a 'razoável duração do processo e meios que garantam a
celeridade de sua tramitação'".
O diretor da Anistia Internacional Brasil, Atila
Roque, afirmou que a entidade vê como consequência "direta e perigosa"
da lentidão judicial o fato de grande parte dos réus terem permanecido
tantos anos trabalhando na polícia após o episódio.
Atualmente, cerca de um terço dos 83 policiais acusados continua servindo na polícia, de acordo com dados a defesa.
Ele também chamou a atenção para o fato de que
as famílias das vítimas – mortas enquanto estavam sob custódia do Estado
– permanecem sem receber indenizações.
"É uma vergonha para o Brasil que um massacre
bárbaro como esse, executado por policiais, continue impune tanto tempo
depois", afirmou Roque.
Ele afirmou esperar que o julgamento represente a
realização da Justiça, "ainda que tardia". Roque disse porém que além
de punir os policiais, a Justiça brasileira deve apurar a
responsabilidade dos integrantes da cúpula da Segurança Pública à época.
Também deve ser analisado em que medida as ordens das autoridades e o contexto político estimularam o massacre.
"A responsabilidade do Estado precisa ser apontada para que a Justiça seja plenamente realizada", disse.
Julgamento
O Massacre do Carandiru ocorreu no dia 2 de
outubro de 1992 quando detentos do pavilhão nove da Casa de Detenção
fizeram uma rebelião.
A Tropa de Choque da polícia invadiu o edifício
com armas letais. O resultado foram os assassinatos de 111 presos.
Grande parte deles apresentava sinais de execução.
Mais de 280 policiais participaram da ação, mas o
número de acusados formalmente é 83. Eles serão julgados em quatro
etapas nesde ano. Os grupos foram divididos de acordo com o os fatos
ocorridos em cada pavimento do pavilhão nove.
A etapa inicial do julgamento está prevista para
durar aproximadamente dez dias. O principal argumento da defesa,
segundo a advogada Ieda Ribeiro de Souza, será mostrar a impossibilidade
de individualizar as condutas dos réus. Ou seja, provar quem matou cada
vítima - uma vez que não teriam sido feitos exames de balística nas
armas dos policiais.
A Promotoria diz que será capaz de
individualizar condutas, mas diz temer que os jurados não codenem os
policiais pelo fato das vítimas serem detentos.
Sistema prisional
A HRW e a Anistia Internacional afirmaram que a
realização do julgamento não resolve a situação estrutural que levou ao
massacre: as condições precárias dos presídios no Brasil.
"A superlotação atrelada com práticas
recorrentes de tortura e maus tratos não deixa dúvidas de que um
episódio como esse pode se repetir a qualquer momento", afirmou Canineu.
Segundo os especialistas, a taxa de
encarceiramento no país aumentou cerca de 40% nos últimos cinco anos,
chegando a mais de meio milhão de pessoas. Segundo o Depen (Departamento
Penitenciário Nacional), o país possui hoje uma capacidade máxiam de
310 mil detentos, mas abriga 550 mil.
Segundo Canineu, o Subcomitê das Nações Unidas
de Prevenção da Tortura e Outros Tratamentos Cruéis, Desumanos e
Degradantes visitou instituições penitenciárias e policiais em São
Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Goiás em setembro de 2011. O
órgão informou ter recebido relatos de espancamentos de presos, além de
outras alegações de maus-tratos - como a obrigação de dormir em celas
insalubres e sem acesso adequado à água e à comida.
De acordo com Roque, a persistência da tortura e
de violações de direitos humanos criou um vácuo de legitimidade do
Estado no sistema prisional. A consequência direta disso foi a formação e
fortalecimento de facções criminosas.
O massacre do Carandiru é apontado por analistas
como uma das motivações para o surgimento do PCC (Primeiro Comando da
Capital), que controla a maioria dos presídios paulistas e se espalhou
por diversos Estados do país.
"As ações desses grupos extrapolam os muros (dos
presídios) e atingem diretamente as pessoas nas ruas, por meio da
violência. Punir os responsáveis pelo massacre do Carandiru é um passo
importante para que o Estado reconquiste e pacifique as prisões
brasileiras", disse Roque.
Outro lado
O diretor-geral do Depen, Augusto Rossini, disse
à BBC Brasil que vê com tristeza as deficiências do sistema prisional,
mas que o problema não é negligenciado.
A administração da maioria das penitenciárias e
cadeias é de atribuição estadual. Porém, segundo ele, o Depen possui uma
ouvidoria e equipes especializadas para verificar denúncias de abusos.
A ouvidoria do Depen recebe por ano cerca de 17 mil cartas, muitas delas com alegações de torturas.
A estratégia do governo é condicionar repasses
de verbas federais à adaptação das administrações penitenciárias
estaduais a determinadas regras - que envolvem, por exemplo, apuração de
abusos de agentes do Estado e manutenção de espaços mínimos para os
detentos.
Ele afirmou que cerca de R$ 630 milhões (de um
total previsto de R$ 1,1 bilhão) já foram repassados aos Estados pela
atual administração. Segundo ele, a meta até o final do governo é
possibilitar a construção de 40 mil novas vagas em presídios - além de
outras 20 mil já previstas pelo governo anterior.
Ao mesmo tempo, ele diz ser necessário um
esforço conjunto com os outros poderes para resolver o problema. "Hoje
40% dos presos são provisórios, estão a espera de julgamento".
Segundo ele, o Judiciário precisa agilizar julgamentos de primeira instância e novas leis têm que ser discutidas no Legislativo.
Fonte: http://www.bbc.co.uk/portuguese
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