COTAS RACIAIS EM SÃO PAULO, SIM!
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“É passada a hora
de derrubar as cercas desses verdadeiros latifúndios em que se
transformaram as universidades públicas paulistas. Não é possível
aceitar que instituições que tanto custam aos cofres públicos,
permaneçam servindo apenas a uma pequena camada da população e
fortalecendo a cultura do privilégio branco e do racismo em nosso
estado.”
Nesta
última quinta-feira, dia 1 de agosto, a Frente Pró Cotas Raciais de São
Paulo, espaço de articulação que reúne os movimentos negros paulistas,
movimentos sociais, estudantis e sindicais comprometidos com o combate
ao racismo lançaram oficialmente a Campanha
Estadual de Coleta de Assinaturas para o Projeto de Iniciativa Popular
de Cotas Raciais e Sociais nas Universidades Públicas Paulistas.
A cerimônia, com caráter de ATO político, aconteceu na Faculdade de
Direito da USP, no Largo São Francisco no centro de São Paulo, e reuniu
cerca de 150 lideranças, ativistas e estudantes.
A proposta defendida pelos movimentos foi construída após dois meses
de longos debates de um grupo de trabalho formado por representantes dos
movimentos negros e sociais, incumbido da tarefa de reformular o texto
do PL 530/04 que tramita na Assembleia Legislativa de São Paulo – Alesp.
De acordo com o novo texto, as universidades públicas devem garantir
55% de Cotas, sendo elas assim divididas: 25% para candidatos
autodeclarados negros e indígenas; 25% para candidatos oriundos da rede
pública de ensino, sendo que deste percentual, 12,5% reservado para
estudantes cuja renda familiar per capta seja igual ou inferior a 1,5
salário-mínimo; e 5% para candidatos com deficiência, nos termos da
legislação em vigor.
A meta inicial da campanha é reunir 200 mil assinaturas até o mês de
Novembro deste ano, quando durante as comemorações do Mês da Consciência
Negra, pretende-se protocolar junto à Alesp a proposta com a força
política e o apoio formal destes 200 mil eleitores paulistas.
Histórico
O atraso em relação a questões sociais e o viés conservador e
elitista de seus governos, parece sem dúvida a marca registrada do
Estado de São Paulo. Após a participação do Brasil na Conferência
Internacional Contra o Racismo em Durban, no ano de 2001, apenas em 2006
uma das universidades públicas paulistas reagiu à necessidade da adesão
a políticas de acesso, ainda que timidamente.
Naquele ano a USP aprovou, sob protestos do movimento negro e social,
um plano de bonificação para estudantes de escolas públicas em seus
vestibulares, batizado como INCLUSP – Programa de Inclusão da USP,
iniciativa insuficiente segundo os movimentos, para garantir o acesso de
negros naquele espaço. Com o passar dos anos a tese foi confirmada.
Números divulgados em 2011 demonstraram, por exemplo, que entre 2007 e
2011, apenas 12 estudantes pretos haviam acessado o curso de medicina da
USP! (1)
A partir daí, a luta por Cotas Raciais se intensificou no Estado.
Unicamp e Unesp, cada qual a sua maneira, iniciaram programas tão
tímidos quanto o da USP. O posicionamento das reitorias destas
instituições, bem como a dos governos do PSDB, sempre foram radicalmente
contrários às Cotas Raciais nestas Universidades, na contramão do que
se desenvolveu pelo restante do país.
Com o avanço das políticas de Cotas pelo Brasil afora e seus
incontestáveis resultados, e apesar do embate travado pelas elites
brasileiras que colocaram seu aparato de comunicação a serviço de
combate-las (2), em Abril de 2012 o STF declarou sua
constitucionalidade quando já àquela altura cerca de uma centena de
universidades públicas brasileiras haviam experimentado algum tipo de
iniciativa inclusiva.
Com o ânimo renovado pelo resultado unânime do STF a favor das Cotas
Raciais e fortalecidos pela aprovação da Lei que instituiu Cotas Raciais
nas Universidades Federais, organizações negras e sociais articularam a
formação da FRENTE PRÓ COTAS RACIAIS DO ESTADO DE SÃO PAULO.(3)
Surgiram então iniciativas importantes de pressão aos deputados
estaduais no sentido da aprovação do PL 530/2004, a mais antiga e
representativa proposta de Cotas que tramita ainda hoje na ALESP. Foram
promovidas audiências públicas, dezenas de debates em universidades,
escolas e associações, bem como uma infinidade de protestos e Atos.(4)
Ainda em Maio/12, a partir da adesão de professores uspianos à Frente
Pró Cotas, com destaque para o Professor de Direito Dr. Marcus Orione, a
Faculdade de Direito da USP aprovou, em seu Conselho Geral, a
orientação para que a USP aprovasse Cotas Raciais; Em Junho/12
representantes da Frente Pró Cotas Raciais promoveram intervenção e
exigiram do Colégio de Líderes da Alesp que aprovassem o PL de Cotas
Raciais nas Universidades Públicas de Sao Paulo. (5)(6)
Nas semanas seguintes, em reunião do Conselho Universitário na USP,
com a presença de representantes da Frente Pró-Cotas Raciais, fora
debatida a necessidade de adoção às Cotas Raciais e encaminhada as
intenções daquele conselho em instituir um grupo de estudos com
participação da sociedade civil, para a apresentação de uma proposta de
Cotas Raciais para a USP.(7)(8)
Setembro, Outubro e Novembro de 2012 foram marcados pela agenda
eleitoral e pela onda de violência que assustou São Paulo. Os movimentos
negros voltaram suas atenções às chacinas e ao assassinato
indiscriminado de jovens negros pelas milícias e, enquanto se promovia
protestos e denúncias do governo Alckmin, a popularidade do governador
era profundamente abalada.
Como resposta, Alckmin lança no final de Novembro e início de
Dezembro uma agenda positiva que reuniu inauguração de postos de
alimentação e viagens a cidades do interior. É nesse contexto que surge a
proposta do PIMESP – Plano de Inclusão com Mérito para as Universidades
Públicas de São Paulo.
Em resumo, esse plano não previa a garantia de acesso, mas apenas um
conjunto de ações que incluía os já existentes – e ineficazes –
programas de bonificação presentes nas três universidades, somadas à
ideia do “College”, esse dirigido apenas aos cotistas de menor média no
vestibular. Tal proposta previa a criação de um curso de “fortalecimento
pedagógico e acadêmico” à distância, o que na prática reforçaria a
discriminação, isolando os alunos da convivência no ambiente
universitário. Após dois anos, desde que atingissem metas de notas, aí
então teriam chance de acessar algum curso dessas universidades.
O
Movimento Negro reagiu. A Frente Pró Cotas organizou um Manifesto
Contra o Pimesp e a favor de Cotas Raciais, que reuniu centenas de
adesões de personalidades e instituições. (9)
Após a realização de intensas mobilizações, fora instituído o grupo
de trabalho que reformulou o texto do projeto de lei que voltou a
tramitar na Alesp e que, sobretudo, é o objeto da campanha lançada neste
1 de Agosto. (10)(11)(12)
Muito embora a Unesp tenha aderido ao Pimesp e Unicamp até o momento
não tenha o confirmado, na USP o PIMESP foi derrotado e substituído por
uma reforma no velho Inclusp, com a criação de um bônus de 5% para
estudantes negros oriundos de escolas públicas. Mais uma maquiagem
inaceitável que em nada garante o acesso de estudantes negros nos bancos
universitários. (13)
É passada a hora de derrubar as cercas desses verdadeiros latifúndios
em que se transformaram as universidades públicas paulistas. Não é
possível aceitar que instituições que tanto custam aos cofres públicos,
permaneçam servindo apenas a uma pequena camada da população e
fortalecendo a cultura do privilégio branco e do racismo em nosso
estado.
Acesse o site da UNEafro-Brasil, saiba mais detalhes, baixe os documentos e participe da campanha!
*Douglas Belchior é professor de História e integrante da UNEafro Brasil
Links – Fontes:
(1) NÚMEROS DO INCLUSP(2) ELITES BRASILEIRAS CONTRÁRIAS AS COTAS RACIAIS
(3) FORMAÇÃO DA FRENTE PRÓ COTAS RACIAIS DO ESTADO DE SÃO PAULO
(4) AUDIÊNCIA PÚBLICA ALESP 2012
(5) FACULDADE DE DIREITO DA USP APOIA APROVA COTAS RACIAIS
(6) COLÉGIO DE LÍDERES DA ALESP
(7) CONSELHO UNIVERSITÁRIO USP – 1
(8) CONSELHO UNIVERSITÁRIO USP – 2
(9) MANIFESTO CONTRA O PIMESP E A FAVOR DAS COTAS RACIAIS
(10) PLENÁRIA DA FRENTE PRO COTAS: Fonte 1 – Fonte 2
(11) LANÇAMENTO DO GT PARA REFORMULAÇÃO DO TEXTO DO PL COTAS
(12) GT ENTREGA NO TEXTO DO PL DE COTAS - NOVO PROJETO DE COTAS
(13) REFORMA NO INCLUSP – 5% DE BÔNUS