Semestre do Judiciário começa com Barbosa no foco por denúncias
'Ele é arrogante e ainda não aprendeu', diz colega de tribunal.
Semestre começa tenso, com preocupação sobre conduta do presidente do
STF
Enquanto
o Legislativo dará início aos trabalhos deste segundo semestre, na
prática, apenas na próxima semana, o Judiciário retomou suas atividades a
partir dessa quinta-feira (1º) com a realização da primeira sessão no
Supremo Tribunal Federal (STF), no início da tarde. Mais do que uma
simples retomada, o mês de agosto, que já prometia ser quente na mais
alta corte do país, agora se vê entremeado de especulações e observações
sobre como será, daqui por diante, o comportamento do presidente do
tribunal, o ministro Joaquim Barbosa.
Além do
julgamento dos recursos do mensalão, marcados para entrar na pauta do
próximo dia 14, de dois novos ministros passando a avaliar o caso pela
primeira vez – Luis Roberto Barroso e Teori Zavascki – e da atenção dos
observadores sociais voltadas para a forma como agirá o tribunal nas
duas decisões, depois das manifestações das ruas, Barbosa foi objeto de
atenção pela conduta, que apenas incrementa o perfil de polêmicas e
declarações bombásticas adotadas desde sua nomeação para o STF.
Na
visita do Papa Francisco ao Brasil, um vídeo mostrando seu cumprimento
ao pontífice, ao lado da presidenta Dilma Roussef, dava a falsa
impressão de que Barbosa não a tinha cumprimentado devidamente. Tanto
ele quanto a presidenta negaram isso, mas a imagem circulou como uma das
mais vistas pelas redes sociais. Depois, em entrevista onde falou sobre
as informações reveladas pelo jornal Folha de São Paulo de que teria
aberto uma empresa offshore para comprar apartamento em Miami por valor
abaixo do de mercado, aproveitando benefícios fiscais concedidos a tais
empresas, o ministro repetiu o que já tinha declarado anteriormente
sobre racismo e implicâncias contra sua pessoa.
Como
se não bastasse, despejou ataques verbais contra o Itamaraty, ao dizer
que foi discriminado em concurso para ingresso na carreira de diplomata,
décadas atrás. Nos últimos dois dias, foi a vez de entidades de
magistrados e advogados de todo o país se manifestarem publicamente
sobre a postura adotada por Joaquim Barbosa durante a compra do referido
apartamento – de valor compatível com seus rendimentos, diga-se de
passagem, mas que possui como ponto destoante o fato da compra ter sido
feita pela empresa offshore registrada em sua residência em Brasília.
No
que aparentou ser um esforço para evitar maiores transtornos, a
Procuradoria-Geral da República e a Controladoria Geral da União (CGU)
evitaram tecer comentários sobre o caso, como forma de blindar qualquer
debate mais ácido sobre o tema. O próprio presidente do STF também
demonstrou que chegou das férias com mais vontade de trabalhar e menos
de fazer polêmica, cumprindo o prometido de marcar de imediato o
julgamento dos recursos do mensalão. De nada adiantou: o tribunal começa
os julgamentos em meio a discussões tidas como, no mínimo, delicadas.
“Todos
estão tensos, aguardando o desenrolar das próximas sessões”, afirmou um
dos ministros, em conversa reservada com os colegas. A retomada do
julgamento da Ação Penal 470, do processo do mensalão, envolve a
apreciação, por parte do tribunal, de 26 recursos apresentados pelos
advogados dos réus na forma de embargos de declaração. Joaquim Barbosa
tomou a atitude que tinha sido combinada, de avisar previamente os
demais membros do STF para que se preparassem, mas não ficou acertado
ainda se será mantida a figura de ministro revisor no julgamento, que no
ano passado coube a Ricardo Lewandowski.
Responsável
por muitos contrapontos com Barbosa, Lewandowski pode ou não vir a ser
indicado como revisor – já que no caso de recursos, é possível a
inexistência deste posto – mas nos gabinetes do STF a preocupação se dá
pelo fato de que sua participação como revisor passaria um clima de
equilíbrio por parte do tribunal. Pegou mal a constatação, já propagada
pela imprensa, de que o acórdão final do julgamento teve de ser
modificado por apresentar erros e suprimiu do texto uma denúncia de
propina citada pelo próprio Joaquim Barbosa (relator do processo) em
relação ao caso, mas que não foi considerada posteriormente como
verdadeira.
A atenção destes magistrados nas
próximas semanas, ao que tudo indica, estará voltada pela decisão sobre
os critérios a serem definidos para apreciação dos embargos. Em abril, o
presidente do STF afirmou que muito provavelmente seriam votados,
primeiro, os embargos declaratórios e, depois, os embargos infringentes.
O rito exige cautela, uma vez que são os embargos infringentes, quando
apresentam um mínimo de quatro votos pela absolvição dos réus, o que
autoriza a realização de um novo julgamento sobre o caso.
A
questão, agora, reside entre os próprios ministros se sentirem
encurralados, diante da possibilidade de retificar possíveis erros no
julgamento do mensalão – que já foram apresentados pelos advogados de
vários réus e admitidos por muitos deles, em conversas secretas – e, ao
mesmo tempo, aprovarem os embargos e sofrerem, em consequência, o
impacto da repercussão junto à população, que foi às ruas pedir pela
condenação dos réus e pelo fim da corrupção.
Assas e atordoamento
O
nome Assas JB Corporation, da empresa criada pelo ministro Joaquim
Barbosa consiste, na prática, numa homenagem feita por ele às duas
primeiras letras do seu próprio nome (JB) e a Universidade
Panthéon-Assas, tida como uma das mais tradicionais escolas públicas de
Direito do mundo, onde estudou. A Assas surgiu da antiga Universidade de
Paris, que a partir do movimento estudantil da França, em Maio de 1968,
passou a se chamar Universitée Panthéon-Assas.
O
questionamento sobre ser legal ou não o procedimento de registrar uma
empresa nos Estados Unidos para comprar um apartamento na Flórida, dando
seu próprio apartamento funcional enquanto ministro do STF em Brasília
como residência, tem deixado advogados e magistrados ainda atordoados.
Para
o presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Nino
Toldo, se a empresa esta sediada no imóvel ocupado pelo ministro, isso
corresponde a “fato gravíssimo, do ponto de vista ético”. O presidente
da Ajufe deixou claro, numa declaração forte sobre o assunto, que “dos
magistrados espera-se um comportamento adequado à importância
republicana do cargo, pois um magistrado, seja qual for o seu grau de
jurisdição, é paradigma para os cidadãos”.
Já a
OAB tratou de passar a ultima terça-feira desfazendo possíveis mal
entendidos em relação ao caso. Isso porque um dos representantes da
entidade no Conselho Nacional do Ministério Publico (CNMP), Almino
Afonso Fernandes, pediu na reunião da ultima segunda-feira que sejam
tomadas providências por parte do MP em relação a Barbosa. Apesar disso,
o presidente da Ordem, Marcos Vinicius Furtado Coelho, que se encontra
fora do país, enfatizou por meio de sua assessoria que “todas as pessoas
tem direito a ampla defesa, inclusive o presidente do STF”. “Não vamos
reforçar um ataque imoral a quem quer que seja”, enfatizou.
Nomeado
pela OAB por lista tríplice, o conselheiro Fernandes – que está próximo
de concluir sua gestão no CNMP – conforme o entendimento da Ordem não
representa a OAB propriamente, e sim o CNMP. Mas sua fala causou
constrangimentos diante da entidade de advogados, principalmente porque
pareceu uma represália às criticas e piadas já feitas pelo presidente do
STF à categoria.
O argumento apresentado por
Fernandes, no entanto, traduz tudo o que os desafetos de Joaquim Barbosa
já comentaram. Primeiro, o de que a abertura de uma empresa por
ministro do STF contraria os preceitos da Lei Orgânica da Magistratura
(Loman) – caberia a ele ser apenas cotista de empresa do tipo. E,
depois, o de que não poderia ser utilizado o endereço de um imóvel
funcional como sede da Assas JB Corp.
O
presidente da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), Henrique
Nelson Calandra, por sua vez, ressaltou que cabe ao Conselho Nacional de
Justiça (CNJ) – que tem Barbosa como presidente – a função de zelar
pelo bom funcionamento do Judiciário. Mesmo sem comentar abertamente a
situação do ministro, Calandra (responsável por eterna guerra entre a
AMB e a corregedoria do CNJ) ironizou: “Se algum de nós mortais
cometesse algum ato desses que viesse a ser noticiado pela imprensa, com
certeza o CNJ instauraria um processo administrativo.”
Trajetória tumultuada
Na
verdade, prestes a completar 58 anos em outubro, o ministro do Supremo
Tribunal Federal (STF) apenas volta à cena na crônica brasileira com a
história do apartamento. Em meio a tudo o que já declarou e por tudo o
que brigou, Barbosa, reconhecidamente dono de uma biografia respeitável,
sempre se destacou pelo estilo esquentado que já lhe rendeu muitos
problemas. Quando foi criticado pelos pares, em 2010, por se licenciar
em razão das dores que sofre na coluna e ter sido visto na companhia de
amigos em um bar tradicional de Brasília, declarou sobre as reportagens:
“Isso é armação de pessoas que não gostam de mim.”
O
problema que acomete sua coluna é sério e, realmente, o obrigou a
participar, de pé, de muitos julgamentos históricos no plenário do
Supremo. Mas, na época da reportagem, ele tinha sido considerado um dos
ministros menos produtivos do STF e seu gabinete acumulava 13.193
processos, tendo ficado 112 dias sem trabalhar por conta de problemas de
saúde.
Empossado como presidente da mais alta
corte do pais numa cerimônia considerada das mais emocionantes da
historia do STF, Joaquim Barbosa traçou uma carreira digna de pessoas de
condições humildes que se saíram vitoriosas pelo próprio esforço.
Chegou em Brasília aos 16 anos e conseguiu seu primeiro emprego como
gráfico no jornal Correio Braziliense. Logo após concluir o curso de
Direito pela Universidade de Brasília (UnB), fez pós-graduação,
mestrado, doutorado e especializou-se em Direito Público Comparado, com
passagens pelas universidades de Paris (França) e Columbia (Estados
Unidos). Foi oficial de chancelaria do Ministério das Relações
Exteriores e promotor público, até ser indicado pelo presidente Lula, em
2003, para o STF.
Ao longo do período colecionou
brigas com ministros como Marco Aurélio Mello, Eros Grau, Gilmar
Mendes, Ricardo Lewandowski e Cesar Peluso. Ate chegar à condição de
adorado por boa parte da população e de possível presidenciável depois
do julgamento da PA 470 – condição que ele nega. Sua atuação como
presidente do STF e do CNJ, porém, tem deixado a desejar no tocante ao
bom entendimento entre magistrados e advogados, pelos comentários ácidos
que já fez.
Além da crítica aos advogados,
Barbosa já se manifestou contra a criação de novos tribunais federais e o
patrocínio de empresas privadas a eventos organizados por magistrados –
sempre, de forma tida como desrespeitosa pelos juízes. “Ele é arrogante
e ainda não aprendeu. Espero que depois dos últimos dias comece a
avaliar sua postura e passe a adotar um comportamento mais ameno”,
afirmou um colega de tribunal. “O ministro é sincero e imperioso em
suas palavras, mas extremamente afetuoso com as pessoas que lhe são
próximas”, rebateu um dos integrantes da sua equipe.
Discriminações
Joaquim
Barbosa também costuma reclamar que já foi muito discriminado e chegou a
afirmar, na sua ultima entrevista – quando disse não ter interesse em
se candidatar a presidência – que “o Brasil não esta preparado para um
presidente negro”. “Perguntei-me o que ele quis dizer com isso. Depois
de tantas conquistas, justo o Brasil que tem uma mulher na presidência,
já teve como presidente um trabalhador simples como o Lula, agora não
esta preparado para eleger um negro que possui um super currículo? Que
tipo de culto aos direitos dos afrodescendentes ele estava querendo
fazer quando afirmou isso?”, reclamou a socióloga Maiara Arruda,
militante do movimento negro no Distrito Federal.
Enquanto
isso, o próprio finge que não é com ele. Desmentiu, por meio de sua
assessoria de imprensa, que não tivesse cumprimentado Dilma Rousseff
quando esteve com o Papa Francisco. Também divulgou que, na historia do
apartamento, trata-se de um imóvel simples e que teria sido comprado em
conformidade com o que estabelece a legislação brasileira e
estadunidense e ponto final. Se a historia vai ficar mesmo por aqui ou
vai esquentar as discussões do Supremo nas próximas semanas, só a
temperatura entre os ministros – que poderá pressionar ou não o MP a
agir – e o humor de Joaquim Barbosa poderá dizer.
Fonte: http://www.brasildefato.com.br/node/14898
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